Minha
filha botou “ponta” na sapatilha. Para quem não está habituado ao universo das
bailarinas, “botar ponta” é um ritual de passagem. O calçado apropriado para a
dança vem com uma ponta dura que garante estabilidade nos passos de balé. Ela
fez 12 anos e desde os 10 o assunto é recorrente nas mesas de almoço e jantar:
“quando eu fizer 12 anos, vou botar ponta”.
Eu e a mãe fomos um pouco reticentes no princípio. Os pés das
bailarinas são fortes e fundamentais, mas há um preconceito com a “feiura” que
os seguidos exercícios de equilibro, destreza e força provocam na anatomia deles.
Nossa bailarina é obstinada. E finalmente chegou o grande dia. A
professora de balé levou as quatro novas sacerdotisas para experimentar a
sapatilha e a almejada ponta.
Descobri nas conversas, que antes das inovações tecnológicas,
amassavam-se sacolas de supermercado e colocavam um esparadrapo para fazer a
ponteira da sapatilha. Além disso, aprendi que as bailarinas devem andar com um
kit de agulha e linha para costurar e descosturar as sapatilhas de acordo com
as necessidades.
As meninas, a professora, as mães e o pai presentes estavam
ansiosos. Todas as provas de sapatilha foram devidamente registradas em fotos e
vídeos. A professora quase chorava e zelosa, ajudava as meninas a colocar a
sapatilha, amarrar, além de dar as instruções de uso.
Depois do carnaval, o ano de 2018 começa animado em minha casa.
Uma bailarina de ponta e um mancebo no Ensino Médio. Desafiador pensar que
ainda há muito a caminhar e que os dois já estão ensaiando passos autônomos.
Os amigos agora são deles, as histórias, eles começam a
construir sozinhos. Ainda temos a ilusão do controle, no entanto, está cada vez
mais ilusão e menos controle. É bom ser assim, apesar de não ser fácil.
A paternidade tem vários estágios. Meus queridos amigos Eduardo
Christiane, por exemplo, estão no momento de expectativa e surpresa. Acabam de
compartilhar com os amigos que as configurações da família foram atualizadas
(para usar termos deles). E lá vão os dois montar quarto, enjoar,
planejar e se preparar, pois haverá alteração nas configurações de sono
também.
Eles vão aprender que nunca mais se dorme da mesma forma e isso
é adorável e angustiante. Filhos ampliam nossa capacidade de amar. Geralmente
nos fazem mais compreensivos, porém, mais medrosos.
Efeito colateral da explosão de carinho que sentimos ao
descobrir a gravidez, que se amplia ao ver a ultrassonografia, que se renova a
cada chute do bebê na barriga da mãe e se completa pelo jorro de lágrimas ao
pegar a cria no colo pela primeira vez.
E esse colo que a gente quer eterno, com o passar do tempo fica
menos físico e mais emocional. O colo vira metáfora, mas o amor é bem real.
E o começo vem de varias formas, em vários tempos, na primeira
ultrassonografia, na primeira ponta no pé da bailarina, no primeiro neto. Há
sempre um primeiro dia.
Que a gente ria muito, dance muito e chore mais de alegria do
que de tristeza. Curtir a vida é transformar o trivial em emocionante,
entender o ritmo da caminhada e o equilíbrio da bailarina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário