Em 1987 eu tentava uma letra que era assim: “em nome da moral e os bons costumes, acabam com a moral e os bons costumes. Invadem torturam e esmagam vidas sedentas de amor. Em nome do amor e a liberdade, acabam com o amor e a liberdade e abrem enormes feridas no peito dos mais machucados. Inventam doutrinas e leis esquecendo que o princípio é amar, inventam doutrinas e leis esquecendo que o princípio é amar”.
Perdão pela pobreza do jogo de palavras. Perdão pelo “compositor” de 16 anos que cometeu esses versos. Eu lembro até da melodia que tinha em mente para a “canção”. Não estou lembrado é se cheguei a mostrar essa letra para o Roger, meu comparsa nessas aventuras musicais.
O problema do pueril texto de mais de 30 anos é que ele me parece atual. A nova ordem decidiu cuidar da moral e dos bons costumes. Se o jornal publicar uma notícia que os desagrada, organiza-se uma onda de boicote das assinaturas. “Não é “normal” existirem casais homoafetivos. Então, vamos dificultar que eles adotem crianças. Não é possível que uma união promíscua possa dar boa formação a uma criança”. E lá se vão os valores tradicionais a impedir que crianças abandonadas tenham uma família.
“Ah, meu filho precisa ter liberdade de escolher suas ideias políticas, as escolas não podem fazer doutrinação”. E nessa visão curta, começam as perseguições aos professores pois afinal “Escola ensina, família educa”, prega o movimento Escola sem partido.
Ao coagir escolas e professores para que seus filhos não tenham contato com um conteúdo “tóxico”, país estão acabando com a liberdade da docência. O que se quer é um conteúdo asséptico, sem alma.
Não existe essa separação entre educar e ensinar. As duas coisas estão intrinsecamente ligadas. Famílias e escolas precisam estabelecer uma parceria. Os pais não podem se comportar como bedéis a vasculhar o que é ensinado na escola. Eles devem procurar saber qual a proposta pedagógica da instituição de ensino, antes de matricular a criança nela.
Muitos dos pais que vociferam contra os professores e suas teorias “esquerdizantes” são os mesmos que durante a semana chegam às 10 da noite de seus escritórios e não veem os filhos acordados. No fim de semana contratam babás para cuidar das crianças.
“Em nome do amor e da liberdade, acabam com o amor e a liberdade”. A liberdade que a nova ordem prega é para alguns. Moradores de áreas periféricas continuarão sem liberdade. Continuarão a ser vítimas de um sistema que criminaliza a pobreza. Cidadania restritiva, cruelmente, é uma cidadania pecuniária. Quanto mais se tem, mais se é cidadão. Os comandantes da nova ordem “abrem enormes feridas no peito dos
mais machucados”
A Bíblia anda mais valorizada do que a constituição. Muito se fala de reformas trabalhistas, políticas e previdenciárias, leis sobre o que não se pode falar, exibir e investigar. Não sei que Bíblia essas pessoas andaram lendo. Pois o princípio maior da Bíblia é Ama ao teu próximo como a ti mesmo. Na versão desse povo o mandamento foi atualizado. Odeie ao teu próximo se ele não for como você.
A nova ordem nada mais é do que o velho reacionarismo espalhado pelos grupos de WhatsApp. O passado está sendo reescrito. O que era repressão virou ordem, o que era recessão virou austeridade e o que era ditadura virou democracia com governo forte. Por isso meus versos de três décadas atrás soam cruelmente atuais.
I
Boa! muito bom
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