quinta-feira, 30 de maio de 2019

Felicidade é fazer aniversário

Vou ousar fazer um protesto revolucionário. Meu protesto se chama ter um olhar amoroso sobre as coisas. Hoje eu não vou julgar você por pensar diferente. Eu vou amar, pelo simples fato de amar. Não quero especificar o objeto desse sentimento. Eu quero apenas sentir amor. Sim, vou me alienar. É só hoje e é só por um momento. Um momento em que o pessimismo se distrai. Um intervalo de dois pensamentos ruins. 

Não vou pensar em dinheiro. Não vou pensar em política. Vou pensar na imensidão. Vou pensar que não há finitude. Quero sentir os ossos do meu pé descalço tocando a grama molhada de uma cidade na serra. Quero sentir a força da queda d’água aliviando o suor depois de uma caminhada. 

Hoje, só vou pensar no riso frouxo da minha filha. No olhar meigo do meu filho e no rosto da minha mulher. Só vou imaginar os reencontros, hoje é sem adeus, sem porém, sem entretanto. Hoje é o entreato de um choro. Hoje é o dia do abraço e da boca encostando na pele. 

Quero que hoje seja apenas o dia do nascimento. Hoje não tem dor, não tem fome e não tem angústia. Hoje o silêncio é só por opção, assim como ficar sozinho. 

Hoje é o dia de folga da angústia, da dieta e da incerteza. Hoje tem só esperança. Hoje é dia de refrigerante e peixe no coco. Arroz de polvo, picanha na chapa e purê de batata. Para finalizar, hoje é dia de pudim de leite. 

Colesterol e glicose só vão aparecer amanhã. Hoje eles estão de folga, assim como os triglicerídeos. Até o stent está mais animado. Porque hoje é dia de ficar feliz. É hoje só, amanhã volta tudo ao normal. Tentando sofrer apenas o inevitável, enxugando as lágrimas em ombros amigos e vestindo o melhor sorriso quando a gargalhada for possível. 

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Mudancas na programação da Rádio Globo

A Rádio Globo vai ter uma nova programação a partir do dia 1º de julho. A direção vai fazer o anúncio nesta quarta-feira. Sendo assim, o dia 29 de maio entra para a história recente do rádio carioca. Em 2017 estreava o show do Antônio Carlos na Rádio Tupi. Depois de 31 anos na Rádio Globo, o programa líder de audiência no Rio foi parar na principal concorrente.

A “nova” Nova Rádio Globo vai ser uma ilha de esporte cercada por música de todos os lados. Na verdade, mudança de formato é um eufemismo para o que vai acontecer: a eutanásia de uma marca presente na vida dos brasileiros desde 1944. 

É uma pena, mas a Radio Globo é um cadáver insepulto. E escrevo essa frase com um sabor muito amargo na boca. Na verdade, a mudança que se implementou em julho de 2017 foi a última tentativa de salvar um navio que se dirigia ao iceberg. No entanto, em vez de mudar a rota do leme, as ações aceleraram o motor e fizeram a embarcação atingir a pedra de gelo mais cedo. 

Enquanto Antônio Carlos recebe cumprimentos pelos dois anos de liderança na Tupi, os comandantes da Globo se preparam para informar aos funcionários que o admirável mundo novo se revelou uma acachapante derrota. Emblemático!

Uma coisa que estava na origem do projeto  e, que não se sustentou, foi a determinação de não haver notícias ruins na Rádio Globo. A prática e a realidade se impuseram. 

A Rádio Globo poderia olhar para dentro e buscar soluções. As novelas mudaram radicalmente em 50 anos, mas não perderam a essência. Por isso, mesmo sem o peso de antes, permanecem como um grande produto de entretenimento e comercial da TV Globo. A Rádio Globo perdeu sua essência. 

Provavelmente, a desculpa para a derrocada será a crise econômica do país e/ou o declínio do meio rádio. Não, a culpa é de gestão. São decisões erradas. Um dos erros foi ter mais pessoas em atividades meio, do que na atividade fim. Durante um tempo o departamento de marketing teve mais gente do que a produção. Isso foi pecado de morte. 

Para comemorar os 70 anos da rádio, foi feito um lindo painel com os rostos de varias pessoas que construíram a Globo. Uma das primeiras atitudes da nova gestão foi literalmente despedaçar o painel, pois ele não saía inteiro da parede, e pintar o lugar desocupado de preto. Talvez, nenhuma decisão tenha sido tão emblemática quanto essa. Despedaçar a memória da rádio e passar uma tinta que deixasse impossível encontrar qualquer vestígio do que ocorrera ali. 

O que faltou à Rádio Globo para dar certo? Mestres cervejeiros para dar sabor ao produto e mestres de obra para levantar as paredes. Não adianta a caixa bonita. Se dentro estiver  vazio, o ouvinte abre a caixa, nada vê e joga fora. 

A Rádio Globo precisava entender o que era. A emissora deveria ter feito uma substituição paulatina. Rejuvenescer dentro do seu modelo. Propor uma sucessão aos comunicadores que gostaria de substituir, como fez a própria emissora ao trocar Paulo Giovanni por Francisco Barbosa na década de 1980. 

O que aconteceu na Rádio Globo foi algo corriqueiro na cabeça dos atuais gestores: “o trabalho que você faz, qualquer um pode fazer, difícil é fazer o meu”. E nesse raciocínio o mercado fica precarizado. Tenho muito pesar por causa das pessoas vocacionadas que foram para casa antes da hora. Antes que digam que estou escrevendo em causa própria, afirmo: não fui para casa. Acabei por me reinventar. No entanto, houve gente que não teve a mesma sorte. Minha solidariedade às pessoas que vão perder seus empregos. Não encarem a saída como um fracasso pessoal. Faça da demissão a oportunidade para trilhar outras estradas. 

terça-feira, 28 de maio de 2019

Uma ida no meio da galera ao Maracanã



Às 16h35 de uma tarde calorenta típica do outono carioca, um rapaz com dois copos de cerveja vazios passou por mim e pelo meu amigo Pedro e perguntou: “a escada é aqui? Já estou tão bêbado que não tô enxergando nada”. O Pedro indicou que sim, eu disse “vai com cuidado”. O rapaz com a camisa retrô do Maestro Júnior desceu a arquibancada do Maracanã para se abastecer de cerveja. Naquele momento, o Flamengo já vencia o Athletico Paranaense por 1 a 0.

Meus amigos Pedro, Felipe, Estanislau e Rafael me convenceram a encarar uma ida ao Maracanã na tarde de domingo. Decidi aceitar a empreitada, não sem antes informá-los de uma recente fama de pé-frio, que minha mulher afirma estar me acompanhando nos últimos tempos. Eles toparam levar o azarado ao estádio e seguimos para o templo do futebol.

Quando entramos no Maraca, percebi que esse jogo seria diferente das últimas vezes que estive no estádio. Fui para trás do gol onde tradicionalmente o Flamengo ataca no segundo tempo. Lá , onde ficam as torcidas organizadas. Intrépidos, os rapazes, todos na casa dos 20 anos, foram subindo os degraus da arquibancada. Dois iam desbravando o caminho, eu no meio e outros dois na minha retaguarda. Não sei se a formação para “escoltar” o velho foi intencional, mas funcionou.

Finalmente nos alojamos num corredor entre duas fileiras, atrás de vários bandeirões. Pensei: “não vai dar para ver o jogo”. De repente entrei no túnel do tempo. Virei para o Rafael e comentei: “estou me sentindo no Circo Voador nos anos 90, vou ver o show todo em pé e ainda estou sentindo um cheiro característico".  Bem, vamos ver o que o STF decide sobre o cheiro que senti. O primeiro tempo transcorria com a habitual falta de criatividade do time de Abel Braga, que só chegou ao primeiro gol depois que o sistema defensivo do Athletico errou uma saída de bola. Gabigol aproveitou o passe e acabou derrubado dentro da área. O juiz marcou prontamente, mas o VAR se enrolou e o árbitro teve que olhar o monitor num lance que do outro lado do campo a gente percebeu que foi pênalti. Por fim, a falta foi confirmada. Para a sorte de quem estava no Maracanã, Gabigol, e não Diego, bateu a penalidade e abriu o placar.

Depois de uma pressão do Athletico nos últimos minutos, o juiz apitou o fim da primeira etapa. No intervalo, Estanislau percebeu que quatro cadeiras ao nosso lado ficaram vagas. Éramos cinco, mas meus amigos entenderam minha avançada idade e tacitamente concordaram que um dos lugares seria meu. E aí mais um desafio. Devido ao estado lastimável das cadeiras, não dá para sentar. O torcedor que fica naquele setor tem que sentar no encosto e colocar os pés no assento. Exigindo um equilíbrio, que confesso, achei que não seria capaz de ter. Depois de 15 minutos, me rendi e sentei onde todos depositavam os pés.
No começo do segundo tempo já era possível ver que seria bem sofrido. O time do Paraná foi pra cima do Flamengo, encurralando o previsível time de Abel Braga. Mas isso não desanimava a torcida. Aliás, reconheci vários sucessos, adaptados aos cantos da arquibancada, Whiski a Go Go e Primeiros Erros, por exemplo. Não sei reproduzir as versões dos torcedores. Há óbvias loas ao rubro-negro e palavras hostis aos outros times do Rio.

Em pé do meu lado, pisando onde deveríamos estar sentados, Felipe fez um comentário típico de quem está acostumado a assistir o jogo no estádio: “o Athletico está começando a gostar do jogo”. Dez segundos depois, se tanto, os paranaenses empataram com Marcelo Cirino. E a torcida que até aquele momento apoiava, começou a hostilizar Abel e o time em campo. Nada é tão ruim que não possa piorar. O Athletico atacava e um jogador caiu na área. Do outro lado do campo, nos olhamos e pensamos: “ foi pênalti”. Na era do VAR, não tem como, o vídeo vai dedurar. Depois de levar novamente um tempo desnecessário para marcar o obvio, o juiz confirmou a penalidade. Com a “lei do ex” a todo vapor, Marcelo Cirino bateu e fez 2 a 1 para os visitantes.

O caldeirão ferveu de vez. A torcida se irritou e começou a mandar Abel para lugares recônditos da anatomia humana e dizer que o time rubro-negro era sem-vergonha. Eu olhava para os rapazes que me chamaram para o jogo e pensava: “eles estão arrependidos, minha mulher estava certa, depois de um determinado tempo me transformei inapelavelmente em um pé-frio”. Torcedor sempre pensa que a culpa é daquela camisa que deixou do avesso, ou da porcaria da meia que ele trocou.

A torcida berrava a plenos pulmões: “está faltando Arrascaeta nessa p...”. O que fez Abel? Colocou Rodinei no lugar de Pará. “Burro” foi a palavra mais elogiosa que o treinador rubro-negro escutou. A arquibancada pedia Arrascaeta novamente e o técnico pôs Vitinho. As coisas só pioravam, Abel colocou Lincoln no lugar de Gabigol. Arrascaeta não foi para o jogo. Parecia até birra do treinador.
Resignado sentei para descansar. Já estava pensando em todas as “zoações” que enfrentaria dos alunos e dos meus amigos que não são rubro-negros. Estava de forma egoísta pensando em como me livrar das brincadeiras. Abel era xingado, mas desordenadamente o Flamengo encurralava os paranaenses, de forma parecida como a que fez na semana passada com o Atlético Mineiro. E a monocórdia jogada do Flamengo deu resultado. Everton Ribeiro levantou na área e Bruno Henrique empatou o jogo, aos 45 minutos. Felipe olhou para mim e disse: “ainda dá tempo”. Pensei que a juventude o iludia. O empate já tinha caído do céu. Aos 51 minutos, René, que pouco acertara até então, cruzou na área e Rodrigo Caio, o jogador mais regular do Flamengo no ano, subiu como se tivesse sido jogado para cima com o grito de 52 mil pessoas e acertou um balaço de cabeça. Golaço, daqueles que os velhos torcedores estavam acostumados a ver.

Nesse inacreditável terceiro gol, Estanislau caiu para trás, literalmente. Mas essa não foi a maior baixa. Um rapaz, vestido com a camisa 14 de Arrascaeta, se estatelou no chão. Com muita dificuldade, foram necessários três ou quatro solidários torcedores para ajudar o rapaz. Com o pouco de sobriedade que ele ainda tinha, tirou a camisa e começou a rodá-la como se comemorasse um título mundial.

O juiz apitou o fim da partida. A torcida cantou enlouquecidamente, no entanto, pouco depois, caiu em si e começou a pedir a cabeça de Abel Braga. Os jogadores que ganharam o time reserva do Athletico se sentiram no direito de não saudar os torcedores. A situação no Brasileiro é que o Flamengo fez 10 pontos em 18 disputados, aproveitamento de meio de tabela. O clima entre Abel e a arquibancada azedou de vez, nem a vitória foi capaz de aliviar.

Acabado o jogo, esperamos para sair. Nisso, avistamos novamente o rapaz que uma hora e meia antes tinha perguntado onde era a escada. Ele continuava em pé, mas a expressão era aquela que só tem quem está com alma encharcada de álcool. Com as pernas doendo e olhando o estádio vazio com “restos mortais” do consumo de álcool e comida no chão, pensei: “de fato, estou no Circo Voador”.

domingo, 26 de maio de 2019

Reabertura de viaduto na Gávea vira Fla-Flu da mobilidade urbana

Um viaduto acabou com a ligação entre as associações de moradores da Gávea e de São Conrado. O nome do algoz da harmonia é viaduto Graça Couto. É aquele que até 2003 era a opção para quem saía do Zuzu Angel em direção à Lagoa. O cidadão virava ali ou seguia pelo Túnel Acústico. 

Os moradores de São Conrado apoiam a reabertura, pois a medida diminui um pouco o volume de carros no corredor formado pelo Túnel Acústico, rua Mário Ribeiro e as avenidas no entorno da Lagoa. O pessoal da Gávea reclama que a reabertura da via vai acabar com a qualidade de vida do bairro. A associação da Gávea diz que o volume de carros passaria de 9 mil para 18 mil por dia na Marquês de São Vicente. 

O Viaduto Graça Couto operou até 2003. , no entanto, a força da associação da Gávea durante a prefeitura de César Maia fechou a via. A parte mais alta da Marques de São Vicente foi poupada da circulação de um grande número de veículos. Em compensação, o Túnel Acústico “engargalou” de vez. 

O curioso é que um problema histórico da cidade, a superlotação de outro túnel, o Rebouças,  também passa pela Gávea. Existe no papel (e de lá nunca foi tirado) um projeto de um túnel que ligaria a Rua Uruguai a Praça Santos Dumont, na Gávea. É a linha verde, uma das vias projetadas pelo urbanista grego Constantino Dioxiádis. O plano policromático, ou plano Dioxiádis,  foi encomendado para que o Rio se redesenhasse após perder o status de capital do país. 

No entanto, o lobby contrário foi muito forte. Os proprietários que moravam no entorno da Praça Santos Dumont temiam que os imóveis do local se desvalorizassem. O fato é que os moradores da Gávea conseguiram vencer a batalha. O que se pode aprender dessa história é que há mais de meio século o trânsito tenta se embrenhar pela Gávea e não consegue. Os moradores da Avenida Paulo de Frontin, no Rio Comprido, e da Rua Bela, em São Cristóvão, não tiveram a mesma sorte por ocasião das construções do Rebouças e da Linha Vermelha, respectivamente. 

Obviamente, a solução de expandir o Metrô é a forma mais sustentável para resolver os gargalos da cidade. No entanto, a paralisia econômica em que se encontra o país não deixa visível no horizonte. Quem sabe, daqui a 50 anos finalmente tenhamos a ligação entre a Gávea e a Rua Uruguai, aliviando assim um pouco do trânsito na Zona Sul. 

A Gávea é um lugar bucólico e agradabilíssimo, no entanto, ao que parece, foi chamada para dar sua dose de sacrifício. Abrir o viaduto Graça Couto parece uma solução inevitável para aliviar o trânsito no Túnel Acústico. Quem vencerá a batalha do viaduto Graça Couto: Gávea ou São Conrado. Com a palavra o desprefeito Marcelo Crivella. 

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Ecos de um fracasso

Fracassos são como acidentes aéreos. Nunca há uma só causa. É sempre uma conjunção de fatores. O fracasso tende a imprimir sua chaga no último que colocou as mãos no malfadado projeto. 

No entanto, entrar depois não isenta os últimos pelos problemas criados a partir de seu ingresso na empreitada. Fracassos podem ser precipitados. Em lugar algum há soluções mágicas. É necessário ouvir, descobrir a opinião de quem tentava “domar o touro” anteriormente. O fracasso anda de mãos dadas com a arrogância. 

Cada período de tempo tem uma especificidade sócio-cultural. Uma medida que deu certo há algum tempo, hoje pode ser a fórmula que deixará a galinha dos ovos de ouro a 7 palmos debaixo da terra sem enterro digno. Fracasso sempre mata algo na gente. 

Lembrei de uma história que assisti num filme. O cachorro carregava um osso. Ao olhar sua imagem refletida no rio, quis tomar o osso do seu “eu” refletido. Vitima da ilusão, latiu e perdeu o osso, o fracasso começa num olhar iludido para o espelho. 

O som de uma gargalhada, o tapinha amistoso nas costas e o elogio a uma ideia pouco ortodoxa podem esconder apenas intenções arrivistas. O comando talvez seja nas posições de uma guerra aquela que guarda o maior contingente de solidão. A solidão faz com que apenas a nossa própria voz seja ouvida. O fracasso é a audição de um grito que ecoou de forma errada. 

Uma vez ouvi a história de um homem que tinha uma loja de brinquedos. Ao participar de um leilão de peças apreendidas na alfândega, comprou mais de 100 caixões, pensando se tratar de bambolês. Ao perceber o engano, disse que mudaria de negócio. Não sei que fim levou o personagem, mas sei que para a fortuna acompanha-lo deveria entender do mundo funerário. Pois se continuasse a entender apenas de bambolês, seu comércio acabaria num caixão. O fracasso é achar que o marketing vai resolver a diferença entre  vender urnas funerárias e bambolês. 

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Quem você traria de volta à vida?



Uma aluna me fez uma pergunta que eu não soube responder na hora. Não era a fórmula da água, nem 7 X 8. Antes que me acusem de qualquer coisa, gostaria de lembrar que dou aula numa faculdade do campo das Ciências Humanas, então essas perguntas, que aliás tem respostas óbvias, não fazem parte do dia a dia da minha disciplina. 

Voltando ao questionamento da aluna, a indagação era curta, mas a resposta complexa. Ela me fez a seguinte pergunta: se eu pudesse ressuscitar um cantor ou cantora, quem eu ressuscitaria. Nunca havia pensado nisso, até porque, acredito que os artistas fazem parte daquele tipo especial de gente que não morre. 

Quando escuto Tim Maia, Cazuza, ou Renato Russo, não consigo tratar como passado. Acho que as obras são tão vigorosaos na minha memória, que eles ocupam um lugar perene. Estão na prateleira, vou lá, alimento a alma e os devolvo ao relicário afetivo. 

Alguns me acusarão de ter uma postura utilitária com esses artistas. Mas não vou negar, a música é útil na minha vida, assim como a arte em geral. Negar a utilidade da arte serve apenas ao discurso obscurantistas que grassa em nossas cidades atualmente. 

A arte é útil à alma. Assim como o são as lembranças e a saudade. Isso tudo é para dizer que não tenho resposta. Minha aluna foi mais assertiva. Ela perguntou já tendo a resposta na ponta da língua: Cassia Eller. De fato, seria um belo nome para ressuscitar. Eu vi um show da Cassia e foi maravilhoso. A diferença de idade entre mim e minha aluna, deu-me o privilégio de ver Cassia Eller ao vivo. Minha aluna estava na idade de ver Galinha Pintadinha quando a cantora partiu. 

Eu disse que era uma boa opção, mas de fato, não consegui encontrar outra resposta. Me toquei que não consegui desenvolver com nenhum artista tal grau de devoção a ponto de querer trazer da morte algum deles. 

Saí da aula pensativo. Agora, minha dúvida era sobre quem eu ressuscitaria para ter uma última conversa. E vi que é muito difícil. Obviamente, pensei na minha mãe, mas depois, me perguntei “e o meu pai”? Imagina se um sabe que eu preferi trazer o outro. 

Pensei que quem perdeu apenas um deles teria uma escolha mais fácil do que a minha. A natureza foi sábia de não dar esse poder ao ser humano. Trazer alguém de volta à vida poderia causar dano a outro mesmo depois que este outro tivesse morrido. Viajei mais um pouco e pensei em mais inconveniente de trazer alguém de volta para a última conversa. 

Eu não tive a chance de conscientemente dar o último adeus nem à minha mãe, nem a meu pai. Se tivesse a chance de trazê-los, teria que me despedir novamente deles. Dessa vez sabendo que aquela era a oportunidade derradeira. Nossa, a primeira despedida foi dura demais. Não gostaria de viver novamente aquilo. 

A verdade é que tudo tem seu tempo. Subverter essa lógica traria mais dor do que recompensa. E assim como os artistas mencionados no começo desse texto, quem amamos também ocupa um lugar mágico e atemporal na alma. Essas  pessoas ficam impressas na gente. Quando são nossos pais e mães, inevitavelmente nos assemelhamos em traços e gestos. Quando são amigos, repetimos expressões e hábitos. 

Brincar de Deus e ressuscitar alguém é perigoso. Escolher é um dom. A vida é feita de escolhas. Como sou jornalista, lembro que editar é escolher e concluo, a léguas da filosofia clássica e a dois passos da filosofia de botequim, que viver é uma grande edição. E chego ao final do texto sem escolher quem eu traria para o último agiu ou para a última conversa. 

sábado, 18 de maio de 2019

O que você diria ao você do seu passado?

A página em branco abre tantas possibilidades que às vezes a gente se perde por causa das infinitas opções. A página em branco agora propõe uma viagem ao tempo. Essa máquina do tempo é um espelho. Com um daqueles encantos que só as páginas em branco permitem, a imagem refletida é a sua, mas não a imagem de agora, e sim a de 30, 35 anos atrás. 

O espelho além do reflexo invertido se separa numa linha temporal. E nessa janela interdimensional é permitida uma conversa entre o você de agora e o você do passado. A proposta é que você conte a ele (você) coisas que no presente dele ajudarão ao seu presente. 

Não vale dizer os resultados da Mega-Sena da virada, nem nenhuma traspassa na sorte. Só vale dizer coisas que ajudem os dois, sem atrapalhar a vida de ninguém. Então, o que você diria?

A primeira coisa que eu diria era para que o cara do passado comesse melhor. Não havia a menor necessidade de comer dois “Big Macs” cada vez que ia ao McDonalds. Explicaria para ele que esse negócio de metabolismo é uma coisa muito séria e que quanto mais velho você fica, mais difícil é manter a forma. 

Acho que tiraria a camisa e mostraria a diferença entre nós. Se isso não fosse um choque de realidade, não sei mais o que poderia ser. Conhecendo bem meu interlocutor, não contaria a ele o que aconteceu com Cazuza, Renato Russo e Ayrton Senna. A surpresa nas perdas de ídolos costuma ser pedagógica emocionalmente falando. 

Diria para ele cuidar dos joelhos e andar de bicicleta o máximo possível. Assim, quando o trânsito da cidade desse um nó, não haveria sofrimento. Alertaria a ele que alguns anos mais tarde, quando Michael Jackson fizesse um show no Brasil, não perdesse de jeito nenhum, pois não teria outra chance de ver. 

Aconselharia ao meu “eu” adolescente a falar mais baixo. brigar apenas pelo que fosse inevitável. Explicaria a ele que nunca perdesse a oportunidade de dizer que amava alguém. Ao mesmo tempo, que avaliasse e, se possível, evitasse dizer que não gostava de uma pessoa. 

Ensinaria que pela vida a gente entende que  não há problema de sorrir com muitas pessoas, mas que para chorar ao lado, só com aqueles que são especiais e que você confia como se fosse um irmão. 

Mostraria que a vida se divide entre as pessoas que você pode entrar numa sala e ficar seguro que não será apunhalado e outras em que sempre é bom se encostar na parede. E mesmo assim, não evitar a convivência com estes, pois o mundo é uma mistura danada e que por isso, não adianta entrar numa bolha. 

Diria, por fim, que o caminho nunca acaba. Que  ele (eu) não pense na chegada, pense no percurso. Pediria que ele bebesse muita água e que usasse sapatos que prevenissem problemas nas articulações das pernas em 30 anos. 

Ah, mais uma coisinha, sei que já escrevi “por fim”, mas realmente preciso acrescentar algo. Eu mostraria o celular e a foto da família que ele teria. E que apesar das minhas observações, ele tinha feito um bom trabalho. Imperfeito, como tudo na vida.






quarta-feira, 15 de maio de 2019

Adeus aos campos de pelada

Amigos, agora é oficial: não me chamem para a próxima pelada. Ok, sei que não jogo uma pelada séria há uns 15 anos. O motivo é um que não surpreenderá àqueles que me acompanham há mais de 30 anos: meus joelhos. Isso mesmo, não é apenas um, são os dois. 

Meu ortopedista olhou uma ressonância magnética e foi lúgubre e direto: “seus joelhos têm uns 65 anos, piores do que os meus que tenho essa idade”. Olhei para ele e não tive a tempo a ideia de pedir um atestado com essa declaração. De posse do documento, pleitearia algumas gratuidades por aí. 

O fato é que qualquer ilusão de que um dia voltaria a jogar uma pelada foi sepultada. Preciso confessar certa inveja do meu primo Paulo Cesar. Ele acaba de completar 71 anos, há pouco ficou alguns dias internado por causa de uma pneumonia e um refluxo. Já voltou às corridas na Lagoa e em breve voltará a correr atrás de uma bola com seus companheiros de pelada no Piraque. 

Guardo histórias gloriosas do tempo de peladeiro. Fui produto de uma insistência insana. Quando tinha uns 6, 7 anos comecei a jogar bola sozinho nas calçadas da rua Dona Mariana, em Botafogo. Jogava e narrava meus gols. Um dia meu amigo Luís Paulo Assis, dois anos mais velho do que eu, resolveu jogar bola comigo. Depois foi chegando mais gente. De 1978 a 1989, posso contar minha vida em peladas.  Com  o pessoal da Dona Mariana, com a galera do Joaquim Nabuco, com a turma de Botafogo e com os amigos da igreja presbiteriana. Foi muito suor, resenha e claro, desentendimentos. 

Em 1989, dois dias antes da eleição de Fernando Collor torci meu joelho direito. Aos 18 anos comecei meu “drama “de torcer o joelho de quando em vez. Uma lesão nos ligamentos cruzados que nunca operei se agrava desde então. 

Mas a juventude e a era da imortalidade fizeram com que tivesse momentos memoráveis correndo atrás da bola, mesmo com um dos joelhos em frangalhos. O gol de falta no campeonato da faculdade, os 10 gols em um jogo no clube Germânia, as peladas na casa do Kelvin... a perda do pênalti na semifinal do campeonato da ECO. A vida é feita de vitórias e derrotas. 

Em 1995 veio a torção no joelho direito. Daí em diante minha carreira como peladeiro entrou em declínio. Nunca mais tive a mesma eficiência. Depois disso ainda tentei jogar, mas era difícil, fui engordando e os joelhos cobrando o preço do peso em cima deles. 

Quando meu filho mais velho quase que compulsoriamente começou a jogar futebol, ainda ensaiei bater uma bola com ele, mas sem a eficiência de antes. Não fui o rei da quadra em meu auge, mas guardo com orgulho uma vez que jogávamos na casa do Kelvin e o primo dele, Rodrigo, fez um comentário. A gente estava jogando com uma bola de futebol de campo na quadra do prédio. Quando alguém chegou com a bola de futsal, o Rodrigo falou: “agora a pelada vai perder a graça, com a bola de futsal o Creso vai acabar com o jogo”. Ele exagerou, minha memória pode ter exagerado agora, mas gosto de me lembrar que foi assim. 

O fato é que do garoto que jogava sozinho as peladas na Dona Mariana, imaginando-se o Zico e com o Maracanã aos seus pés, ao quase cinquentão com joelho desgastado, muitas coisas se passaram. Bem, continuo imaginando gols, dribles e lances. A diferença é que não os narro mais. Pegaria mal um adulto falando sozinho emulando narradores e gritando gols que só existem na sua imaginação. Pensando bem, será que pegaria tão mal assim?

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Força, Sidão

A escolha do craque da jogo pelo público nos jogos transmitidos pela  Rede Globo faz parte de uma estratégia para aumentar a interatividade nas transmissões. No entanto, é uma interatividade vazia. Na tentativa de terceirizar uma escolha que deveria ser feita tecnicamente pelos analistas pagos pela emissora, adota-se uma ação demagógica para que o público participe. E o público pode ser solidário ou perverso. E na interatividade vazia que foi proposta, parece que não havia “plano B” para o caso da audiência preferir a perversidade ao mérito. 

Rodrygo, craque tipo exportação que já vai para o Real Madrid, fez uma grande partida. No entanto, os internautas decidiram pelo bullying virtual contra Sidão no jogo entre Santos e Vasco. Insensivelmente, a emissora decidiu corroborar a agressão virtual ao goleiro. 

De acordo com o site UOL, Luiz Roberto, Casagrande e Roger foram contra a entrega. Não esperava outra atitude dos três, pessoas que vivem o futebol, diferentemente dos executivos que bolam essas coisas “jeniais”, mas desconhecem a realidade da bola. 

Sidão teve uma passagem boa pelo Botafogo, mas não tem uma carreira de grande destaque. Teve um dia terrível tecnicamente contra o Santos. Isso acontece, qualquer um de nós em nossos campos profissionais pode ter um dia ruim. Nossa autocrítica já nos condena. Imaginem agora, milhões de pessoas promovendo esse massacre virtual. Para piorar, o goleiro teve uma depressão e pensou em suicídio por ocasião da morte da mãe. Diante desse histórico, é fácil imaginar o turbilhão em que se encontrava a cabeça do jogador na saída de campo. A TV Globo, ao dar o prêmio, foi desumana. 

Diante da péssima repercussão nas redes após a partida, a TV usou o quadro Gols do Fantástico para se desculpar. A emenda ficou tão ruim quanto o soneto. A matéria sobre o jogo fez varias brincadeiras com Sidão. No quadro, quando o goleiro faz alguma defesa improvável o apresentador usa a expressão “como um gato”. A reportagem brincou com as boas defesas de Sidão e com as falhas. A piada só é boa se todo mundo acha graça. Logo, a edição foi uma péssima piada. No fim, a Globo se explicou e admitiu mudanças na mecânica da escolha do craque do jogo. Para piorar mais um pouco a situação, a emissora usou o cavalinho do Vasco para lembrar a Tadeu Schimidt que ainda faltava pedir desculpas ao Vasco, ao Sidão e à torcida. 

A emissora tentou imprimir uma leveza ao episódio que não havia. Foi um desrespeito a uma pessoa em rede nacional. A internet é uma massa disforme e incontrolável. Episódios como o do goleiro Sidão só mostram o quão despreparados ainda estão os grandes veículos de comunicação sobre o uso da web. A Rede Globo cada vez mais trata o futebol como entretenimento e menos como jornalismo. Na hora da escolha do craque e dos pedidos de desculpa usou mais entretenimento, quando na verdade, deveria ter apelado ao DNA da empresa, o jornalismo. Às vezes dizer erramos e pedir desculpas é mais simples e eficaz. 

domingo, 12 de maio de 2019

Às mães, mas acima de tudo, às mulheres

Completei uma maioridade sem minha mãe por perto fisicamente. São 18 anos em que ela virou saudade. No campo dos sonhos, ela está presente. Converso muito com ela, na verdade falo mais do que escuto. Há 18 anos não ouço a voz da minha mãe. Diferentemente de nossos dias, em 2001, gravações de vídeos não estavam ao alcance do celular, pelo menos do meu. Tudo que guardo dela está em fotos e sítios afetivos da minha alma. 

Então, a partir de determinada idade tive que enfrentar o mundo com o que acumulei em quase 30 anos de convivência com a minha mãe. A relação que estabeleci com ela é única. Assim como foram únicas as relações que meus 7 irmãos estabeleceram com ela. 

A minha foi dependência na infância, tempestuosa na adolescência, cumplicidade no começo da vida adulta e inversão de papéis na reta final. Talvez, variando um pouco no período de duração, muitos dos que leem esse texto tenham experiências semelhantes com suas mães. 

Mas vivemos momentos de transformação. A maternidade no noss mundo não ocupa mais o inquestionável lugar que por séculos foi seu. Tudo está sendo problematizado, inclusive limitar a mulher a um papel preponderante de “gerar para os maridos os novos filhos de Atenas”, como cantava Chico Buarque. 

Mas não tenho essa experiência com as maternidades à minha volta. As mães que estão no meu círculo mais restrito são mães-raiz. Se orgulham e enchem o saco dos filhos. Vivem por eles e são leoas atentas aos que pode acontecer às crias. Falo por minha mulher, com quem divido a aventura de formar dois adolescentes, assim como algumas amigas que têm a maternidade como parte central da vida. A diferença delas para as mães é que esse papel não é exclusivo, tocam suas vidas profissionais e relações pessoais concomitantemente à realidade de serem mães. 

Às mulheres que levam a experiência clássica de ser mãe adiante, um tradicional parabéns. Vocês merecem tudo de bom, pois é muitas vezes doloroso e incerto ter filhos. O mais importante é que as mulheres sejam respeitadas. Tendo elas escolhido ser mães bilologicas, adotivas ou simplesmente não ser mãe. A maternidade deve ser acima de tudo uma escolha e não imposição. 

sábado, 11 de maio de 2019

O Porsche e o Fusca

A foto no fim do texto é para pensar a história de dois carros. Poderiam ser duas pessoas. Mas aqui, quero falar das máquinas e não dos humanos que as conduzem. Em tudo parecem opostos. Na sombra o carro escuro, no sol, o carro branco. 

Se a sombra às vezes tem conotação negativa, o carro nela é um fetiche do consumo automobilístico. É um Porsche, veículo, que de segunda mão, por exemplo, pode ser encontrado por “irrisórias” quantias de seis dígitos. Foi a bordo de um deles que James Dean sofreu um acidente fatal em 1955

O lugar ao sol está com  o possante Fusca. Em seu auge se tratava também de um clássico dos desejos consumistas. Claro que não há tanto glamour quanto no Porsche. Digamos, que o Porsche é a aspiração dos alucinados por velocidade, enquanto o Fusquinha era a seu tempo o sonho de liberdade, mais modesto, para quem nos anos 1960 e 1970 queria se locomover, ou “caçar submarinos” em praias (seguras) nas noites cariocas. 

Por diferentes motivos nunca dirigi e, provavelmente, não dirigirei um Fusca ou um Porsche. Um por razões etárias e outro por razões monetários. Numa rápida busca no Mercado Livre, achei um Fusca ano 77 por R$ 7.500,00. No mesmo site, achei um Porsche Carrera 2008, pela bagatela de R$ 359 mil. Ou seja, com um Porsche é possível comprar quase 50 Fuscas. 

Os dois carros inspiraram personagens no cinema. A extinta Sessão da Tarde, na TV Globo,  exibiu diferentes versões de Herbie, Se Meu Fusca Falasse. O Porsche não chegou a protagonizar um filme, mas tinha papel relevante na franquia Carros. Sally Carrera, par romântico do protagonista Relâmpago McQueen, era um Porsche azul. 

E numa rua na Zona Sul do Rio se encontraram os dois veículos. Cada um numa direção, trajetórias cruzadas, e tal qual duas setas lançadas em direção contrária, só se encontram na intersecção e depois só no infinito. Como nunca se chegou ao infinito, nunca saberemos se haverá o reencontro. Os pragmáticos dirão que os dois precisam de combustível para andar e isso os iguala no infinito ou na esquina. 

Na verdade todo esse lirismo pode ir embora quando o dono de um Porsche comprar um Fusca e colocá-los lado a lado numa garagem. Nesse caso é a força do capital se impondo à subjetividade. E contra isso, não há remédio, o dinheiro compra tudo, um Porsche, um Fusca e até a lirismo. 


sexta-feira, 10 de maio de 2019

Considerações sobre a última pesquisa Ibope no rádio

A JB FM assumiu a liderança do dial carioca em abril. A JB avançou pouco mais de 10% em relação a março e, com isso, conseguiu a marca histórica. Há 10 anos, se alguém dissesse que a emissora seria líder, haveria uma sonora gargalhada de quem ouvisse. A JB, no entanto, mantém um padrão de programação e não surpreende seus ouvintes. Para um produto tão calcado no hábito do seu consumidor como é o rádio, a estratégia é a mais acertada. No rádio, me ensinaram campeões de audiência, a gente surpreende no conteúdo, mas não na forma. O ouvinte tem que saber que a emissora do seu coração não vai trazer mudanças bruscas. 

Outro número que pareceria estapafúrdio há 10 anos era dizer que a Bandnews se aproximaria da Rádio Globo. Em março a diferença entre as duas era de 10 mil ouvintes, hoje a diferença é de 6 mil. Nem a trágica morte de Ricardo Boechat alterou a posição da jornalística. A concorrência numérica da Band não é mais com a CBN, a quem ultrapassou inapelavelmente, mas sim com a Globo. 

Aliás, em junho de 2017 a Globo tinha 4 vezes o número de ouvintes da CBN. Segundo os números do Kantar/Ibope, em abril de 2019 a proporção diminuiu. Agora é de 2 para 1. O pior é que essa diferença aconteceu ao mesmo tempo que a audiência das duas rádios despencou. Os 35 mil ouvintes da Globo hoje são cerca de 1/4 dos números de junho de 2017. Os 18 mil da CBN representam metade do que eram no mesmo período. 

Ainda não é possível saber o impacto do Manhã Paradiso, com Roberto Canazio, que estreou em abril. Além disso, este ranking é geral, seria necessário ver os boletins por horário. A Paradiso, em 15º no geral fez uma aposta, que como jornalista, amigo do apresentador e eventual participante do programa, espero que dê certo. 

Entre as 5 primeiras, duas pertencem ao segmento Gospel, Melodia e 93 FM juntas tem mais de 260 mil ouvintes. Novamente está demonstrada a força dos evangélicos no Rio de Janeiro. Força facilmente percebida nas eleições proporcionais de deputados federais, estaduais e vereadores no Rio de Janeiro. 

Das rádios jovens destaca-se a Mix, em 6º lugar no geral. A situação da JB é privilegiada no ranking geral e no seu segmento. Nesse cenário a vitória é acachapante. A JB tem mais de 7 vezes a audiência da mais próxima, que é a Antena 1. O placar é 196 mil x 26 mil. A FM O Dia ainda é muito forte. Está em terceiro no geral, mas também tem larga vantagem sobre a Mania. 172 mil x 23 mil. A Tupi está em 4º no geral, mas corre sozinha desde que a Globo mudou a programação. 

A importância desses números é que a partir deles os departamentos comerciais preparam suas estratégias de busca de clientes. Liderar um segmento como fazem JB, Melodia, FM O Dia e Tupi facilita as coisas. É o que na Fórmula 1 se chama de “correr de cara pro vento”, sem retardatários ou adversários para atrapalhar na busca por patrocinadores. 

Antes esses números eram divulgados pelas emissoras, mas hoje em dia são tratados como “segredo de estado”, o que não critico, pois informação é moeda valiosa. Tive acesso aos números graças a uma postagem do radialista Beto Brito, a quem dou o crédito pela divulgação. A pesquisa do Kantar/Ibope é chamada de anacrônica e pouco transparente por muitos executivos de rádio. No entanto, ela é a forma de medir a audiência aceita no mercado, logo, é muito importante conseguir um bom resultado no levantamento. 

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Mostrar como é e ser como pode

Está proibido sentir medo. A ordem agora é a assertividade. Titubear em alguma situação é sinal de fraqueza. Os lados são tão claros que demorar a escolher alguma coisa é falha de caráter. Quando você quer dar uma avaliada para saber em que canoa vai embarcar, surge logo o grito: “você está relativizando”. 

Então, gostaria de deixar algumas coisas claras. A primeira, morro de medo. Tenho medo de avião, tenho medo de lugares fechados. Quando o metrô fica parado entre uma estação e outra conto até 10 para não entrar em desespero. Sinto vertigem em lugares altos. Nem os períodos em que substituí o Genilson Araujo como repórter aéreo reconfiguraram meus sentimentos. 

Choro em final de novela, ao ouvir certas musicas, ao me lembrar de alguém que não está mais por aqui e com os pequenos atos dos meus filhos. Chorava em apresentação de final de ano da creche, ao ver fotos de quando era mais novo e até do meu casamento. 

Sou um fracasso na nova temporada dos assertivos. Outro dia fui buscar minha filha na dança, liguei o pisca-alerta, e encostei rapidamente para que ela entrasse no carro. Se o resgate demorar 10 segundos, é muito. Mesmo assim, foi tempo suficiente para que um imbecil encostasse ao meu lado, me xingasse e fosse embora. Fiquei irado, pensei em bancar o machão. Depois refleti que bancar o machão dá um trabalho danado. 

Aliás, dirigir no Rio de Janeiro é um desafio. Repito o mantra “brigue as brigas que valem a pena”. Mas confesso não ser bem sucedido em algumas vezes. Fechadas são respondidas com buzinadas. Às vezes xingo dentro do carro e só quem ouve é a coitada da minha mulher. Pretendo melhorar isso para não ferir os ouvidos mais próximos. 

Algumas coisas me parecem tão óbvias que na verdade não tenho dúvida em condenar ou apoiar. O corte das verbas da educação é absurdo  e merece todo protesto que podemos fazer. O sucateamento da universidade pública é um crime contra a sociedade, não só contra quem trabalha e estuda lá, como podem pensar alguns incautos e cegos dos novos tempos. 

Em compensação, não sei se o Tite deve ou não convocar Neymar. Não tenho dúvidas de que agredir um torcedor é um absurdo sem tamanho. Mas tirar Neymar da Copa América talvez puna mais o time da CBF, do que o mimado camisa 10. Só que aí os donos do monopólio da certeza vão me chamar de relativista. 

É difícil viver nesse mundo. Mas como diriam os novos baianos “besta é tu, não viver esse mundo, besta é tu, se não há outro mundo”. E quando a situação ficar feia recorra a eles novamente e cante “Vou mostrando como sou e vou sendo como posso”.  Jogue seu corpo no mundo, sem medo de ter medo e com a certeza de que quem só tem certezas está trilhando um caminho errado na vida. 

terça-feira, 7 de maio de 2019

Governador-Rambo ou governador -maluquinho

Primeiro o governador do Rio de Janeiro posou com um fuzil apreendido pela Polícia. Depois, Wilson Witzel acompanhou embarcado num helicóptero operação policial em Angra dos Reis. Senti-me diante da tela do meu celular assistindo uma versão de Rambo, soldado americano vivido nos anos 1980 por Silvester Stalone. Seria algo como Rambo in Rio.

No primeiro dia do governo já era possível vislumbrar que vinha coisa esquisita por aí. Witzel arrumou uma “faixa governamental”, que nenhum dos seus antecessores usou na posse. Parece que o governador do Rio tem um viés marqueteiro como o ex-presidente Fernando Collor de Mello. 

Para coroar a semana animada, o governador se hospedou num hotel de luxo em Angra. Witzel explicou que as despesas dele foram pagas do próprio bolso e que o hotel ofereceu “apenas” a hospedagem. 

O governador é ex-juiz e deve conhecer de cabo a rabo as leis que regem o serviço público. Por isso, deve ter de cor o parágrafo que torna legal o fato de uma instituição privada oferecer “apenas” a hospedagem a um servidor. No entanto, moralmente, ficou bem esquisita a generosa oferta do hotel. 

Wilson Witzel vem demonstrando nesses quase 130 dias de governo um certo deslumbramento com a função. Não conseguem sair da minha cabeça as imagens de Collor com quimono lutando Karatê ou sentado num caça da Aeronáutica. 

Governador, enquanto o senhor brinca de Rambo, há algumas coisas a resolver. Sua polícia continua com uma taxa de letalidade elevada. Não parece haver planejamento, só ações pirotécnicas para suas aparições. Quais são, por exemplo, as  soluções para quando o período de recuperação judicial do estado acabar e alguns pagamentos suspensos voltarem? Ouço barulhos de grilo ar...

Lembro que uma vez César Maia, ainda na prefeitura, usou um casaco de couro com a temperatura ambiente de 40 graus. Por conta de suas ações, levou o apelido de “prefeito maluquinho “. Pelo menos ele não empunhava armas, no máximo varria a Marquês de Sapucaí com os garis. Agora o Palácio Guanabara é ocupado por um governador no mínimo excêntrico. Não se sabe se governador-Rambo ou governador-maluquinho. Tanto um personagem quanto outro são obras de ficção e o Rio precisa de um administrador na vida real, que tenha uma visão estadista e rejeite ofertas de hospedagens de hotéis particulares. 

domingo, 5 de maio de 2019

O jogo de ping -pong com meu filho

Em mais de um ano era primeira vez que me aventurava a jogar ping - pong. Perdoem-me os atletas da modalidade, mas minhas habilidades se negam a descrever o que jogo como tênis de mesa. 

Meu filho, a quem ensinei a jogar e já me superou completamente, era meu adversário. Jogamos 4 partidas em que quem chegasse a 21 pontos primeiro ganharia. Perdi as quatro. As que cheguei mais perto atingi 19 pontos. 

Preciso confessar que apesar de o oponente ser uma das três pessoas que mais amo no mundo, queria derrotá-lo, mas não cheguei nem perto. Meu saque deve atingir atualmente a espantosa velocidade de 10 km por século. Minha mobilidade está tão grande quanto a de um caminhão de 8 eixos e minhas pernas tão fortes quanto dois gravetos prestes a quebrar. 

Fui presa fácil. Meu filho é um adversário duro de derrotar. Quando ele estava aprendendo a jogar ainda dava, mas agora é uma missão impossível. Nessas circunstâncias, se conseguisse arrancar uma vitória dele seria quase um ato heroico. 

Ele começou impondo um ritmo forte, me jogando impiedosamente de um lado para o outro da mesa. Quando abriu 9 a 1 percebi em seu olhar condescendência. Ele foi vendo que se jogasse a 100% da capacidade terminaria com o jogo apenas no saque. 

Lembrei das vezes que perdi para ele com o objetivo de deixá-lo feliz e das vezes que o venci para ensinar que a vida é feita de vitórias e derrotas. Acho que as partidas de ping-pong de agora foram pedagógicas para mim também. Trocamos de posição, não há mais margem de manobra. A juventude dele passou por cima de mim num jogo físico. Ele me deu chances, foi displicente em alguns momentos, mas quando eu olhava alguma possibilidade de vencer, pedagogicamente ele me mostrava que era chegado o tempo de sua supremacia esportiva. 

Pensei num Corcel amarelo que vi rasgando o asfalto da Rua Jardim Botânico dia desses. Ele devia ser de 1971 ou 1972. Para um carro, era um ancião. No entanto, ainda era potente andava de forma audaz e rápida numa rua da Zona Sul. Talvez aproveitando um momento de descuido dos deuses que regem o tráfego na Jardim Botânico, sempre engarrafado. 

Me detive na imagem daquele carro, lindo com o design quadradão que caracterizava os veículos da época. O Corcel era  um símbolo de status nos anos 1970. Em 2019  rasgava a rua com os vidros abertos e o motor fazendo um barulho ensurdecedor. 

E pensei que o que foi garboso e eficaz em seu tempo se tornara uma peça de museu, que ao andar pela cidade querendo mostrar um imortal glamour, exibia também o quão antigo virou. 

O jogo entre mim e meu filho começou a virar. Estou longe da fase em que ele se transforma em meu pai, mas já estamos em lados diferentes da montanha. Ele segue firme em direção ao ápice, eu desço resistentemente de lá. Se fisicamente nossa diferença já se acentua, que minhas capacidades mentais continuem boas para que consiga ensinar a ele e à irmã que o ápice não é chegada é apenas mais um ponto de passagem e que na vida há inúmeros picos e vales. 

Afinal, o Corcel ainda transportava cinco pessoas pela rua Jardim Botânico cumprindo sua função principal, ser um carro. Bem, o jogador que tentava superar a ação inexorável do tempo arranjou dores nas pernas e nos braços, mas ainda conseguiu voltar para casa de bicicleta e continua a ser pai.