A Lúcia vai chegar
Fui ao supermercado por volta das 10h
da noite. Foi a parte que me coube no rol de tarefas da casa. Sou objetivo
na hora de ir às compras. Claro, estou sempre subsidiado pela lista de compras
preparada pela minha mulher, ok, vocês vão dizer que a objetividade do casal
reside nela ao preparar a lista. Ok, vou concordar, mas eu executo a tarefa com
objetividade, para não haver discussões.
Estava num supermercado em que não
existe a pessoa que empacota. Na
reengenharia do varejo, muitas das redes de supermercado suprimiram esse
profissional. Algo parecido com o que fizeram os ônibus ao retirar os trocadores, ou como estão
fazendo os shoppings ao colocar máquinas para cobrar estacionamento. Voltando
ao supermercado, me deparei com Lúcia. Caixa do supermercado. Com olhar
sensível de quem vê clientes o dia inteiro, percebeu que a minha falta de
coordenação motora esticaria o turno de trabalho dela. Afinal já eram 21h55m e
eu estava com o carrinho cheio. Lúcia sorriu e se compadeceu.
-Fica calmo, a gente coloca tudo
direitinho nas sacolas, o senhor está cansado. Sei como é – me disse Lúcia ao
ver que eu estava aflito para resolver logo a questão e seguir rumo a minha
casa. Como ela me deu papo, quem sabe minha capacidade “tagarelícia” sabe que
não costumo desperdiçar essas aberturas. Emendei logo a pergunta - Onde você mora, Lúcia”? - ela me respondeu, “Na Maré”. Acho que fiz
aquela típica expressão de download (aprendi essa expressão com meus alunos e
acho que ela cabe tão bem, que incorporei ao meu vocabulário). Perguntei como ela fazia para ir de Botafogo até lá.
Confesso uma certa vergonha, essa coisa de troncal pra lá e linhas novas de
metrô pra cá embaralharam meus referenciais de transporte. Ela me explicou que
pega um ônibus até a central e de lá pega um trem e depois outro ônibus. Ela me
explicou: nessa hora é rapidinho, vou sair daqui umas 10h20m e chego lá antes
de meia-noite.
Saí do supermercado pensando que o
conforto da classe média me deixou medroso. A Lúcia se aventura pela noite numa
região que segundo o Instituto de Segurança Pública é a terceira área da cidade com maior número de
homicídios, ficando atrás apenas da Pavuna e de Santa Cruz. Não perguntei a ela
o que achou das mudanças nos nomes das ruas que o prefeito Marcelo Crivella fez
na Maré sem consultar os moradores. Com uma canetada criou-se a rua da Adoração,
do Otimismo e a Travessa do Perdão. Parece que o banho de loja prometido pelo
prefeito na Rocinha começou pela Maré.
O prefeito é um homem instruído, e
deve saber que por volta da década de 50 alguns gênios da comunicação tentaram
abolir termos estrangeiros do nosso idioma. Nesse intervencionismo linguístico tentou-se
que Pelé fosse um craque do ludopédio e que o Miguel Couto fosse um excelente
nosocômio público. Claro que não pegou. Imagine a cara dos luminares ao se deparar
com as palavras download e mouse fazendo parte do nosso vocabulário. Prefeito,
nomes de ruas e bairros, expressões idiomáticas, festas populares fazem parte
da cultura de um povo. Numa decisão arbitrária, o que o senhor fez na Maré pode
até desmoralizá-lo. Outro aspecto curioso é que as ruas ganharam referências
bíblicas, Éden, adoração... Seria mais uma vez uma demonstração do “fundamentalismo
administrativo” que está sendo urdido na cidade.
Fundamentalismo que pode ser
demonstrado no culto promovido no plenário da Câmara de Vereadores do Rio.
Inalo Silva, não por acaso do partido do prefeito transformou o plenário do
palácio Pedro Ernesto em palco de um ator carismático evangélico. Enquanto os
vereadores cantam, o seu IPTU pode sofrer um aumento de mais de 50%.
Nosso
prefeito "oi, sumido" quando aparece é pra dizer que no Rio a
exposição "Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira”. não
vai para o MAR (Museu de Arte do Rio) e sim para o "fundo do
mar". Meu Deus, além de tudo é ruim de trocadilho. Sugiro aos amigos
que querem censurar a exposição que na próxima “Eurotrip” leve na mala um
estoque de lixas e uma picareta. Comece pela estátua do David. Logo abaixo da
barriga tem algo que você deveria "capar". Emenda na visita ao
vaticano e dê uma lixada no teto da Capela Sistina, aquele Adão pelado é muito
indecente. Vamos organizar um super boicote ao Michelangelo, só por
essas obras dá para perceber que ele é um pervertido.
Nosso prefeito é realmente um traste. Haverão diversos motivos para lamentarmos a incompetência dele até que seja substituído nas próximas eleições.
ResponderExcluirQuanto a exposição, censurá-la é um enorme equivoco, mas promovê-la também.