domingo, 1 de março de 2020

Um pouco sobre Amor de Mãe parte 1

De Avenida Brasil para cá a novela que mais me agradou foi Amor de Mãe. No meio teve a excelente Força do Querer e a artística Velho Chico. Estamos acompanhando no horário nobre uma novela que artisticamente tem muito a acrescentar a um produto que tem mais de 60 anos só no Brasil. 

A primeira cena em que Lurdes/Regina Casé está numa entrevista de emprego e faz um resumo de sua história olhando para a câmera já mostrava que a obra procuraria uma associação com o cinema. 

O primeiro capítulo não foi um mero videoclipe. Tudo que se prenunciava seria fundamental para o restante da obra. O roubo de Domenico, o assassinato de Genilson estava tudo ali. A novela já começou “pegando no breu”. 

Por falar em cinema, há muitas cenas em plano-sequência, além de tomadas externas que oxigenam e quebram as “paredes projaquianas”.  Em um capítulo, Thelma/Adriana Esteves conversava animada com Durval/ Enrique Diaz na Mureta da Urca. Há momentos em que Amor de Mãe é um poema visual. 

A trilha sonora é um primor. Quando recordava o amor do passado com Vitoria/ Tais Araujo, Raul/Murilo Benício tinha como trilha sonora a belíssima canção Mistérios, de Joyce Moreno. Em alguns momentos, para embalar uma cena terna ouve-se Acabou o Chorare, dos Novos Baianos. 

A trama de Manuela Dias me conquistou como há muito não acontecia. Regina Casé está irrepreensível. Que atriz! Faz rir e chorar. Adriana Esteves mais uma vez brilha num papel neurótico, obsessivo que agora vai descambar para a psicopatia. Taís Araújo se mostra um atriz amadurecida, mesmo sendo no trio de protagonistas a que tem a trama menos impactante. 

É preciso ter uma coisa em mente. A novela é o principal produto da indústria cultural brasileira. Há tramas muito frouxas, que estão ali para preencher escaninhos comerciais. A ascensão de Rian/Thiago Martins serve para ações de merchandising, por exemplo. Já, os excelentes Milhem Cortaz é Débora Lamm se equilibram para dar conta de um núcleo cômico obrigatório em qualquer história das 21h. Essa obrigação comercial faz com que algumas partes sejam deixadas de lado. Nos últimos tempos o engajamento da professora Camila/Jessica Ellen com a escola ficou congelada. Óbvio que deveria haver cuidado para não transformar o núcleo num spin-off de Malhação, ma, por exemplo,  o drama de Loyane/Dora Freind uma adolescente que se esforça para estudar mesmo depois de se tornar mãe deveria ter mais destaque, é assunto muito comum na sociedade brasileira. 

Quase comento a injustiça de não citar o Álvaro encarnado por Irandhir Santos que rouba quase todas as cenas em que está.  O ator ainda conseguiu junto com Estela/Letícia Lima transformar sua careca em um objeto fálico. 

Mesmo com o Rosário de qualidades desfiado ao longo deste texto, Amor de Mãe claudica na audiência. Assusta-me que tramas artisticamente mais fracas como as de A Dona do Pedaço e do Outro Lado da Vida sejam sucesso de público. 

Mas se você é do time das séries dos serviços de streaming dê uma chance à Amor de Mãe, produto audiovisual de primeira. 

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