No ano de 2012 vivi uma das experiências mais gratificantes da minha
carreira. Fui comunicador da Rádio Globo. Apresentei um programa chamado
Domingueira da Globo. Ia ao ar, como o nome deixa óbvio na noite internacional
da depressão, a pré-segunda-feira.
O programa era um grande desafio, pois entraria no ar no lugar do
Quintal da Globo, atração conduzida brilhantemente por Marco Aurélio durante 10
anos. Eu só havia apresentado na CBN, na Radio Globo eram outros 500.
Na Rádio Globo o ouvinte participa ao vivo. Isso não acontecia na CBN.
Fui para o microfone nas duas emissoras. Hoje digo com tranquilidade. Não se
trata de dizer que é mais fácil apresentar em uma ou outra. O que se deve fazer
é entender seus diferentes estilos. O comunicador da Rádio Globo pode
"rasgar o peito", como diz meu amigo Roberto Canazio. O âncora da CBN
tem que ser mais preciso, mais enxuto, cirúrgico. Os dois devem ter
personalidade, mas na CBN a estrela inconteste é a notícia, enquanto na Globo,
o comunicador ocupa este papel.
Talvez a conversa direta com o ouvinte no ar faça essa diferença se
acentuar. No ritual de passagem de âncora eventual na CBN para comunicador da Rádio Globo -que eu trabalhei- estivesse a interação com o
ouvinte.
Nas primeiras oportunidades em que apresentei na Rádio Globo ouvi a
condenatória avaliação "está muito CBN". Acho honestamente que
consegui modificar essa característica. Não me tornei o maior comunicador do
país, mas consegui fazer muitas coisas das quais me orgulho.
Do grande Loureiro Neto ouvi talvez o melhor elogio à Domingueira:.
"O programa está redondinho, me deito para ouvir, e não consigo pegar no
sono até o programa acabar”.
Eu não era estranho ao horário de domingo à noite. Substituí Marco Aurélio
em algumas oportunidades, mas mesmo nestas, evitava os ouvintes. Há um grande
comunicador, histórico mesmo, que dizia que ouvinte era para ouvir, se fosse
para falar deveria se chamar falante. Mas há certos mitos que não merecem ser
derrubados. Por esse motivo, não revelarei o nome do cidadão.
A aguerrida e talentosa produtora Cíntia Brand convenceu-me que a
conversa com o ouvinte era fundamental. De tanto insistir, acabei
cedendo.
Quando planejávamos o programa, pedi uma coisa à equipe: não quero fazer
Radiojornalismo. Não era desconsideração pelo que fiz na minha carreira
inteira, mas é que domingo de noite eu queria me divertir.
Para deixar as coisas mais leves e mostrar que a proposta era diversão propus para o primeiro programa o seguinte tema de pesquisa: "Você colocaria sua
filha na aula de futebol"? Na verdade a provocação vinha na segunda pergunta: "E seu filho na aula de balé"?
A equipe no estúdio era formada por mim, Cíntia e operador Pinguim. Eu
fui fazendo os outros quadros do programa. Só pensava naquele momento de
inflexão, naquele mergulho no escuro. O encontro com o ouvinte, esse ente que
pode levantar ou arruinar o comunicador.
Não tinha mais como adiar. Cíntia olhava pra mim e perguntava quando entraria
o ouvinte? Quando não deu mais para adiar colocamos “seu” José, de São
Gonçalo.
Acho que me defino como aquelas pessoas que "pegam amizade
fácil". O começo da conversa foi tranquilo.
- Olá “seu” José, como estão as coisas em São Gonçalo, tudo bem?
- Tudo, é muito bom falar na Rádio Globo.
- Vamos participar da pesquisa?
- Vamos
- O senhor colocaria sua filha na aula de futebol?
- Claro, isso não tem nada a ver. A gente tem a Marta, joga um
bolão, mais do que muito marmanjo.
-Isso aí “seu” José, mas vem cá, o senhor colocaria seu filho na aula de
balé?
- Meu filho? Meu filho... (aí pensei: "deu ruim", agora ele vai me xingar).
Até colocaria, se ele estivesse vivo. Ele desapareceu há 8 anos. Não tenho
notícias dele. Já soube que mataram ele, mas ninguém me devolveu o corpo...
Minha cabeça entrou numa espiral. Aquela sensação pré-desmaio. A total
reversão de expectativa. Era para ser uma brincadeira e o cara larga aquela
bomba no meu colo.
Olho para Cíntia e Pinguim em busca de conforto e solidariedade.
Encontro os dois escondidos embaixo da mesa, rindo horrores da minha inusitada situação. Eu estava
irremediavelmente só.
Respirei fundo. Toda essa descrição elaborada nos dois curtos parágrafos
acima demorou não mais que dois segundo em tempo real. No rádio não há tempo a
perder. A vida é a arte do improviso. Rádio é vida. Procurei abrigo nos livros
de auto-ajuda que não li, e nos clichês que a vida nos ensina enquanto ganhamos
tempo. De comunicador engraçadinho me transformei num pregador carismático com
frases de estímulo e conforto.
Daquele dia em diante percebi que uma das coisas mais gratificantes de
estar no ar é poder conversar com os ouvintes, conhecer suas histórias e suas
opiniões. Entrar na casa deles é um privilégio e um desafio.
Tenho muito a agradecer a Cíntia pela insistência em colocar ouvintes no
ar. Mas a gratidão eterna será ao “seu” José de São Gonçalo. Tenho absoluta certeza
de que nosso encontro radiofônico naquela noite de domingo foi muito mais útil
pra mim do que pra ele. Espero que passados 5 anos, a dor dele esteja mais sob
controle.
Está situação deixaria ate nosso mestre maior Haroldo de Andrade desconfortavel. Ufa...
ResponderExcluirAcho que ouvinte pode, sim, expressar a opinião, porque a ele devemos a audiência e o sucesso do trabalho. Mas deve ser de forma bem moderada! Eu gosto mais do estilo Tadio Globo. O modelo CBN de hoje não me agrada. Ele é autoritário. Eu tive o prazer é privilégio de ter participado da equipe com C A Vizeu, que inaugurou a CBN, em 1992. Aquele modelo, mais solto e mais leve, eu gostava. Mas rádio se faz com criatividade e creio, nem sempre temos que fazer aquilo que o ouvinte quer. A Radio Globo de outrora, se foi. E não sei quando volta! Esse seu relato traduz o radio antigo e mais acolhedor, principalmente para o apresentador.
ResponderExcluirO cominicador é um ser humano também. Essa é a magia. Lhr dar com as emoções são aprendizados da vida.
ResponderExcluirParabéns.
ResponderExcluirAmei o texto Creso!!!
ResponderExcluirBeijo grande
Putz! Um "acidente de percurso" de peso...
ResponderExcluirAdorei, meu amigo!
ResponderExcluirAdorei! Muitos 'seu' José precisam ser ouvidos. Ouço muitos e muitas, como dizem agora, mas no 'particular', 'ao vivo', deve ser outra história. Experiências marcantes.
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