Os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes
defendem a intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro. Com todo
o respeito aos dois integrantes do Supremo Tribunal Federal, isso já deveria
ser motivo para um olhar desconfiado em relação à medida. Estou tentando
lembrar algum ministro do STF com taxa de impopularidade tão alta quanto
Mendes. Sorte a dele que seu cargo não depende do plebiscito popular, se dependesse,
talvez o nobre magistrado estivesse em dificuldades para mantê-lo.
O ministro da Defesa afirmou no dia do anúncio da intervenção, que a
democracia seria respeitada. Raul Jungman declara que vai pedir um mandado de
busca coletivo por causa da situação urbanística cidade, ou seja, para entrar
nas favelas. Depois o comandante do Exército, general Villas Bôas, disse que
quer suporte jurídico para não criar outra Comissão da Verdade. Para quem não
liga o nome à pessoa, a comissão apura crimes cometidos pelas Forças Armadas
durante a ditadura militar.
Apesar de falar em democracia, o ministro da Defesa começa a querer
instrumentos para criar um estado de exceção, mesmo que em teoria não seja essa
a sua intenção. Já, quando ironiza a Comissão da Verdade, o comandante do
Exército deixa claro o que pensa parte da tropa sobre as investigações dos
crimes da ditadura. Junte-se a isso a homenagem que Jair Bolsonaro fez a um
torturador na sessão que votou o impeachment de Dilma Roussef e teremos noção
do tamanho do monstro que o Governo Federal pode ter gestado na esteira da
intervenção.
A cada dia que passa, parece estar mais claro no horizonte que a medida
foi calculada eleitoralmente. Michel Temer aposta que a intervenção militar
provocará uma sensação de segurança na população, que pode lhe render
dividendos políticos.
Um dos áulicos civis do golpe de 64, o ex-governador de Minas Magalhães
Pinto dizia: “política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de
novo e ela já mudou”. O presidente mais impopular da história tenta sua
ressurreição. Ou para um acordo com Geraldo Alckmin, ou para ele mesmo
concorrer. Vai depender da força da picada da mosca azul no caso da estratégia
se mostrar acertada.
A Rocinha está conflagrada há 5 meses. E logo na hora que o governo
teria que arcar com a derrota na votação da Reforma da Previdência, entra em
cena uma intervenção que tranca a pauta do Congresso. Já não me iludo com as
boas intenções de nenhuma pessoa citada neste texto.
O Plano Cruzado serviu para eleição de políticos do PMDB em 1986, depois
veio uma série de desgraças econômicas. As medidas desaguaram em hiperinflação.
Se a intervenção federal for mais uma iniciativa eleitoreira, no que poderá
resultar?
E nesse meio tempo, o fim do foro privilegiado fica mais distante, já
que não pode seguir sua tramitação no Congresso. Mais um agradinho do governo
aos aliados na Câmara encrencados com a justiça.
Para encerrar este texto, recorro a duas citações. A primeira vem da
música Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil:
“Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa”
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa”
A segunda é de Karl Marx:
“A história se repete a primeira vez como tragédia, a segunda como
farsa”.
Para quem não entendeu a relação de monstro, tragédia e repetição, a
música de Chico Buarque é de 1973.
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