A grande aula
Duas pessoas caminham na mesma calçada, em direções opostas. Elas já se
viram. Ao cruzarem baixam os olhares e seguem os respectivos caminhos. Você
observa a cena. Essa situação era um reencontro, um desencontro, ou apenas duas
pessoas se cruzando na rua?
O que dá sentido a isso é o contexto. Quem eram as pessoas, onde estavam
e o que viveram até ali, até o momento daquele desvio de olhar ao se cruzarem. Sem
essas informações a cena tem o significado que você quiser. Para os românticos
otimistas um desvio de olhar que pode representar o futuro. Para os de coração
partido, um desvio de olhar que fala muito sobre o passado. Para os pragmáticos
eram duas pessoas se cruzando cotidianamente pela vida.
A vida é uma grande aula. Das grandes lições que você aprende está a de
não recriminar o outro por ter um ponto de vista diferente do seu. Tento me
desconstruir todo dia para não ter a leitura fácil e binária dos fatos, pois há
vários aspectos que devem ser observados. Tento construir o diálogo e mediar
conflitos para continuar a caminhada.
Sim, pensei na grande aula, porque hoje é dia dos professores. Há 15
anos sou um deles. Está registrado na minha carteira de trabalho, inclusive.
Há 15 anos faz parte da minha rotina, entrar numa sala de aula e ter os
olhares voltados para mim. Amigos, ser professor é andar no fio da navalha. A
primeira coisa é ter generosidade. Se você não deixar aflorar a generosidade
que carrega, não consegue seguir na missão.
Eu costumo dizer aos meus alunos que a gente faz jornalismo com o que
traz dentro da gente. Preconceitos, simpatias, antipatias, imperfeições e
imprecisões. Árvores não são egoístas, seres humanos são. Dar aula é entender
que o coletivo é mais importante do que o individual.
Aí reside, pelo menos para mim, a grande questão. O esforço para tratar
igualmente a todos, mesmo gostando mais de uns do que de outros. Não adianta
lutar contra um fato: afinidades e antipatias são da vida, mas mesmo dando aula
com que trazemos dentro da gente, essas empatias não podem causar diferença no
tratamento que você dá às pessoas.
Todo professor tem que entrar em sala de aula com a vontade de ensinar e
de aprender. Acho que a aula é um lugar de debate, de crescimento. Não cabe
mais aquele cara que chega, despeja uma porção de conteúdo, faz chamada e vai
embora.
Aliás, sei que sou um privilegiado. Recebo em dia, dou aula com todos os
recursos disponíveis. Minha solidariedade aos professores, que além de
sobreviver, estão sujeitos a ameaças dentro e fora da sala de aula. Esses,
amigos, são heróis.
Já tive uns 3 mil alunos, muitos são pais e mães. Alguns fazem sucesso
no jornalismo, outros no teatro, no cinema e na televisão. Tem gente que não está mais aqui. Um dos que partiram me
deu uma ideia que estou perseguindo e ainda vou conseguir realizar regularmente.
O Guilherme Marques, uma das vítimas no voo da Chapecoense, me disse com
aquele jeito carinhoso e sorridente: “faz assim, no final de todas as aulas
conta uma das suas histórias, a gente adora essa parte”. Estou tentando fazer
isso Guilherme, estou tentando.
Tento ser um mosaico composto por pedacinhos das milhares de histórias
que acompanhei na sala de aula. Aprendo com uns, para ensinar a outros, com quem
também aprendo, para ensinar a outros... Caminhando sempre, porque quando a
gente para é hora de partir.
Além do que, ser professor tem seu lado de poesia: Há sempre um quadro
pronto para ser preenchido, tem sempre a busca utópica pela grande aula a ser dada.
Parabéns aos professores - resistentes e missionários!
ResponderExcluirExcelente!!! Parabéns, Mestre!
ResponderExcluirNem todos os professores pensam ou agem assim. Por cansaço, desilusão, parcialidade. Pena... Atualmente,não estou docente, mas, como orientadora, serei sempre Professora.Abs