François
Truffaut dirigiu o filme Farenheit 451em 1966. A obra era a adaptação de um
livro que contava a história de uma sociedade do futuro que baniu os livros. O
trabalho dos bombeiros era manter a temperatura a 451 graus Farenheit para
queimar os papéis.
Chegou a me arrepiar ao ler a matéria do UOL em que o general da
reserva Alessio Ribeiro Souto defende retirar de circulação obras que não contem
“a verdade” sobre 1964. Ele faz parte de um grupo de militares que auxiliam o
candidato do PSL, Jair Bolsonaro. Assusta-me como o descaramento de intenções
arbitrárias ganha corpo a cada dia no Brasil.
Em um eventual governo Bolsonaro esta pessoa de mentalidade
tacanha seria responsável por projetos implementados nas áreas de Educação e
Tecnologia. O pensamento sub-reptício passaria pela implantação de escolas
militares em todos os estados. Nesses estabelecimentos de ensino seria então
esclarecida a “verdade”.
O que Truffaut previa há 52 anos com exagerado pessimismo pode
ser implantado no Brasil do século 21. Estive numa festa e ouvi uma frase
arrepiante: “Bolsonaro não é o ideal, mas não o quero para casar”.
Deu vontade de falar com a moça que não querer casar com
Bolsonaro é um problema dela, mas ajudar a eleger um político homofóbico,
machista, racista e fascista é muito pertinente à vida de todos.
As manifestações contra Bolsonaro foram substancialmente maiores
do que as favoráveis. No entanto, não se pode desprezar o voto envergonhado no
capitão. Nas pessoas que “não o querem para casar ” mas...
Como diz meu grande amigo Alexandre Caroli, a imprensa não faz
autocrítica, mas na eventualidade da tragédia eleitoral se concretizar, deveria
rever algumas colaborações decisivas para que ela ocorresse. A primeira
foi transformar um deputado fanfarrão, inexpressivo e integrante do “baixo
clero” na vocalização dos sentimentos mais hediondos da população.
Outra avaliação de seu papel deveria ter sido feita quando não
se esgarçou as declarações de Jair Bolsonaro atacando a deputada Maria do
Rosário. Aquilo é quebra de decoro. É falta de educação, é incitação ao ódio,
machismo, apenas para ficar na superfície do problema. A imprensa foi pusilânime com os
absurdos.
Na votação do impeachment de Dilma Roussef, Bolsonaro exultou
Carlos Alberto Brilhante Ustra. Torturador covarde do regime militar. Para quem
não sabe quem foi o militar morto em 2015, aos 83 anos, procure se informar.
Ele comandou crimes contra os direitos humanos no DOI-CODI e tinha o codinome
de Dr Tibiriçá. É possível imaginar que na cartilha que o general Alessio quer
implantar num eventual governo Bolsonaro, Ustra será colocado no rol dos
heróis, junto com Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e
Figueiredo. Um panteão que se bem analisado terá porões, paus de arara,
toneis cheios de água e cadáveres. No epitáfio deveria estar “Aqui jaz a
liberdade”. Como ao presenciar a exortação a um criminoso, a imprensa nada fez?
Então, ao emergir “o grande monstro da
Lagoa”, parte desta culpa será desta imprensa omissa.
A campanha de Geraldo Alckmin quer colora no mesmo saco as
candidaturas de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Que os políticos façam isso é
do jogo. Desonesto é que articulistas políticos também o façam. Concorde-se
ou não com o PT, não se pode dizer que ele não pertença ao campo democrático.
Vamos dar o nome aos bois. Bolsonaro representa o oposto da democracia. E
talvez o ovo da serpente nem esteja nele, mas sim na figura sinistra de seu
candidato a vice.
Vi um meme que conta muito do que poderá nos trazer os próximos
tempos. Pai e filho conversavam e o menino disparou: “pai, se a gente matar
todos os bandidos, só vão ficar as pessoas boas”. Ao que pai repondeu: “não,
meu filho, aí só vão ficar os assassinos”.
Pode ser que no começo, as atitudes repressivas não atinjam a
você. Mas fique certo, a repressão vai bater na sua porta. Quando os livros
forem queimados, os programas censurados e os jornalistas calados, só vai
sobrar esse mundo autoritário criado pelos soldados sem farda. Emissários desta
mensagem de ódio, de um capitão medíocre, que virou um parlamentar medíocre,
mas pode mergulhar o país numa tragédia cívica. A pobreza de espírito é tão
evidente, que o absurdo não guarda nem originalidade. Truffaut foi muito mais
brilhante que esses homens sem coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário