A aventura de dirigir
Fiz a prova de direção mais de uma vez. Aos 30 anos,
quando casei, não tinha carteira de habilitação. Minha mulher disse que estava
cansada de dirigir sozinha e me convenceu que eu tinha que acabar com aquela
espécie de analfabetismo.
Aquele ano de 2001 já era um ano de mudanças, logo, resolvi passar por
mais uma. Tinha acabado de casar e agora ia aprender a dirigir. A falta de perspectiva
de ter um carro adiou o desejo pela carteira. Além disso, andava de bicicleta e
de ônibus. Achava que estava tudo resolvido.
Iria tirar a carteira com novas regras do Código Nacional de Trânsito.
Tive que fazer inacreditáveis aulas teóricas antes de me qualificar para o
exame prático. O resultado foi melhor do que o esperado. Lembro-me de ter sido
o único a gabaritar a prova teórica na minha autoescola. Não é nada, não é
nada, não é nada mesmo.
O que interessava era aquela prova prática. Estava muito bem nas aulas.
Meu professor me dava o benefício de passar a quinta marcha. Estava dirigindo
como se fosse um profissional. O Ayrton Senna redivivo.
Claro que meus companheiros de trabalho acompanhavam as aulas e acabei sofrendo
toda espécie de bullying. Diziam que os postes da cidade deveriam ser
revestidos de plástico, que os examinadores deveriam me reprovar previamente.
Que eu seria um risco para a população do Rio de Janeiro e todas as
brincadeiras possíveis, além das impossíveis, é claro.
No dia da prova fui tranquilo. Minha mulher me levou para que assim que
eu fizesse o exame fosse embora. O instrutor da autoescola me chamou e disse: "Faz a prova primeiro. Você vai ser aprovado e passar confiança para o resto do
pessoal. Enchi-me de orgulho e fui lá resolver logo aquela formalidade.
No entanto, a formalidade tinha o nome de baliza. Ao entrar no carro,
meus joelhos ganharam vida própria e resolveram se encontrar freneticamente,
mais do que os joelhos de um sambista. Vou contar o resultado dessa rebelião
corporal pelo diálogo da minha mulher com o instrutor:
- Agora eles saem do carro no meio da prova?
- Não, ele foi reprovado mesmo.
Fui ferido em minha autoestima. Eu que seria o esteio da turma, fui
inapelavelmente reprovado. Perdi a batalha para os meus nervos e teria que
pagar outro Duda, fazer outras aulas práticas e me preparar novamente. Só não
precisaria refazer a prova teórica, pois afinal, tinha tirado 10 nela.
Passado todo ritual burocrático, estava eu novamente no que era o
Autódromo do Rio (onde muitos dos leitores se divertiram recentemente no Rock'n
Rio e nos jogos olímpicos). Bom, estava decidido a fazer tudo diferente. Disse
a minha mulher que ela ficaria em casa. Eu iria e voltaria com o carro da autoescola.
Chegando lá avisei ao instrutor que
seria o último a fazer a prova. Mudei todos os procedimentos para ter um
resultado diferente.
Chegara minha vez. Fui caminhando, enchendo-me de coragem. Eu iria
domesticar aquela máquina. Controlá-la e deixá-la mansa e obediente. O
automóvel não me derrotaria novamente.
Entrei no carro e a baliza foi vencida com total tranquilidade. Agora
sim, não tinha jeito, passara pelo mais temível inimigo.
Troquei de avaliador. Fui até a outra estação. Dei bom dia para a nova
fiscal, sorridente e confiante passei a primeira, quando fui interrompido.
"Menos um ponto, você não me esperou colocar o cinto”. Nisso tirei o pé da
embreagem com o carro engrenado. O veículo saltou e o motor morreu
inclementemente. "Menos um ponto por deixar o carro morrer". Estava
lascado. Tal como um time que dispara na tabela de classificação e começa a
tropeçar, perdi todo lastro e confiança. Minha prova não acabaria bem.
Fui para a faixa de rolamento. Tinha que fazer um retorno e vários
carros provocavam um congestionamento. Sem confiança não conseguia fazer o
retorno. A examinadora me disse: "vai logo". Nervoso, eu fui. Claro,
um carro vinha a toda quase me acerta a traseira. Até a troca de examinadora
tinha um longo trecho. Eu poderia então melhorar meu desempenho. Então engatei
a primeira marcha, com o carro pedindo arrego, passei a segunda e então... A
primeira novamente. O carro deu um solavanco. A examinadora me tirou mais um
ponto. Mandou que eu encostasse para troca de fiscal. Para piorar minha
situação, o local da troca era esburacado e eu caí em TODOS os buracos.
Ela sai do carro me praguejando, dizendo que eu não tinha a menor
condição de dirigir, de fazer aquele exame. Ela encontrou a colega que
continuaria minha avaliação e gesticulava horrores. Quando a terceira
avaliadora entrou no carro me disse: "você deixou minha colega bastante
nervosa".
Ela me aconselhou a irmos com calma. Então lá fui eu, com a autoestima
em frangalhos. Voltei à rua para completar o circuito. A terceira examinadora
se compareceu pelo meu estado. E fez um tutorial para que eu acabasse a prova.
"Vamos, engate a primeira, agora a segunda, ligue a seta"... Nisso
surge uma blitz! Isso mesmo, no meio da minha prova de direção tinha uma blitz!
A examinadora me acalmou e passamos por esse obstáculo.
Quando chegávamos, ela me disse: “não faça nenhuma besteira agora. Se
fizer na frente dos outros fiscais vou ter que reprovar você”. Finalizei a
prova e ela me disse: "Pronto. Você passou". Dei um beijo nela,
agradeci e saì vibrando com a minha conquista.
Hoje dirijo direitinho. Baliza nunca mais foi problema. Quer dizer, nos
primeiros meses até foi. Mas essa saga do meu começo como motorista, contarei
em outros posts.
Sensacional a história. Era o emocional jogando contra, mas ao lado de alguém humano, você o dominou.
ResponderExcluirAdorei!
Globo/CBN.
ResponderExcluirQ tenso!
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