O assalto é uma situação-limite. No momento que você está
passando por ele, há um misto de medo, revolta e impotência. De forma alguma
você deve reagir. Reagi apenas uma vez.
Aos 12 anos, um homem tentou levar minha bicicleta na
porta de casa. Como já disse há alguns posts, eu morava na bucólica Dona
Mariana. Depois de ano com uma bicicleta bem velhinha, estava com uma novíssima
Caloi Peri, que tinha até bolsa para carregar raquete de tênis, apesar de nunca
ter praticado o esporte, achava o máximo. Era um domingo, pois tinha acabado de
assistir Mario Fofoca, spin off de uma novela que a TV Globo tinha produzido. O
personagem de Luiz Gustavo usava um indefectível paletá quadriculado, andava
num Fusca dourado e cantava as meninas repetindo letras de canções famosas da
época.
No entanto, na chegada do assaltante não tinha Mario
Fofoca para recorrer. Quando o bandido tentou levar minha bicicleta fiz o que
qualquer pessoa na minha idade faria: “mãe, socoorroo”. Dona Alzira, beirando
os 60 anos, com uma vassoura na mão, a fibra das nordestinas e a respeitável
altura de 1,47m colocou o cara para correr.
Quinze anos depois, Dona Alzira não estava e me vi em
maus lençóis. Estava numa festa “agostinha” numa casa perto do município de
Cantagalo, no interior do Rio. Éramos 17 pessoas na casa. O fim de semana
estava aprazível, a casa era muito agradável e a festa estava sensacional.
Tinha amizade, comida e cerveja, o que poderia dar errado?
Na verdade, muitas coisas. Às 3 horas da manhã, alguns de
nós insones e um tanto quanto alcoolizados começaríamos uma partida de poker.
Eis que subitamente, três homens armados invadiram a casa e começam o assalto.
Na época acreditamos que os fogos de artifício usados na festa tenham atraído
os caras. Estou recorrendo aos arquivos
da mente para lembrar alguma situação que tenha sentido tanto medo quanto naquela
vez.
A casa tinha dois andares,
as pessoas que dormiam em cima foram acordadas e ficamos todos sob a mira dos
revólveres.
A primeira pergunta que os
bandidos fizeram foi se alguém ali era policial. Um dos nossos amigos era
Policial Rodoviário Federal. No entanto, ele não informou. Só que os bandidos
pegaram os documentos de todos. Ao encontrarem a carteira funcional do nosso
amigo, os bandidos começaram a fazer terrorismo psicológico. Levaram nosso
amigo para cima e pensamos que a tragédia iria se consumar. Graças a Deus, os
bandidos só pegaram a arma dele.
Lembro o olhar de pânico de
quase todos. Meu querido amigo Marcio deu a maior prova de sangue frio que vi
na vida. Por causa da disposição dos assentos na sala, ele ficou de costas para
os bandidos. Não sei se pelo álcool ou pela impossibilidade de reagir, o fato é
que ele cochilou algumas vezes durante o assalto.
A ação dos bandidos demorou
uma eternidade. O lugar era isolado, nada poderia acontecer. Eles pacientemente
pegaram os cartões de crédito e débito de todos e anotaram as senhas. Teve
gente que mentiu os números. Eu não tive coragem para isso. Finalizando a noite
de terror, eles separaram homens mulheres, colocando os dois grupos em
banheiros diferentes.
Esse momento foi verdadeiramente
tenso. Dirigi-me rapidamente a um deles suplicando que eles não fizessem nada
com as meninas. Ele respondeu que não aconteceria nada com elas.
Ouvimos um dos carros sendo
roubado e o silêncio. Nesse momento começamos a operação para sair do banheiro.
Lembram do Mcgiver, o cara que fazia bomba nuclear com palitos de fósforo? Pois
é, ainda bem que havia dignos representantes do herói entre nós.
Márcio e outro amigo, o
André, ficaram em pé diante do outro e começaram a medir o tamanho de seus
zíperes. E naquele quadro surrealista, um deles fala; “deixa eu tentar, o meu é
mais rombudo que o seu”. Nosso amigo policial não conseguiu perder a piada:
“Isso não é hora para exibicionismos”. Todo mundo riu. Acho que naquele momento
sentimos que o assalto acabara e a piada foi um bálsamo naquele cenário de
terror que estávamos vivendo. Ah, de fato, o mais rombudo abriu a porta.
Soltamos as meninas e
corremos para a sala. Encontramos muitos cartões jogados no chão. Foi aquela
romaria para cancelar os cartões, no entanto, havia um problema: naquele
domingo o sistema de telefonia estava mudando. Migrava do padrão antigo para o
atual de colocar zero, operadora e DDD. Resultado, desespero para cancelar
cartões.
Quase 20 anos depois, ainda
lembro detalhes e como durante algum tempo fiquei com medo. Nunca mais dormi
tranquilo em casas fora do Rio. Racionalmente, sei que o perigo está em todo lugar, mas a experiência foi traumática. Acho que escrevi esse texto para exorcizar esse medo. Ainda bem que não virou tragédia. Também contei essa história para
homenagear meus amigos que mantiveram a calma e ainda conseguiram rir no meio
de uma situação-limite.
Caros leitores, o humor
salva.
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