quarta-feira, 4 de março de 2020

Sobre o ato de escrever

Primeiro eu engravido. 
Pode ser de um pássaro voando. 
A luz que bate diferente no morro em frente da minha janela também pode ser instrumento desta concepção. 

Depois de engravidar, preciso expelir. Não é uma gravidez confortável. No lugar de ultrassom, a angústia serve como lente para verificar os sinais vitais do rebento. 

A gestação é curta. Não demora mais do que dois dias. Preciso que aquela cria se liberte de meu ventre/intelecto para que haja mais espaços disponíveis. 

Não gosto de pentear o filho recém-parido. Dou rápidas olhadas e peço que alguém me ajude na tarefa de zelar por ele para que se torne adulto. 

Depois de nascido, espero que ele ganhe vida sem mim. Na alma dos outros que vão ler. Não há “re-parto”. Inexoravelmente ele esvanece na sua lembrança. 

Filhos expelidos após uma concepção dolorida tendo como leito conjugal, uma folha em branco física ou digital. 

Vai conjunto de letras, pretensiosas e altivas, na busca de uma vida própria que dure mais do que uma postagem no Facebook. Sai de mim, vai e perturba nobres espíritos. 

Vai filho mestiço, meio prosa, meio poema. Entre a pretensão e o talento, entre o orgulho e a consciência da improbabilidade de chegar a algum lugar. O que vale é a caminhada que eles empreendem depois de cortar o cordão umbilical. 

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