A crise
econômica tem alguns efeitos periféricos curiosos. Por exemplo, os números de
Ibope na Rádio Globo mostravam uma tendência. Quando o bolso ia mal, “só Jesus
na causa”. Quando as pessoas se viam em dificuldades financeiras, a audiência
do Padre Marcelo Rossi subia.
Durante os últimos 7 anos que fiquei na emissora, pude comprovar
que os inventores da sentença tinham razão. É a tal história, quando o calo
aperta a gente lembra e dá uma olhada no sapato.
Acho que tudo na vida da gente seria facilitado se em vez de
reagir, agíssemos. Por exemplo, a orgia natalina.
Relacionar uma festa religiosa com orgia pode parecer heresia,
para o pessoal que defende censura à exposição, por exemplo. A esses, peço calma,
a orgia a que vou me referir é a gastronômica.
Nesse momento escrevo auxiliado por um Sonrisal. Já não tenho o metabolismo de outras
épocas e a primazia dos olhos sobre a fome cobra seu preço.
Em quando aquela dor que parece uma faca entrando um pouco
abaixo do peito e chegando às costas, lembro que as últimas quatro fatias do
tender delicioso poderiam ter sido evitadas.
No entanto a ansiedade e a vontade de ter aquele pedaço da carne
mais escura do pernil fazem com que você aja sem medir as consequências.
Será um medo atávico de ficar sem comida? Em algum lugar entre
as missões gaúchas e a migração sertaneja, posso ter tido antepassados que
passaram fome e me transmitiram essa glutonaria.
Aliás, herdamos uma série de glutonarias. Os muitos carros, os
muitos sapatos, os muitos relógios são a prova disso. Esse acúmulo nos faz ter
medo de perder o que temos.
O medo é péssimo conselheiro. Ele nos cega. Então, nos lançamos
em aventuras irresponsáveis patrocinadas por quem espalha a política do medo.
Vejamos o fechamento das ruas do Rio. Matéria publicada no Globo
mostra que no último ano foram autorizados 54 fechamentos. O estado se sente
incapaz de cumprir o papel de prover segurança aos locais.
Os moradores preocupados com tudo de valor que construíram com o
suor do seu trabalhão se organizam e contratam empresas de segurança...
As cancelas de rua podem ser incubadoras dos ‘ovos’ da serpente
miliciana. Os condomínios da Barra lançaram essa tendência de cercar com grades
e cancelas os logradouros. O medo provocado pela ausência do estado faz com que
essa praga se espalhe para outras áreas da cidade.
Dois mil e dezessete vai ficar marcado como o ano que um bairro
inteiro se gradeou. Por ficar numa área violenta da cidade, os moradores
de Vila Kosmos, um bairro de 18 hectares, resolveu restringir o acesso ao
bairro.
O fechamento das ruas pode criar aos poucos um código de posturas
para o local. “Cuidado com o carro de insulfilm escuro”. “Ô de boné e
chinelo, aonde você vai vestido assim”? O nível de controle vai subindo e em
algum tempo o diálogo vai ser assim: “olá, dona Maria, a senhora vai pagar no
crédito ou no débito o ingresso para entrar em casa”?
E tudo começa pouco a pouco. Primeiro você quer a proteção e se
dispõe a pagar por isso. O tempo passa e você fica com mais medo e a empresa de
segurança vai lhe proteger. Quando você perceber, vai depender dela...
Não é preciso ver Tropa de Elite 2 para saber onde isso
vai parar. Bem, como não sou prefeito, nem secretário de segurança, vou cuidar
de fazer uma detox. Essa semana tem churrasco no sábado e depois Réveillon e
enterro dos ossos da passagem do ano. Ou seja, vou comer por 72 horas seguidas.
Estou pedindo remédio na farmácia. Preciso aumentar o estoque de Sonrisal. Já
que não vou conseguir agir fazendo a dieta, vou ter que reagir à
comilança.
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