Quando
eu tinha 10 anos tive o primeiro choque com a decisão de um julgamento. Não
entendi porque o Guilherme Arantes cantando Planeta Água perdeu no Festival MPB
81 para Lucinha Lins cantando Purpurina. A música da então mulher do Ivan Lins
era muito bonita, mas Planeta Água era um hino. A competição foi uma tentativa
da TV Globo de resgatar a era dos festivais. Hoje em dia reality shows
musicais ocuparam esse espaço. Na época, conversei com o pai de uma amiga que
trabalhava na gravadora Som Livre. Ele me disse que as duas músicas eram fracas
do ponto de vista comercial e que eu não deveria ficar tão irritado porque a
minha preferida perdeu. Para ele, as duas eram ruins.
Aos 18
anos outra decepção. Não compreendi como “Ratos e Urubus larguem minha fantasia”
da Beija-Flor, perdeu para Liberdade, Liberdade da Imperatriz Leopoldinense.
Com todo respeito aos torcedores da Imperatriz, Liberdade, Liberdade era
bonito, mas era mais um enredo histórico, uma exaltação à proclamação da
República, como tantas outras. Ratos e Urubus era uma inovação. Foi uma guinada
na estética luxuosa de Joãozinho Trinta, com fantasias que reproduziam farrapos
usados por mendigos. E ainda tinha o icônico e censurado Cristo Redentor
fantasiado de mendigo.
Juízes
nos deixam irritados. Numa leviana linha do tempo, tudo pode ter começado
quando Martha Rocha foi injustiçada no Concurso de Miss Universo de 1954. Outra
injustiça foi quando Zico teve a camisa rasgada dentro da área no lendário
Brasil e Itália na Copa de 82 e o pênalti não foi marcado.
O fato
é que as decisões acima servem para discussões em botecos e nada mais. As
sentenças dos juízes togados, que foram divulgadas nos últimos dias dão uma
sensação de que o crime compensa e de incerteza nos caminhos do país.
Vejamos
o caso de Marcelo Odebrecht. Saiu da carceragem da PF em Curitiba. O
empreiteiro ficou dois anos e meio em cana, negociou uma delação premiada e foi
para um palacete de 1000 metros quadrados. Odebrecht vai estar totalmente livre
em 7 anos e meio, quando cumprir 10 anos de pena, ou um terço de sua
condenação.
O
cidadão fraudou concorrências, pagou propina, meteu a mão no bolso do povo e em
10 anos ficará livre. Depois de participar de um esquema internacional de
corrupção, com valores bilionários, conseguiu escapar. Sim, ele escapou. No
Natal e no Réveillon desse ano vai estar em seu “pequeno” chalé. A justiça
ainda deu uma forcinha para selecionar a lista de convidados. Como limitou a 15
pessoas o número de visitas, ele não vai precisar convidar os puxa-sacos que
lhe importunariam. Pensando aqui com meus botões, o Mr Catra não poderia
receber esse benefício. Ele tem 32 filhos, pela lei, ele teria que deixar 17 de
fora. Se bem, que o Catra não vai precisar. Ele não é bandido, como o cidadão
acima citado.
O
operador do esquema de corrupção do PMDB, Lúcio Funaro, também recebeu o
benefício de cumprir prisão domiciliar na fazenda dele. Só que sem tornozeleira
eletrônica. Como a demanda é grande, o produto está em falta. Por isso, o juiz
autorizou que o condenado fosse monitorado pela internet, por câmeras do próprio
circuito interno da fazenda.
Tenho
uma dúvida. A tornozeleira eletrônica é à prova d´água? Se não for, como
Marcelo Odebrecht poderá curtir uma piscininha quando estiver entediado.
Provavelmente ele não terá acesso à Internet, Netflix, Net e essas coisas.
Odebrecht, Funaro e a primeira-dama da corrupção do Rio, Adriana Anselmo, foram
beneficiados com a prisão domiciliar, mas não podem usar equipamentos
eletrônicos que deem acesso à grande rede. Bem, tenho um aviso para os
magistrados que concederam a regalia. Papai Noel passa de casa em casa no dia
24 de dezembro e desce pelas chaminés. Como o bom velhinho trabalha muito,
deixem sempre uma bolachinha e um copo de leite para o coitado. Falando sério,
não me parece crível que os condenados não usem a Internet em casa
E
começou a operação desmonte da Lava-Jato. Livraram políticos do juiz de
Curitiba e proibiram conduções coercitivas. Não há santos nessa história.
Sergio Moro cometeu alguns abusos, como divulgar ilegalmente uma gravação da
presidente Dilma Roussef. Por outro lado, o Ministro Gilmar Mendes, aquele que
soltou o pai de sua afilhada de casamento, não é o paladino da justiça, que
quer livrar o país do “populismo judicial”.
Eis que
no final da quarta, Gilmar “chave da porta da cadeia” Mendes mandou soltar
Anthony Garotinho. E tem gente que acha “Vai Malandra” o fim dos tempos.
Bom,
pelo menos mandaram prender o Maluf, do jeito que estava, a punição para ele só
iria acontecer em outro plano. Mais acima ou mais abaixo...
Quer
saber, Purpurina era uma música bem bonita e a voz da Lucinha Lins parecia um
cristal, ela não merecia a vaia no fim do festival.
Mas passados
36 anos, ainda prefiro Planeta Água
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