Na
guerra entre a liberdade e a segurança, a preferência pela segunda vem
ganhando de goleada na sociedade. Talvez seja esse o sintoma representado pela
candidatura de Jair Bolsonaro. Esse fenômeno não é exclusividade do
Brasil. Um modelo que traduz essa realidade é o da Rússia de Vladimir Putin, um
governo forte, que mantém a economia ajustada e a sociedade controlada.
Nesta sexta-feira, o Instituto de Segurança Pública divulgou os
índices de criminalidade no Rio. Na comparação entre agosto de 2018 e agosto de
2017 houve quedas importantes em vários tipos de crime. O roubo de carga, por
exemplo, registrou diminuição de 20%. Os roubos de carro e a transeuntes também
caíram bastante.
Em contrapartida, o número de autos de resistência aumentou 150%
em agosto deste ano em relação ao mesmo mês do ano passado. Para quem não liga
o nome à pessoa, auto de resistência é morte em confrontos com a polícia.
Diante da onda conservadora que varre o mundo, o aumento no
número das mortes em confrontos com a polícia será comemorado por muita gente.
É a ideologia do “bandido bom é bandido morto” ganhando cada vez mais
força.
É importante ressaltar que para quem acredita nesta forma de
agir, a intervenção federal do Exército na área de segurança do Rio é um
sucesso, afinal, diminuir os índices de violência e aumentar o número de mortes
de suspeitos é tudo que este Brasil do medo e do ódio acredita ser a equação
ideal.
A leva de refugiadas, o crescimento da desigualdade social e do
abismo entre despossuídos e quem tem só aumentam a valorização da
segurança em relação ao conceito de liberdade.
A liberdade era o ideário da população mundial após a Segunda
Grande Guerra. Tanto é que no confronto que se seguiu, a Guerra Fria, os
presidentes dos EUA se denominavam “lideres do mundo livre”. Nos anos 1960, a
juventude pregava o “amor livre”.
No Brasil os opositores da ditadura queriam liberdade. Era a
época do “é proibido proibir”. No entanto, meio século depois, a sociedade não
dá mais o mesmo valor para este bem. Por isso, o discurso da ordem é tão
sedutor, mesmo que para a obtenção desta ordem, a sociedade abdique da
liberdade.
Fazendo um recorte para o Brasil, talvez o confronto não se
restrinja em direita e esquerda. Para entender o que acontece por aqui,
devemos colocar em perspectiva que a disputa é entre os que defendem a
primazia da liberdade e os que acreditam que o primordial para a sociedade seja
a ordem e a segurança.
Isso explica a onda saudosista de alguns setores pela ditadura
militar. Para essas pessoas, a censura aos meios de comunicação, o fim do
habeas corpus e as torturas nos porões eram efeitos colaterais, pois o
princípio da ordem era mantido.
No entanto, essa ordem toda não era exatamente “ordenada”. Uma
leitura nos livros de história nos mostra que Costa e Silva desferiu dois
golpes. O primeiro ao emparedar Castelo Branco e praticamente obrigá-lo a
interromper seu governo. O outro aconteceu ao decretar o AI-5. Mais tarde, em 1977,
o ministro Silvio Frota tentou fazer com Geisel o que Costa e Silva fizera com
Castelo. Não conseguiu. A bomba no Riocentro e no atentado da OAB mostram que
no interior do regime havia desordem.
Então em nome da ordem, vamos condenar o aborto e as pesquisas
com células-tronco. Pela ordem vamos diminuir a maioridade penal, permitir a
compra de armas e matar os bandidos, afinal “direitos humanos são para humanos
direitos”. E por fim, vamos louvar a deusa meritocracia.
O discurso da ordem acima de tudo é o discurso do medo. A
liberdade representa a esperança. E enquanto clamamos pela ordem, comemoramos a
diminuição nos números de crime e o aumento da quantidade de mortes em
confrontos com a polícia, os assassinatos de Marielle e Anderson completam seis
meses sem esclarecimentos. Mas Marielle talvez representasse desordem demais.
Negra, lésbica, pobre e mulher. Ainda por cima, resolveu se insurgir contra o
papel que lhe fora destinado. Então, o crime contra ela não precisa de solução.
Será seguro saber quem matou?
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