terça-feira, 28 de maio de 2019

Uma ida no meio da galera ao Maracanã



Às 16h35 de uma tarde calorenta típica do outono carioca, um rapaz com dois copos de cerveja vazios passou por mim e pelo meu amigo Pedro e perguntou: “a escada é aqui? Já estou tão bêbado que não tô enxergando nada”. O Pedro indicou que sim, eu disse “vai com cuidado”. O rapaz com a camisa retrô do Maestro Júnior desceu a arquibancada do Maracanã para se abastecer de cerveja. Naquele momento, o Flamengo já vencia o Athletico Paranaense por 1 a 0.

Meus amigos Pedro, Felipe, Estanislau e Rafael me convenceram a encarar uma ida ao Maracanã na tarde de domingo. Decidi aceitar a empreitada, não sem antes informá-los de uma recente fama de pé-frio, que minha mulher afirma estar me acompanhando nos últimos tempos. Eles toparam levar o azarado ao estádio e seguimos para o templo do futebol.

Quando entramos no Maraca, percebi que esse jogo seria diferente das últimas vezes que estive no estádio. Fui para trás do gol onde tradicionalmente o Flamengo ataca no segundo tempo. Lá , onde ficam as torcidas organizadas. Intrépidos, os rapazes, todos na casa dos 20 anos, foram subindo os degraus da arquibancada. Dois iam desbravando o caminho, eu no meio e outros dois na minha retaguarda. Não sei se a formação para “escoltar” o velho foi intencional, mas funcionou.

Finalmente nos alojamos num corredor entre duas fileiras, atrás de vários bandeirões. Pensei: “não vai dar para ver o jogo”. De repente entrei no túnel do tempo. Virei para o Rafael e comentei: “estou me sentindo no Circo Voador nos anos 90, vou ver o show todo em pé e ainda estou sentindo um cheiro característico".  Bem, vamos ver o que o STF decide sobre o cheiro que senti. O primeiro tempo transcorria com a habitual falta de criatividade do time de Abel Braga, que só chegou ao primeiro gol depois que o sistema defensivo do Athletico errou uma saída de bola. Gabigol aproveitou o passe e acabou derrubado dentro da área. O juiz marcou prontamente, mas o VAR se enrolou e o árbitro teve que olhar o monitor num lance que do outro lado do campo a gente percebeu que foi pênalti. Por fim, a falta foi confirmada. Para a sorte de quem estava no Maracanã, Gabigol, e não Diego, bateu a penalidade e abriu o placar.

Depois de uma pressão do Athletico nos últimos minutos, o juiz apitou o fim da primeira etapa. No intervalo, Estanislau percebeu que quatro cadeiras ao nosso lado ficaram vagas. Éramos cinco, mas meus amigos entenderam minha avançada idade e tacitamente concordaram que um dos lugares seria meu. E aí mais um desafio. Devido ao estado lastimável das cadeiras, não dá para sentar. O torcedor que fica naquele setor tem que sentar no encosto e colocar os pés no assento. Exigindo um equilíbrio, que confesso, achei que não seria capaz de ter. Depois de 15 minutos, me rendi e sentei onde todos depositavam os pés.
No começo do segundo tempo já era possível ver que seria bem sofrido. O time do Paraná foi pra cima do Flamengo, encurralando o previsível time de Abel Braga. Mas isso não desanimava a torcida. Aliás, reconheci vários sucessos, adaptados aos cantos da arquibancada, Whiski a Go Go e Primeiros Erros, por exemplo. Não sei reproduzir as versões dos torcedores. Há óbvias loas ao rubro-negro e palavras hostis aos outros times do Rio.

Em pé do meu lado, pisando onde deveríamos estar sentados, Felipe fez um comentário típico de quem está acostumado a assistir o jogo no estádio: “o Athletico está começando a gostar do jogo”. Dez segundos depois, se tanto, os paranaenses empataram com Marcelo Cirino. E a torcida que até aquele momento apoiava, começou a hostilizar Abel e o time em campo. Nada é tão ruim que não possa piorar. O Athletico atacava e um jogador caiu na área. Do outro lado do campo, nos olhamos e pensamos: “ foi pênalti”. Na era do VAR, não tem como, o vídeo vai dedurar. Depois de levar novamente um tempo desnecessário para marcar o obvio, o juiz confirmou a penalidade. Com a “lei do ex” a todo vapor, Marcelo Cirino bateu e fez 2 a 1 para os visitantes.

O caldeirão ferveu de vez. A torcida se irritou e começou a mandar Abel para lugares recônditos da anatomia humana e dizer que o time rubro-negro era sem-vergonha. Eu olhava para os rapazes que me chamaram para o jogo e pensava: “eles estão arrependidos, minha mulher estava certa, depois de um determinado tempo me transformei inapelavelmente em um pé-frio”. Torcedor sempre pensa que a culpa é daquela camisa que deixou do avesso, ou da porcaria da meia que ele trocou.

A torcida berrava a plenos pulmões: “está faltando Arrascaeta nessa p...”. O que fez Abel? Colocou Rodinei no lugar de Pará. “Burro” foi a palavra mais elogiosa que o treinador rubro-negro escutou. A arquibancada pedia Arrascaeta novamente e o técnico pôs Vitinho. As coisas só pioravam, Abel colocou Lincoln no lugar de Gabigol. Arrascaeta não foi para o jogo. Parecia até birra do treinador.
Resignado sentei para descansar. Já estava pensando em todas as “zoações” que enfrentaria dos alunos e dos meus amigos que não são rubro-negros. Estava de forma egoísta pensando em como me livrar das brincadeiras. Abel era xingado, mas desordenadamente o Flamengo encurralava os paranaenses, de forma parecida como a que fez na semana passada com o Atlético Mineiro. E a monocórdia jogada do Flamengo deu resultado. Everton Ribeiro levantou na área e Bruno Henrique empatou o jogo, aos 45 minutos. Felipe olhou para mim e disse: “ainda dá tempo”. Pensei que a juventude o iludia. O empate já tinha caído do céu. Aos 51 minutos, René, que pouco acertara até então, cruzou na área e Rodrigo Caio, o jogador mais regular do Flamengo no ano, subiu como se tivesse sido jogado para cima com o grito de 52 mil pessoas e acertou um balaço de cabeça. Golaço, daqueles que os velhos torcedores estavam acostumados a ver.

Nesse inacreditável terceiro gol, Estanislau caiu para trás, literalmente. Mas essa não foi a maior baixa. Um rapaz, vestido com a camisa 14 de Arrascaeta, se estatelou no chão. Com muita dificuldade, foram necessários três ou quatro solidários torcedores para ajudar o rapaz. Com o pouco de sobriedade que ele ainda tinha, tirou a camisa e começou a rodá-la como se comemorasse um título mundial.

O juiz apitou o fim da partida. A torcida cantou enlouquecidamente, no entanto, pouco depois, caiu em si e começou a pedir a cabeça de Abel Braga. Os jogadores que ganharam o time reserva do Athletico se sentiram no direito de não saudar os torcedores. A situação no Brasileiro é que o Flamengo fez 10 pontos em 18 disputados, aproveitamento de meio de tabela. O clima entre Abel e a arquibancada azedou de vez, nem a vitória foi capaz de aliviar.

Acabado o jogo, esperamos para sair. Nisso, avistamos novamente o rapaz que uma hora e meia antes tinha perguntado onde era a escada. Ele continuava em pé, mas a expressão era aquela que só tem quem está com alma encharcada de álcool. Com as pernas doendo e olhando o estádio vazio com “restos mortais” do consumo de álcool e comida no chão, pensei: “de fato, estou no Circo Voador”.

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