O homem com chapéu de estampa de zebra, um bigode clássico,
fininho, camisa lisa bege, calça de tergal azul e mocassim. O outro usava um
boné, camiseta regata, um cordão grosso no pescoço. Cada um tinha a sua frente
uma garrafa de cerveja, copos pela metade daquele líquido amarelo e um colarinho
bem curtinho.
Os dois deviam ter mais de 70 anos. Pensei que aquela conversa
ia longe. Comecei a pensar em como nascera a amizade. Sentados em frente aos
copos de cerveja, a pausa na conversa que observei guardava o silêncio de
amizades compulsórias, daquelas que palavras frenéticas não fazem mais parte.
Do tipo que os sorrisos, os suspiros e o movimento de sobrancelhas falam tanto ou
mais do que uma expressão corriqueira que pode ser dita tanto a um estranho
quanto à sua mãe.
Há um problema da análise dos fatos aproveitando apenas o lampejo do
instante que você acompanhou: sobram muitas perguntas.
Se toda realidade é uma construção e a verdade depende dos olhos
de quem vê, para mim os dois homens sentados na esquina da Frei Leandro com
Jardim Botânico tomavam cerveja e se lembravam de experiências vividas naquele
lugar. Nos tempos em havia casas e não prédios luxuosos, tinha menos carro na
rua e a velocidade da vida era mais baixa.
Com nostalgia e complacência, não com crítica e ridicularização,
entendo que os dois homens pareciam deslocados no tempo, ou talvez, localizados
num tempo particular. Num ritmo no qual, os que acham que ainda têm muito a
percorrer, não se permitem adotar.
Executivos, secretarias, jovens profissionais promissores e
estagiários das empresas da região talvez não vejam os dois homens mais velhos
sentados no meio do caminho, com as garrafas e copos de cerveja num dia de
semana de outono.
A verdade é que talvez, para muitos dos personagens citados no
último parágrafo, os homens sentados na esquina tenham pouca utilidade. E neste
mundo de excessos, colorido e de luzes sempre acesas, o que nos parece inútil
torna-se invisível.
Quinze minutos depois da primeira vez que os vi, voltei e eles
estavam lá. Havia uma terceira garrafa de cerveja na mesa e eles
conversavam alguma coisa.
Por passar rápido, capturei apenas fragmentos de conversa, mas
nada conclusivo. Aliás, nem queria apurar sobre o que falavam. Prefiro imaginar
conversas filosóficas entre pessoas que já viveram muito.
Imaginem a minha decepção se eles estivessem apenas reclamando
que a cerveja estava quente ou que o torresmo estava demorando a chegar.
Perderia todo lirismo que vulgarmente tentei colocar nestas linhas.
Muitas vezes a realidade é mais pobre do que o que trazemos na
cabeça.
Muito legal, meu amigo. Espero q a vida nos permita um dia ocupar os lugares dos personagens da história de hj. Abraços
ResponderExcluirCreso o que você viu foram dois Zé Pilintras, você teve um momento de conexão com o outro plano.
ResponderExcluirRs