Fui buscar minha filha numa festa no Leblon. Ao
dirigir pela Avenida Visconde de Albuquerque, reparei numa enorme quantidade de
folhas de árvores no chão.
Biologia nunca foi meu forte. No entanto, meus precários conhecimentos
me ensinaram que o outono transforma o chão de áreas arborizadas em tapetes de
folhas caídas.
Como não há possibilidade de ser outono, pelo que eu saiba, fiquei
intrigado como até a natureza muda de opinião. As árvores que deveriam desfolhar
daqui a uns quatro meses resolveram expurgar suas folhas inúteis no verão
mesmo.
Isso me fez pensar no tempo. As árvores que jogaram suas folhas fora,
não quiseram perdê-lo. A noção de uso do tempo é uma das primeiras que aprendemos.
O primeiro diálogo dos pais com os filhos de manhã é mais ou menos assim:
“acorda, se não levantar, vai chegar atrasado”. O último é um outro clássico:
“está na hora de dormir”.
A idade adulta não nos liberta, aliás, nos aprisiona de vez ao tempo. Em
vez dos pais, agora é o despertador. Aquele som aflito irrompe o silêncio
gostoso do sono e a gente pensa: “só mais dois minutos”.
A vida nos coloca nesse eterno conflito com o despertador. Os ansiosos
acordam antes. Já os que querem aproveitar até o limite pedem “mais dois
minutos”.
O homem tem dois sonhos recorrentes: voar sozinho e viajar no tempo. O
mundo virtual ajudou a aplacar a ansiedade por isso. Mas há uma contrapartida
cruel: os aparelhos roubam o tempo.
Escravizados por telas iluminadas, em mundos que não são os nossos,
perdemos o tempo para o afeto, a troca de olhares e o calor humano. Trocamos o
toque da mão por um touch na tela.
E quando percebemos, os filhos cresceram, os cabelos esbranquiçaram ou
caíram e quem amamos partiu, Tempo, carcereiro de quem não consegue entendê-lo.
E tudo acontece porque a gente tem a ilusão de controlar o tempo. Na
verdade, ele nos controla. Quando não sabemos negociar com ele, trocamos a
expressão “tenho todo tempo pela frente” por “não tenho tempo pra mais nada”.
As árvores do Leblon é que foram espertas. Anteciparam-se. Não perderam
tempo com as folhas que não iriam ajudar.
Então a vida é um exercício diário das escolhas. Escolha de onde vale
investir o tempo e escolha de quais folhas devem ser expurgadas dos
“galhos”.
Já fez as suas?
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