Tenho
que engravidar todo dia. Fiz essa proposta a mim mesmo em 30 de setembro. E
desde então é uma série de gravidezes e partos. Aos olhos dos outros, o fruto
da concepção pode não sair bonito. Aos meus, serão filhos queridos.
Tenho que me sentir inseminado pelo assunto que vou escrever.
Escrever é um ato solitário, sim, e envolve muitos processos internos. A
aprovação do tema mentalmente, por exemplo. Depois o começar. Ah, o começo baliza a vida que
aquela escrita terá. É como se fosse o coroamento desse parto.
E nesse jogo parturiente/literato, o texto sai num trabalho continuo.
Cada linha é como se fosse uma parte do bebê vindo ao mundo diretamente das
entranhas da mãe.
Falo de
nascimento porque é emblemático que eu tenha chegado ao centésimo texto do blog
num domingo. Vou explicar, nasci num domingo, há 17.024 dias, ou 2.432 semanas.
Logo, a cada domingo, completo mais uma semana na jornada sob o sol.
Não tenho lugar de fala de mãe, corro o risco ser jogado do alto
de um penhasco por ousar fazer tamanha comparação. No entanto, sinto o
desafio da escrita com uma incerteza que envolve a trama de um
nascimento.
Não à toa, aborta-se a missão, quando o texto se desenvolve de
uma forma que não chegará a um bom termo. Vejo nessa opção algo que a gravidez
literata poderia emprestar à gravidez literal: o direito de interromper o
processo. Ok, é mais um devaneio do escriba inebriado, em busca de metáforas
que justifiquem sua loucura.
Das inúmeras vantagens que a gravidez literata proporciona está
não precisar ter vergonha de gostar mais de um filho do que de outro. Pronto,
comecei a mudar de ideia em relação ao primeiro parágrafo. Geminiano, sabe como
é.
Em 100 textos publicados por este blog desde a opção pela gravidez
diária, há filhos mais bonitos, há outros mais honestos, alguns são
levianos, existem os egocêntricos e por aí vai, numa gama de características
que o escriba/mãe não consegue classificar.
Nesse mundo em que as barreiras entre sexo e funções estão borradas,
tomo como ato libertário dizer que me sinto mãe do que escrevo aqui. Pelo
simples fato de passar por um trabalho de parto diariamente.
Escrever dá prazer, mas às vezes dói. Os “filhos” desta escrita
nos enchem de orgulho, mas também podem nos decepcionar.
De qualquer forma, são nossos “filhos” trazem características tão intrínsecas, que não somos capazes de esconder ou explicar.
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