No dia primeiro de março de 1991 eu vi um show do Tom Jobim. O maestro que dividia a residência entre Nova York e o Rio de Janeiro, entoava o clássico Samba do Avião. Como se fosse um efeito especialmente ensaiado, no momento em que cantava “dentro de mais um minuto estaremos no Galeão”, um avião de carreira sobrevoou o palco montado no Arpoador. Naquele momento, prestes a completar 20 anos, entendi o que é ser carioca. É uma coisa bela, que mesmo no improviso, pode dar certo.
Talvez uma maneira de entender o Rio seja por intermédio dos sons que se produz por aqui. De Chiquinha Gonzaga a Cartola, de Tom Jobim a Bonde do Tigrão. O Rio é o terreiro de Tia Ciata e o baile do Viaduto de Madureira. É também o canto gospel ouvido na rádio de maior audiência da cidade. Tem que entender o mosaico de sons, cores e musicas. Há uma coisa em comum a todas tribos: o “s” chiado.
É carnaval e isso já deveria garantir um clima de festa no Rio. Mas nessa passagem pelos 454 anos deveríamos dar uma freada de arrumação. O prefeito do Rio fez que nem aqueles herdeiros que recebem uma casa e a abandonam. Começa com a goteira que não se conserta no banheiro dos fundos e acaba com o desabamento do teto da sala.
O Rio é uma cidade abandonada. Eu moro perto de um viaduto. Todas as noites pelo menos duas pessoas dormem embaixo dele. O problema não são as pessoas, é a falta de teto e cuidado com elas. É aquela “goteira” no banheiro dos fundos que as pessoas fingem não ver.
E o abandono chega ao seu apogeu quando a chuva, nada metafórica, atinge encostas e leva vidas. Vidas de pessoas há muito abandonadas pelo poder público e que são lembradas apenas em épocas de eleição
Mas o prefeito do Rio é um democrata, abandona o morro e abandona o asfalto. Tem uma rua em Botafogo chamada Martins Ferreira. Ela fica a uns 200 metros do Palácio da Cidade, uma das sedes da Prefeitura do Rio. Pois bem, qualquer chuva que ocorra na cidade a esquina da Martins Ferreira com Voluntários da Pátria alaga. Os motoristas devem andar em zigue-zague. Pois se quiserem dirigir em linha reta cairão numa das dezenas de buracos que a rua, com pouco mais de 300 metros, abriga.
Andar pelo Boulevard Olímpico, ver os canteiros mal cuidados e o calçamento com alguns buracos aumenta a impressão de que o prefeito desperdiçou a herança olímpica que recebeu.
Mas nesse aniversário, o que mais entristece um carioca-raiz é um prefeito que pratica intolerância religiosa contra um dos símbolos da cidade. A má vontade do prefeito-nulidade com a festa é um crime de lesa- carioquice. Ele atrapalha a vida dos blocos de rua e das escolas de samba. Mesmo assim, a expectativa é que o carnaval deste ano movimente R$ 2.1 bilhões.
Pensar que estamos em primeiro de março e que ainda falta um ano e 10 meses para o fim do mandato do prefeito-fantasma faz a gente desacreditar o otimismo.
Um presente que gostaria de pedir nesse aniversário é: Crivella, devolva a cidade aos cariocas. Reconheça o fiasco desse mandato. Tenha a hombridade de não se candidatar à reeleição. Você não está preparado para a função que foi eleito para exercer. Os 26 meses à frente da cidade já o credenciam como o pior prefeito da história do Rio. Daqui a 50 anos quando provavelmente nem eu nem o senhor estaremos por aqui, seu governo será lembrado como o período das trevas, aquele que o mandatário fez a cidade refém de seus credos e privilegiou quem seguia suas crenças.
Os aniversários de 454 e 455 anos do Rio estão perdidos. Mas sou um otimista. Acho que para o de 456 anos há alguma esperança. Então, prefeito ponha fones de ouvido, entre num bunker para que a batucada não lhe provoque urticária. O Rio vai sobreviver à sua incompetência e ao abandono que o senhor o dedicou. Afinal, o Rio é Tom Jobim, não Marcelo Crivella.
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