A
sociedade de vigilância fez um strike na filial brasileira da empresa Salesforce.
Segue um pequeno resumo para colocar todos na mesma página. O escritório
tupiniquim da multinacional promoveu uma festa de fim de ano. Até aí, nada
demais. No entanto, o departamento de Recursos Humanos teve a ideia de promover
um concurso de fantasia.
Neste momento, abriu-se a Caixa de Pandora da criatividade. Um
dos funcionários se fantasiou de Negão do WhatsApp. Colocou uma toalha no ombro
e uma prótese imitando a desproporção anatômica do personagem em questão.
Uma denúncia anônima chegou à matriz americana da Salesforce. A
versão que circula na grande rede dá conta que a matriz determinou a demissão
do funcionário. O diretor comercial achou a punição exagerada e tentou segurar
o rapaz no cargo, dizendo que no Brasil as pessoas são mais liberais.
Os americanos então demitiram o diretor comercial. O presidente
da filial brasileira tentou segurar o diretor comercial e rodou também.
A história seria cômica, se não fosse trágica. Vamos a algumas considerações:
a debochadamente chamada “festa da firma” é um evento de trabalho. Não há como
despir esse caráter do encontro.
Minha querida amiga jornalista Ermelinda Rita é uma professora
em vários campos da vida. Um ensinamento que acho genial é sua disciplina nesses
convescotes. Ermelinda fica duas horas nas festas. Segundo ela, é tempo
suficiente para não se tornar nem vítima, nem cúmplice dos exageros cometidos
pelos colegas.
Mas nem todos conseguem seguir os conselhos da Ermê. Então,
devemos lembrar, por exemplo, que os chefes continuam chefes na segunda-feira.
Logo, não podemos perder o prumo nesta relação.
Nossos radares devem estar atentos a um fato primordial na
sociedade da vigilância: as redes sociais são instrumento de comunicação. O que
você expõe ali é visto por milhares de pessoas, nos cantos mais recônditos do
planeta e pode ser usado a seu favor ou contra. Opiniões, erros de português e
fotos comprometedoras formam um “prontuário” digital.
Já vi pessoas que se aborreceram bastante ou foram até demitidas
por coisas escritas em seus perfis nas redes sociais. Vivemos na sociedade
24/7, descrita pelo escritor Jonathan Crary, no livro de mesmo nome. É uma
sociedade insone, em que a noção de tempo é diferente da real; Algo escrito há
anos pode voltar à tona e atormentar o autor. Estamos num momento em que não há
muito espaço para arrependimentos, pedidos de desculpa ou mal entendidos.
Espanta-me funcionários que trabalham numa empresa especializada
em marketing, como a Salesforce, não enxergarem o nível de nitroglicerina
existente numa foto que simula a exibição de um falo gigante.
“Ah, mas é uma bobagem”. Na verdade, a bobagem depende dos olhos
de quem vê. A Salesforce foi fundada numa sociedade hipocritamente puritana,
capaz de eleger Donald Trump presidente. Logo, a foto é um convite à
encrenca.
O mundo adulto é inclemente com a inocência e o funcionário foi inocente
demais. Vale ressaltar um aspecto nesta história: os dois gestores que
tentaram segurar o funcionário foram corajosos. No mundo corporativo, vê-se
muito o exemplo oposto ao deles.
Infelizmente na sociedade da vigilância, temos que arcar com as
consequências de todos nossos atos, vinte e quatro horas por dia, sete dias por
semana. Se no livro O Pequeno Príncipe a Raposa dizia: “és responsável por
aquilo que cativas”, nossos tempos transformaram a frase para “és responsável
por aquilo que publicas”.
Então a jeito é seguir o aviso de Dona Ivone Lara, pisar nesse
chão devagarinho, e avaliar sempre: o que eu ganho com essa foto, essa frase ou
esse post?
Em
tempo. Apesar de toda a polêmica, a fantasia do Negão do WhatsApp ficou apenas
com o quarto lugar no concurso.
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