A sala
de espera de um consultório médico é angustiante. Ainda mais na minha situação,
eu era um “encaixe”. Na sala estreita cabiam 10 pessoas. Com a espera de duas
horas, você poderia criar laços afetivos com as outras pessoas em situação
semelhante à sua.
Acho até que seria possível, mas quase todos os seres humanos
estavam imersos em seu mundo digital. Tinha um homem com a voz saída
diretamente de um filme de terror. Ele insistia em atender todas as ligações
estremecendo a sala com seu timbre gutural. O cidadão também viu vários
filminhos pelo WhatsApp com musiquinhas irritantemente agudas. Ninguém reclamou
e não seria eu a arrumar encrenca com aquele primo distante do Hagrid (os fãs
de Harry Porter entenderão).
Na minha direita observo uma mulher sexagenária traduzindo um
livro num MAC. Achei o último grito (para usar um termo de quando ela tinha 15
anos). Minha miopia não me permitiu ver sobre o que era a obra, além disso,
tive que manter a discrição. Ia ficar esquisito se eu insistisse. E eu
preparava este texto sentado ao lado dela. Não gostaria que ela lesse
antes do término.
À minha frente estavam duas mulheres que chegaram juntas.
Procurei semelhanças nos rostos das duas. Pela diferença das idades, eu poderia
classificá-las como mãe e filha. No entanto, os traços não tinham nada a
ver.
É mais fácil dizer que a relação era de sogra e nora. Percebi
também que no anelar da mão esquerda da mais nova há duas alianças, indicando
viuvez.
Fazendo o exercício leviano da imaginação enquanto esperava
minha vez de ser atendido, pensei: ela é a viúva do filho da mulher mais
velha.
Contaminado por essa dedução, não vi afetividade alguma entre
elas. A mais velha chegava a ser um pouco ríspida nas vezes em que se dirigia a
mais nova.
Por um fragmento de conversa ouvido no viva voz do celular da
mulher mais nova, descobri que a família tem uma banca de jornais. A nora (pelo
menos no meu enredo) negociava com a pessoa do outro lado da linha o
encalhe de algumas figurinhas da Liga da Justiça.
Ou seja, guiado pelas minhas conjecturas, imagino a mulher mais
velha como a mãe que sobreviveu a um filho. Diante disso, entendo a dureza na
sua expressão. Imagino inclusive um pouco de raiva pelo filho ter partido. A
impaciência dela pode vir de um sentimento mesquinho, porém totalmente humana.
Arrisco-me a dizer que se mais velha pudesse escolher, o filho estaria vivo e a
nora estaria morta.
Esse texto é apenas um exercício sobre o perigo de formar
conceitos imutáveis baseados apenas em fragmentos de imagem. Levianamente
criamos conceitos e julgamos a conduta e a vida de alguém. Clichês da autoajuda,
auxiliem-me! Temos a mania de criticar a caminhada dos outros sem usar os
sapatos deles.
A situação lembrou-me uma cena de SOS Mulheres ao Mar (alerta de
spoiler). Giovanna Antonelli via Reinaldo Gianechini se despedindo de um homem
no portão de embarque. Ela achou que era um casal de namorados, quando na
verdade, se tratava uma despedida de pai e filho.
Sem contextualizar ou sem conhecimento prévio cobramos atitudes
e criticamos as decisões e as escolhas das pessoas;
Bem, o importante é que o tempo passou. Consegui esperar o
médico, que me receitou três remédios e me mandou voltar em 30 dias.
As ideias descritas acima isso podem ser apenas o labor de uma
mente vazia, numa sala de espera de consultório. Levem à sério somente o necessário,
se for necessário.
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