segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Vaias e divergências

Esbarrei sem querer no vídeo em que o cantor Sérgio Ricardo é impedido de cantar pela plateia no Festival da Record de 1967. Se você ainda não sabe, a história é essa: Sérgio Ricardo classificou a música Beto Bom de Bola para a finalíssima do festival. No entanto, o público implicou com a canção sobre um jogador que começara humilde, virou um Deus dos estádios e acabou na rua da amargura. 

Sérgio Ricardo teve a sensibilidade para falar do drama de vários jogadores, mas se não foi diretamente para Garrincha, foi ao menos profético em suas palavras ao que acabou acontecendo com o “Anjo das pernas tortas”. 

No entanto, o público o vaiou desde o anúncio. Sérgio tentou cantar, pediu calma, brincou dizendo que a música poderia se chamar depois daquilo Beto Bom de Vaia. Depois de cantar a primeira parte, o sambinha de Sérgio Ricardo foi abafado pelos apupos do público. O cantor parou, gritou para a plateia “vocês venceram”, quebrou o violão na caixa de som e jogou na público. 

O apresentador Blota Jr entrou no palco pedindo desculpas à plateia pelo “destempero” de Sérgio Ricardo. O diretor da Record ,Paulo Machado de Carvalho, desclassificou o cantor do festival e disse que o artista deveria respeitar o público. 

Passados mais de 50 anos, acho que nunca se pediu desculpas a Sérgio Ricardo pela selvageria cometida contra ele, uma plateia vaiando terrivelmente uma canção. Ok, Beto bom de bola estava longe de ser uma das melhores daquele festival. Algumas das canções daquela edição viraram clássicos brasileiros. Alegria, Alegria, Domingo no Parque, Ponteio e Roda Viva foram apresentadas naquele ano. 

Há outras injustas vaias na história dos festivais. Em 1966 Nana Caymmi já havia tomado vaias ao vencer o festival internacional  da canção , da Globo com Saveiros. Em 1968, a plateia conseguiu vaiar Caetano Veloso na Record e Chico Buarque e Tom Jobim, na Globo. É proibido proibir e Sabiá entraram para história mais por sua excelência artística e não pela incivilidade com que foram recebidas nos festivais. Em 1981, também na emissora carioca,  a voz límpida de Lucinha Lins foi abafada pelo público quando a cantora venceu o festival com Purpurina. 

Tentar calar quem pensa diferente é mal que existe há muito tempo na sociedade. Definitivamente não é um privilégio destes nossos loucos tempos. A verdade é que os tempos sempre foram loucos neste sentido. 

O terrível é pensar na quantidade de coisas que perdemos ao querer enxergar o mundo com poucas cores, queremos “ou”, e nem aventamos a possibilidade do “e/ou”. Sérgio Ricardo sobreviveu ao extremismo da plateia, louca para colocar o polegar para baixo e matar o adversário encurralado na arena. 

Acho que devemos desculpas a Sérgio Ricardo, Caetano Veloso, Chico Buarque, Tom Jobim, Nana Caymmi e Lucinha Lins. No caso de Sérgio Ricardo, a profecia de Beto bom de bola se realizou em 20 de janeiro de 1983, dia em que Mané Garrincha nos deixou. 

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Tarde quente no Rio

A vida é curiosa e é necessário ter um olhar atento aos pequenos fatos. As coincidências são misteriosas. Às 15h40m dois carros do Corpo de Bombeiros passaram com as sirenes ligadas aumentando a poluição sonora (se isso é possível) na Avenida Almirante Barroso. Ao mesmo tempo que essa cena banal de uma grande cidade acontecia, dois homens passavam na calçada no sentido contrário carregando extintores de incêndio, calmamente. 

Em tudo eram diferentes. Eram dois bípedes, caminhando calmamente com os extintores. A incomodar-lhes somente o sol inclemente do Rio de Janeiro no árido ambiente formado pelos prédios do Centro do Rio. Os bombeiros, a bordo de veículos motorizados, tinham a urgência de quem precisa chegar para debelar o incêndio. Os dois homens tinham a calma de quem carregava extintores que se tudo estiver certo jamais serão usados. 

O interessante é a intercessão que mora no incêndio em relação ao ocorrido. Um como fato concreto que precisa ser resolvido, outro como ideia possível, porém distante, intangível. 

Na verdade, dos diversos tipos de pessoa da fauna humana, dois se destacam aqui. Aqueles que precisam apagar incêndios e agem com urgência e aqueles que atuam na prevenção. Quando fogo surge, foi porque a galera da prevenção deu aquela vacilada. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

As andorinhas e a natação

Vi andorinhas no céu do Humaitá. Elas tentavam voar em arco, mas o vento parecia impedir a precisão da figura. O voo das andorinhas parecia mais uma cobra sinuosa voando no céu. 

Cobras sinuosas voando, parecem metáfora de quem usou substâncias ilícitas numa tarde de verão. Não me droguei, apenas resolvi recorrer a figuras de linguagem que pudessem descrever o momento único capturado pela minha janela

Tentei reencontrar as andorinhas, mas só consegui me deparar com helicópteros. Menos poéticos, mais eficazes. Se bem que andorinhas (no plural) fazem verão, helicópteros fazem barulho. 

Decidi que esse texto seria como uma canção de Djavan, sujeito a várias interpretações. Outro dia brincava com meus filhos sobre o que poderia significar a letra de Sina. 

O mais próximo que consigo imaginar é uma aventura no motel no momento do orgasmo. “A luz de um grande prazer é irremediável neon, quando o grito do prazer açoitar o ar réveillon”. Mas não garanto que seja isso, nem consultei o Google para saber. 

 Voltando às andorinhas, enquanto escrevia me deparei com uma delas perdida, voando em direção contrária. Não sei falar “andorinês” e avisar que as outras estavam indo em direção ao Morro Dois Irmãos. 

Depois pensei que nada me garante que a Andorinha faça parte do mesmo grupo. Aliás, existem vários coletivos para pássaros: bando, revoada, passarinhada, passarada, passaredo. Vai depender da escolha poética do freguês. Por exemplo, um rouxinol deve ser um passaredo, pomposo. Urubu é bando, apesar da nobreza nas arquibancadas. Pintassilgo, certamente é passaredo, papagaio, pela zona que faz, sem glamour, forma uma passarinhada. Um grupo de garças  eu descreveria como um passaredo, elegante e imponente. Bem esse parágrafo pode ser interativo. Escolha o pássaro e encaixe no coletivo de sua preferência. 

A gente vê o pássaro e pensa em liberdade, mas não lembra que ele tem que se proteger dos pássaros maiores, que são seus predadores e das balas de chumbinho dos que atiram pelo prazer de matar e testar a pontaria. 

Escrevi, contemplei e nesse tempo as andorinhas não voltaram e enquanto eu esperava por elas, o tempo fechou, começou a chover e eu meus planos de nadar no fim da tarde foram literalmente por água a baixo. Mas pelo menos tinha esse arco-íris da foto.