Dom Corleone chega à funerária tarde da noite. Ele
conversa com o dono, um homem que lhe devia favores. Tira o pano mortuário de
cima do filho Sonny e pede: “quero que a mãe possa ver seu rosto”. O herdeiro do
clã mafioso acabara de ser assassinado numa emboscada e levara dezenas de tiros,
inclusive na face. Vamos para a cena ena final de Tropa de elite 1 (alerta de spoiler) , Baiano pede ao capitão
Nascimento: “no rosto não, só para livrar o enterro”. As frases podem não ser
exatamente essas, pois as cito de memória, mas o sentido é o mesmo: a
importância do rosto do morto na hora do enterro.
Ao pensar em alguém que não está mais com você, a
primeira lembrança geralmente é do rosto da pessoa. No entanto, seu
relacionamento afetivo passa por uma transformação. A ausência faz com que o
ditado popular seja contrariado. Ao não poder mais interagir fisicamente com
quem amamos, pensamos, quem “vê cara, vê coração”.
O rosto e suas transformações são a paisagem que
vamos percorrendo. Rostos lisos que vão se modificando com as chamadas marcas
de expressão. Marcas que são nada mais, nada menos do que a exteriorização dos
nossos sentimentos. O rosto diz muito sobre nós. Mesmo o dissimulado
profissional tem um átimo de segundo em que o rosto lhe trai e revela algo que
ele não queria deixar passar.
Descobri no ótimo, porém tardio, Conversa com Bial,
que o profissional que cuida do rosto dos que morrem é tanatopraxista. Numa
pesquisa rápida, descobri que a preparação do corpo para um enterro custa em
média de R$ 550. É uma preparação para que aquela última visão que vamos ter de
quem partiu seja a mais parecida possível com a aparência que tinha em vida.
Quando lembro de quem partiu, a primeira imagem é a
do sorriso. Não é o rosto com olhos fechados e muitas vezes com chumaços de algodão
nas narinas. Nessa hora da despedida, o que mais lembro é da temperatura das
mãos. É de um frio único, que passados vários anos, não saem do repertório
mórbido que é despertado em datas como o Dia de Finados.
Não tenho uma boa relação com a morte. Talvez por
ter tido um pai 60 anos mais velho do que eu, tenha convivido muito de perto
com a decrepitude e o pavor que o inevitável acontecesse logo. Diante das
perspectivas, acho que o tive por bastante tempo. Admiro quem consegue ter uma
relação com o luto altiva e conformada. Não sou assim, mas é o tipo de coisa
com a qual é inevitável tratar.
No Conversa com o Bial, uma dona de cemitério disse
que um dos serviços que oferece é uma caixa de memórias. As famílias podem
colocar em cima das lápides uma caixa. Lá são colocados bilhetes, cartas e
fotos do morto e da família. Alguns veem nisso um jeito de continuar
conversando com aquele que partiu.
No filme, Forrest Gump enterra a amada Jenny no quintal
de casa e conversa com ela. Ele fala de como está a vida e como o filho deles
está crescendo. O pequeno Forrest faz uma carta, não deixa o pai ver e coloca
debaixo de uma pedra para que a mãe possa ler. A caixa de memórias e a carta do
menino são momentos de conforto. Alivia um pouco pensar que as pessoas amadas
vão continuar velando por nós ao partir.
Como tudo na vida, a morte apronta algumas piadas.
O prefeito de Biritiba Mirim, no interior de São Paulo, proibiu as pessoas
morrerem na cidade. Pedro Bial mostrou imagens de velórios em Porto Rico que
beiram o surrealismo. Um homem jazia em sua moto, em posição de corredor. Óculos
e jaqueta de couro em posição de piloto de corridas!!! O outro morto estava em
pé, atrás de uma mesa com enfeites de aniversário.
Também tenho uma história engraçada nesse universo.
Fui fazer uma reportagem sobre a venda de itens apreendidos pela receita. Havia
dentre eles um lote de 105 caixões tailandeses de alto luxo. Um comerciante se
enganou e arrematou os caixões pensando que estava comprando um lote de
bambolês e de ioiôs. Os jornalistas foram conversar com ele e a resposta foi
objetiva: vou mudar de negócio.
Na verdade, temos algumas mortes na vida. Elas são
seguidas de renascimentos. Mesmo a Morte, aquela que associamos a ideia de
ceifadora das vidas, guarda um renascimento. A pessoa sai do plano das imperfeições
físicas e renasce no campo das perfeições afetivas. Com o tempo, só as boas
lembranças ficam.
Muda nāo. Kkkk
ResponderExcluirA vida é passageira. A esperança é eterna.
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluir