Sei que em pleno século XXI o que vou revelar agora
pode resultar em bullying, mas vamos lá. Faço os pés no salão. Minha mulher fez
com que eu adquirisse este costume.
Eu adoro ouvir as histórias do salão. Parece uma terapia em grupo. É
clichê, mas acho que o cheiro das tinturas de cabelo, a acetona e outros
produtos funcionam como soro da verdade.
Engraçado, parece que além de abrir as portas da sinceridade, fecha as
do constrangimento. As coisas contadas naquele divã disfarçado de cadeira para
tratamento capilar são impressionantes.
Certa vez ouvi da mesma cliente duas histórias. Enquanto retocava a cor
loira de suas madeixas, ela mostrou uma mensagem de WhatsApp da nora: “você
acredita que meu filho largou a mulher para ficar com esta moça do trabalho”.
Ela continuou: “foi uma mistura de tesão e de paixão”. A cabeleireira
contrapôs: “mas não é tudo a mesma coisa?”
Aquela discussão me intrigou. Paixão e tesão são diferentes? Não tinha
pensado nisso ainda. Talvez a cliente tenha separado desejo sexual de paixão.
Em meados do século XIX, tesão deixou de ser sinônimo de tensão e passou a
significar a disposição do homem para o sexo. A paixão é mais romântica,
existindo até o termo platônico, para aquela que se opõe à paixão física. Em
nossos tempos paixão e tesão tornaram-se quase sinônimos.
Depois de fazer esta reflexão linguística, recorrendo ao dicionário,
obviamente, voltei a prestar atenção na conversa da cliente e da cabeleireira:
“eu coloquei meu marido para correr. Não tive medo. O relacionamento me fazia
mal. Mesmo com filhos pequenos, terminei o casamento”, revelou a cliente.
Até aquele momento, evitara olhar a mulher. No entanto, a coragem dela
aguçou minha curiosidade. Ela devia ter pouco mais de 60 anos. Fiz contas
aproximadas. Se ela já tem filhos e netos, a separação ocorreu há pelo menos 30
anos. Ou seja, ela teve que enfrentar a barra de ser uma mulher separada com
filhos pequenos na década de 80. Uma mulher corajosa, sem dúvida. Ela ainda
completou: “não foi por falta de amor, foi porque me fazia mal e meus filhos
sofriam”.
No mesmo salão já soube da notícia falsa da morte de um mendigo querido
no bairro, da rotatividade das empregadas de uma madame rica no bairro e da
rotina de uma comunidade ocupada pela polícia.
No entanto, a disposição daquela mulher em interromper algo que lhe
fazia mal, fez com que ela ganhasse um admirador. E o leviano exercício para
matar o tempo, virou a base para um texto neste blog.
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