Filho,
quando você for bem velhinho e eu for presença apenas no álbum de fotografias
de imagens amareladas, espero que você tenha aprendido uma coisa que eu vivia
falando. A gente aprende na dor ou no amor. Que o seu aprendizado seja a maior
parte das vezes no amor.
Espero que por essa época você constate o que aquele cara que
nesse momento é só saudade tentava ensinar: Não adianta o talento ser grande se
o esforço for mínimo.
Ser pai é aventura mais amorosa, angustiante e gratificante de
nossas vidas. Lembro o pânico que se instaurou em minha alma no dia 6 de
abril de 2003. Você tinha nascido dois dias antes. Depois de ficar no ambiente
protegido do hospital chegamos à nossa casa.
Era um domingo e o Flamengo estava em campo. Eu devidamente
instalado no sofá, você no meu colo, vestido com um macaquinho do Mengâo. Vencemos o Bahia por dois a um, com dois gols
de Charles. O gol dos baianos foi uma incrível trapalhada entre Júlio César e
Fabinho. O goleiro foi repor a bola, jogou a pelota na nuca do volante e ela
entrou na meta rubro-negra.
No entanto, o pânico não estava relacionado ao futebol. Na
verdade estava diretamente ligado ao momento que sua avó e seu avô nos deixaram
em casa com você. Olhei para o seu rosto e pensei: agora é com a gente.
O
início foi bem complicado. Você se acostumando ao fato de não ter mais
alimentação compulsória e a gente tentando entender o “chorês”;
Nossa, que angustia! Aquele choro indefinido que a gente não
sabe identificar. É um tal de umbigo que cai, dente que nasce e cólicas que
faziam você estourar qualquer limite de decibéis. Pensando agora, me veio
à cabeça a expressão que aprendi com uma amiga: saudade aliviada.
Com dois anos, você chorou, colocou a mão no ouvido esquerdo e
disse: “está doendo”. Vai parecer paradoxal, mas senti um alívio danado naquele
dia. Acho que apesar da doença dos filhos, quando vocês conseguem identificar a
dor facilita muito o nosso serviço.
Dando um salto no tempo, teve a vez que você se perdeu na praia
em Arraial do Cabo. Foram cinco minutos que tiraram uns 10 anos da minha vida. Ao
encontrar, lhe abracei e chorei. Você só olhava assustado.
Digo isso, porque vou chorar de novo. É inevitável. Você
está concluindo o Ensino Fundamental. Nossa! Se eu fosse contar as vezes em que
falei “vai estudar”, “levanta logo”, “você vai se atrasar” chegaria facilmente
à casa dos milhares. Mas valeu a pena.
Lembro cada momento. Você sentado na minha cacunda, colocando o
dedo no nariz, na boca ou nos olhos, atendendo solicitações dos adultos.
Agora é um galalau do meu tamanho, com a voz mais grossa que a
minha e maníaco por rock’n roll e youtubers. “Tu é bichão merrrmo”. Ah, vai
achar o “mó” mico se eu chorar.
Uma vez
me perguntaram no que eu pensava ao me lembrar de você. Respondi que eu me
lembrava da música Oração ao Tempo de Caetano Veloso: “És um senhor tão bonito,
quanto a cara do meu filho, tempo, tempo, tempo és um dos deuses mais lindos,
tempo, tempo, tempo, tempo...”
Espero estar aqui por muito tempo, para curtir cada conquista e
para ajudar a segurar as ondas mais brabas que surgirem ao longo do trajeto. Confie
no seu taco, mas nunca perca a humildade. A delícia está no caminho que a gente
faz, a chegada é consequência. Depois de um breve período de comemoração, a
gente não pode descuidar, pois a batalha mais importante é sempre a próxima.
E
quando eu não estiver mais aqui, lembre-se do que eu dizia: só brigue as brigas
que valem a pena, chore apenas o inevitável, procure a comédia que há por trás
de tudo e entenda que uma opinião diferente da sua pode lhe fazer crescer.
Guarde
esse texto para ler mais tarde, tal qual o Superman fez com as palavras do pai.
Leia naquele momento em que as fotos estiverem amareladas. Se bem que fotos
digitais não amarelam, a tecnologia tirou a poesia da imperfeição. Aliás, nunca
perca a paciência para olhar uma foto, elas possibilitam que a gente reviva
momentos e mate saudades.
Pedro,
eu amo você. Que eu consiga ser para você pelo menos metade do que meu pai foi
pra mim. Parabéns e curta a vida.
Bacana demais!
ResponderExcluirMaravilhoso!
ResponderExcluirSimplesmente arrepiante. Guarde esse presente com carinho, Pedro.
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