quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Futebol e casamento




O dia era 27 de maio de 2001. Eu fui à Igreja de Santa Margarida Maria, na Lagoa. Era dia do meu “curso de noivos”. Uma manhã em que você escuta palestras sobre a boa convivência e harmonia. Manual de instruções para o casal levar o casamento à sério. Eu me casaria em um pouco mais de um mês e essa era uma das burocracias a se cumprir. 

O curso durou das 7h da manhã às 13h. Na saída, minha futura mulher iria almoçar com a mãe. Eu não podia, tinha outro compromisso. Flamengo e Vasco fariam a finalíssima do Carioca. Depois de 2 anos, um fortíssimo time do Vasco, último campeão brasileiro, tentaria dar fim à sina de perder finais para o rival. 

A primeira partida tinha sido 2 a 1 para o Vasco o que obrigava o rubro-negro a vencer por dois gols de diferença. Essa partida de 20 de maio ficou marcada para mim. Estava fazendo o “falecido” amarelinho do lado de fora do Maracanã. Era uma época, digamos, de “litígio” da torcida do Vasco com o Grupo Globo. Ao passar pela rampa da UERJ, torcedores de uma facção jogaram pedras no nosso carro. 

No domingo seguinte não consegui ingresso e fui na Tribuna de Imprensa. Fato que impede arroubos de torcedor. Você podia no máximo chutar a cadeira e apertar as mãos, desde que discretamente. Bem, a movimentação do placar é histórica. O Flamengo faz 1 a 0 e ainda no primeiro tempo o Vasco empatou. 

Paulo Júlio Clement era o gerente de Esportes do Sistema Globo de Rádio na época. Com aquela fina ironia e o sorriso debochado me disse: “hoje vai ser difícil para o seu time”. Por amizade e respeito não fiz considerações sobre seu comentário naquele momento. Mas ruminei coisas bem feias para lhe dizer por causa da pilhéria. 

O Flamengo foi pra cima no segundo do tempo. Fez 2 a 1. O gol reacendeu a esperança na torcida. E eu contido pela liturgia da Tribuna nada podia fazer. 

Eis que aos 43 do segundo tempo. Surge uma falta distante. O Pet ajeita. Na Tribuna, atrás de mim estava um jornalista vascaíno. Ele ficou o segundo tempo inteiro dizendo que estava com o mesmo casaco do jogo em que o Vasco venceu Flamengo com p gol do Cocada. 

Quando o sérvio se preparava para bater a falta, o jornalista/torcedor jogou o casaco na cadeira e num mal presságio emendou: “Rodrigo Mendes de novo, não”. Nota para quem não acompanha futebol. Rodrigo Mendes é um daqueles heróis improváveis do futebol. No campeonato de 99 ele bateu mal uma falta, a bola desviou na barreira e tirou qualquer chance do goleiro do Vasco defender. O lance deu o título ao Flamengo. 

Voltando ao dia 27 de maio de 2001. Pet bateu, a bola entrou. Eu estava tão nervoso, que percebi o destino do chute quando a torcida atrás do gol se levantou. Naquele momento, não houve liturgia na Tribuna que resolvesse a empolgação dos rubro-negros. Esse que vos escreve se ajoelhou, abraçado a outros. 

Paulo Júlio passou por mim e com o sorriso debochado manda: “coisa feia, jornalista”. Riu e vai embora. Apesar de tricolor apaixonado, ele não revelava seu time em palestras ou nas redes sociais. Não queria ser importunado por isso.

PJ quis me levar para a equipe de esportes da CBN, mas eu iria me casar e não estava com disposição de abrir mão dos meus domingos. No entanto, sempre que precisava, ele me acionava para cobrir folgas e férias. 

Profissionalmente, nosso último contato foi quando mediei uma mesa sobre futebol na PUC. Sempre tinha notícias dele pelo Claudio Henrique e pelo Giovanni Faria   

Resolvi compartilhar essa história porque ela mostra quem era o Paulo Júlio, um cara espirituoso e com tiradas engraçadas, além de tudo, um cara competente e do bem.
 


Uma pessoa que faz muita falta nesses tempos em que o humor é artigo raro nas relações humanas. 

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Sopa de pedras






Às 6h45m da manhã encontrei Sidney Rezende na esquina da Maria Angélica com Jardim Botânico. Cumprimentamo-nos rapidamente. Nesse horário, ninguém está com tempo para prosa mais alongada. No entanto, deu para ele fazer a pergunta sobre o assunto que me assombrava naquele momento: “já escreveu o blog hoje?”

Sempre me impressionou a precisão cirúrgica que o Sidney tinha no estúdio, ele perguntava sem rodeios e ainda conseguia dar alfinetadas quando o entrevistado merecia, mas sempre com picardia. 

Bem, devia estar escrito em minha testa o que me preocupava. E esse texto não é sobre o Sidney, apesar de termos varias histórias que com certeza serão assuntos de muitos posts. 

O fato é que eu ia para a primeira sessão de fisioterapia após um “contratempo cervical” e estava caminhando os cerca de 2 km que separam minha casa da ABBR. 

Pelo caminho pensava no que poderia ser tema do blog hoje. Por exemplo, ontem ao voltar para casa, encontrei minha mulher acompanhando a cena em que a personagem da Bianca Bin era jogada de um penhasco dentro de um caixão. Minha mulher estava de pé e aflita, como eu fico em disputa de pênaltis no futebol. Acompanhei o desfecho do capítulo e pensei: “Ana Claudia não é de se empolgar com novela, o capítulo deve ter sido bom”. 

No entanto, me irritei demais com a semelhança da trama com o Conde de Monte Cristo. Ok haver vingança na novela. Começou a ficar puxado pra mim, quando a Bianca Bin encontrou em Nathalia Timberg uma benfeitora que compartilhava o esconderijo de um tesouro. A mesma solução narrativa encontrada numa versão cinematográfica da obra Alexandre Dumas, quando um padre interpretado por Richard Harris entregava um mapa ao herói, interpretado por Jim Caviezel. A “inspiração” prosseguiu. Mas o autor precisava usar o mesmo artifício do filme, a personagem fugitiva entrar no caixão no lugar do morto e ser jogada no mar? Como dizia Chacrinha, “nada se cria, tudo se copia”, mas o Walcyr Carrasco está exagerando um pouco. 

Então pensei, vou esperar a trama esquentar para escrever sobre a novela. Resolvi recorrer aos jornais. Abri o noticiário de política. Acabou resvalando no de polícia, pois envolvia Aécio Neves. A PF vê indícios de que o senador tucano usava celulares de laranjas para fazer ligações sigilosas. Não sei se é para rir ou para chorar com o fato do senador estar mais sujo do que pau de galinheiro e continuar mandando no PSDB. No entanto, a notícia mais engraçada é a do governador Geraldo Alckmin combinando a saída do PSDB do governo Temer com... Michel Temer. Definitivamente, não vou conseguir falar de política no post de hoje. 

Aleatoriamente lembrei-me da história da sopa de pedras. O monge foi na casa do avarento e tinha fome. Pensou no que poderia fazer para conseguir comer. Dirigiu-se ao avarento e falou: “você já tomou sopa de pedra”? O avarento se interessou, pois pedras eram ingredientes que não lhe custavam nada. E o monge continuou: “dê-me quatro pedras de tamanho médio e ponha para ferver”. Quando a água estava começando a borbulhar ele pediu: “você teria só dois pedaços de rabanete?” E avarento cedeu. Assim foi quando ele pediu beterraba, cebola é um naco de carne de boi. Desconfiado, o avarento perguntou: essa sopa não vai ficar pronta?”  O monge o acalmou:  “já vai”. 

Quando a sopa ficou pronta, o monge abriu a panela e com a concha retirou as pedras e colocou duas no prato dele e duas no prato do avarento. Depois serviu o restante da sopa e saboreou-a. O avarento ficou olhando para saber o que faria com as pedras. Ao acabar, o monge levantou-se e jogou as pedras no quintal novamente, colocou o prato na pia e se preparou para  prosseguir viagem. No entanto, antes que saísse, o avarento perguntou: "para que as pedras”? E o monge foi sincero: “sem elas você não me daria comida, serviram para me alimentar”. Depois, foi embora. 


Quantas sopas de pedra você fez na vida? 

Um grande dia para todos. 

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Segura o tempo, que eu quero ver






Cadê o ano? Vi isso num post da jornalista Fernanda Galvão e me fiz a mesma pergunta. 

Só falta um mês para 2017 ser passado. A sorte é que a gente usa pouco cheque hoje em dia. Errar o ano ao preencher o último cheque do talão em janeiro, “quem nunca?" Era um clássico. 

Alguns vão dizer que ainda está cedo para retrospectivas. Nossa, mas esse ano foi tão intenso que eu vou me dar ao luxo de puxar a fila. 

O ano da graça de 2017 começou com um “divórcio”. Depois de 19 anos assinei minha primeira demissão na carreira. Pela primeira vez como jornalista, não foi minha a decisão de sair. Fiquei mais seis meses na Rádio Globo administrando o fim da antiga emissora. Foi um trabalho desgastante, mais emocionalmente do que fisicamente falando. 

Ao sair da emissora em julho, fiquei como o “cachorro que caiu do caminhão de mudança”. Demorei uns dois dias para lembrar que tinha que trocar as informações no Facebook. 

Lembro-me de ter escrito que era como deixar a casa depois de anos. Verdade, aqui não há juízo de valor sobre o que aconteceu emissora, mas não era mais a minha casa. É como você se mudar do apartamento que morou a vida inteira e voltar seis meses depois. Os novos donos trocaram os móveis, as cores das paredes, o lustre da sala e a posição das camas nos quartos. Só o endereço é o mesmo, o apartamento não é mais o seu. 

Logo depois da saída, fiquei naquela fase do “ou caso, ou compro uma bicicleta”.  Como já sou casado há mais de 16 anos e tenho bicicleta, tive que pensar em outras dúvidas para prosseguir no caminho. 

Aventurei-me na tentativa do mestrado. Minha mulher me disse para fazer a prova deste ano, mas que não criasse expectativa, pois tem gente que se prepara o ano inteiro e eu só estudaria 15 dias. 

Com incentivo de dois grandes amigos, Marcelo Kischinhevsky e Mauro Silveira, lancei-me na empreitada.  Não é que deu certo? Passei para o mestrado acadêmico da PUC. Ou seja, depois de alguns anos, vou voltar à sala de aula como aluno. 

No ritmo que levava quando ocupava a coordenação da Rádio Globo, jamais teria condição de ter passado na prova. Então, trata-se de mais um caso do clichê “há males que vem para o bem”. 

Ainda me sinto como aquele cachorro perdido entre dois endereços sem saber usar GPS, mas aos poucos vou encontrando o caminho. 

E quase sem querer esbarrei nesse blog. No último sábado de setembro decidi ter um blog. Pedi ao meu filho que o criasse. Ele criou, me ensinou a postar o básico e lá fui eu. 

O resultado parcial é que faltando um dia para completar dois meses estou pertinho da marca de 21 mil visualizações (com certeza a marca será ultrapassada hoje). Teve post com mais de mil visitas. Fiquei honrado e surpreso que tanta gente tenha interesse em ler o que escrevo.

É um tremendo desafio escrever e publicar todos os dias. Sei que já falei desse esforço antes, mas nunca é demais lembrar. Esses alertas são antes de tudo medo da responsabilidade e da exposição. Não é “denguinho” para colher frases de comiseração do tipo: “nossa, quanto sacrifício”! Logo, minha total admiração a quem consegue escrever todo dia e ainda se dá ao luxo de escrever mais do que um post. A esses, minha expressão de reconhecimento tirada de um video-meme que meu filho me mostrou: “Tu é bichão meermo, hein”. 

Então, a saída da Rádio Globo foi mais um lugar que tive que passar para continuar o caminho. Bem, como ainda falta um mês para o ano acabar e eu pretendo manter o compromisso de escrever todos os dias, é possível que ainda faça outras retrospectivas do ano. 


Vamos combinar então que essa é a retrospectiva 2017- primeira parte. 

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

O "mó" vacilo você ter ido tão rápido







E aí Guilherme? Você ficou me devendo um chope. Outro dia, consegui almoçar com o Marco Grillo e falamos de você. Cara, essa vida corrida é um problema. A gente não deve ficar adiando muito as coisas, porque o destino pode impedir novos encontros.

De vez em quando, ao sair da sauna do Piraquê, ainda olho em direção ao campão pra ver se encontro você. Algumas vezes a gente ficava conversando depois da sua pelada (quando conheci você, meu joelho já era imprestável para o nobre esporte bretão).

A última vez que a gente se encontrou foi no show do João Mauro Senise, na Sala Baden Powell. A gente conversou pouco antes do show. Depois você teve que sair apressadamente, mas ficamos de marcar o tal chope.

Essa velha tradição carioca é chata, a gente adia e aí... O fato é que esse chope não vai rolar, né?  Esse negócio de sair apressadamente não foi bom. A vida entendeu que você deveria sair de cena rapidamente, aí deu no que deu.

Sábado passado foi seu aniversário. Vi uma charge na timeline do João Mauro e lembrei ainda mais de você. Queria saber o que está achando do Botafogo. Bom, agora todo mundo que assistia suas reportagens sabe seu time. O ano não foi de taças, mas foi de vitórias. Acho que junto com os botafoguenses da galera, você estaria vibrando.

Rapaz, não sei como é o wi-fi do céu, então vão algumas atualizações: você sabia que por sua causa o Gustavo, tricolor doente, colocou uma camisa do Botafogo. O que se faz pelos amigos! Bem, o João se inscreveu no The Voice 2018, acabei de ver. Tomara que ele vá longe.

Um ano depois, todo mundo que fala de você, só consegue lembrar do seu sorriso e de como ele faz falta. Ele realmente contagiava. A foto que ilustra este texto é uma das poucas em que estamos juntos (aliás, que time tinha o portal nessa época!). E, claro, você estava sorrindo.

Saiba que guardo na alma a maioria das resenhas futebolísticas que eu, você, Lisandro, Marco, Matheus e Gustavo levávamos. Eu era o único rubro-negro e vocês tiveram que me aturar no título de 2009, lembra?

Ainda me lembro da brincadeira que você fez comigo uma vez que eu troquei de carro. Eu comprei um Siena depois de me aborrecer seguidamente com o carro anterior. Você me disse: “ah, você vai parar de ir tanto ao mecânico, porque se os taxistas compram, o carro é resistente”. Pensando bem, acho que você estava sendo irônico com a minha capacidade de cuidar de carros. Tudo bem, amigos podem fazer esse tipo de brincadeira.

Lembra quando você disse para eu preparar minhas aulas de forma a contar uma das minhas histórias ao final de cada encontro. Você me disse que era o melhor das aulas. Estou tentando fazer isso.

Guilherme, acho que fiz esse blog para compartilhar essas histórias. Saiba que carrego comigo um pedacinho de todos vocês que estiveram comigo na sala de aula. Guardo na alma nossos encontros. Honestamente, não contava que você fosse fazer parte de um blog meu como uma saudade. 

Perdão, mas em novembro do ano passado não consegui escrever nada sobre sua partida. Trabalhei intensamente no dia, talvez por isso, a ficha demorou a cair. Depois as palavras se foram, ou simplesmente fugi mesmo do assunto.

Sei que no breve e intenso tempo que você ficou por aqui, opiniões muito mais relevantes do que a minha incentivaram sua jornada. Mas ainda bem que consegui dizer a você o quanto me orgulhava de em algum momento ter feito parte da sua trajetória. Acho que como professor, a gente acaba se realizando também com as conquistas profissionais de vocês.

Guilherme Marques, faltou o chope. Vacilo você ter ido tão rápido. Então, faz o seguinte: toma um chope por aí, toca um tamborim, pede um autógrafo pro Almir Guineto e pro Nilton Santos. Aqui embaixo a gente toca o barco e mantém você vivo nas nossas lembranças.


Fica bem, Guilherme.

domingo, 26 de novembro de 2017

Carta de amor para uma bailarina








Filha, quando as coisas ficarem difíceis, quando você achar que estão beirando o insuportável, dance. As bailarinas flutuam. Ainda não inventaram nada melhor do que flutuar.
  
Ao ver você, confirmei que no palco as bailarinas se agigantam. Fora da ribalta, os rostos podem ficar tensos, a dor no pé, pobres pés, pode ficar evidente. E um observador desatento às vezes confunde isso com fragilidade.

 No entanto, isso é uma armadilha para pessoas inocentes. As bailarinas são super mulheres. No palco são uma explosão de força e técnica. Como aguentam o peso do corpo naquelas pontas do pé.?!

Filha, no meio do espetáculo fiquei me perguntando quem era aquela pessoa. Quando você deixou de ser aquela menina que acreditava que o achocolatado era trazido pelo vento. Você já tinha dado pistas ao fazer questão de ir e voltar sozinha da aula de balé. Acho que ao ver essa apresentação realizei que a criança ficou na minha memória. Agora entendo o significado da frase: ”nossa, está uma moça”!

É que pai precisa ver com os olhos da alma que a filha cresceu. Isso veio de forma mágica, prestando atenção em como você corre, abre espacate, pula, rola no chão e mantém o sorriso.

É um velho clichê, mas a bailarina vive num eterno “fio da navalha”. Tem que transformar a respiração ofegante em recurso cênico, fazer “carão” e seguir em frente.

Acho que a maior lição que aprendi vendo o espetáculo de dança da minha filha é que as bailarinas transformam a dificuldade em graciosidade. Filha, tem quem ache fácil dançar. A esses, recomendo tentar dar duas piruetas e se manter equilibrado depois. 

Toda vez que vejo você dançar me emociono. Tenho prazer em ver o prazer que você sente ao dançar. Não conseguiria guardar um só daqueles passos, imagine uma coreografia inteira. Balé é uma arte que une plasticidade, tenacidade e disciplina. 

Dança não é coisa de “mulherzinha”, balé é coisa de mulherão, mesmo que ela tenha 12 anos e menos de 50 quilos. A bailarina é uma forte, é destemida e pronta para brilhar. 

As bailarinas vão nos salvar da desesperança. Pois enquanto houver movimento, existe arte. Se existe arte, existe resistência. Se existe resistência, existe vida. 

Dos passos das bailarinas e dos bailarinos nascem os voos, os cisnes morrem com poesia, anjos caem do paraíso para ressurgirem sedutores, amores são coreografados e as dores superadas. 

A arte do movimento é acima de tudo uma arte do corpo. Baile com o corpo inteiro, filha. Entregue-se num solo pela vida, girando como se a lua estivesse ao alcance das sapatilhas. 

Filha, não pense que as palmas são o fim do espetáculo. Elas são o reconhecimento que você trabalhou certo, mas depois, sempre vai ter ensaio, bolha no pé e frio na barriga. A bailarina tem que fazer um “pas de deux” com a vida. Pois dançar é um dueto da dor com o prazer, do medo com a superação, da força com a sensibilidade.


Amo muito você.

sábado, 25 de novembro de 2017

Eu joguei bola com Marcinho VP




Lembram dele?  Marcinho VP, aquele que a produção do Michael Jackson teve que pedir permissão para gravar um clipe no Santa Marta. Aquele Marcinho VP que foi tema do livro Abusado, do Caco Barcelos. O mesmo Marcinho VP, que por conta de uma ajuda financeira recebida, quase coloca em maus lençóis o cineasta João Moreira Sales. Pois é, joguei bola com ele muitas vezes. 

Morei dos 5 aos 30 anos na rua Dona Mariana, em Botafogo, a três quarteirões do Santa Marta. Estudei na escola municipal Joaquim Nabuco até a sétima série. Por isso conheci alguns dos cidadãos que chefiaram tanto o Santa Marta, quanto o Tabajaras. Os conhecia pelos nomes, não pelos apelidos divulgados nos jornais. Alcunhas que assustavam a classe média como os grandes vilões da sociedade. 

Não posso dizer que fui amigo deles, mas convivi até uns 13, 14 anos. Depois minha família achou que eu deveria mudar de escola e acabei perdendo o contato. Como muitos que me conheceram naquela época, Marcinho VP me chamava de Juninho, já que Creso era meu pai. 

Um dos meus grandes amigos de infância, o Paulinho, se mudou da casa de cômodos em que morava com a família na Dona Mariana. Ele foi morar no Santa Marta. Isso me aproximou da galera do morro em que mais tarde se fundaria a primeira UPP.

A divisão geográfica era mais ou menos assim, o pessoal do Santa Marta ia em sua maioria para a Escola México, na Rua da Matriz. Já o pessoal dos Tabajaras ia para a escola Joaquim Nabuco, na Dona Mariana. Como eu morava na rua da Joaquim Nabuco, acabei estudando lá da primeira à sétima série. Por isso eu convivia com o pessoal dos dois morros e nunca tive problemas com isso.

Sem saudosismo fascista, mas me entristece muito ver o episódio de um garoto de 9 anos ameaçar os colegas com uma faca numa escola pública do Rio. Na minha época a gente chamava professor de “senhor” e “senhora”.  Esse comentário não é um juízo de valor preconceituoso com a escola pública, pois o ataque em Goiânia, em que um menino matou dois colegas e feriu quatro, foi realizado numa escola particular. O problema é mais dos nossos tempos, do que de classes sociais. A verdade é  que nunca tive problemas com essa rapaziada. Confesso que nunca me sentia inseguro andando por Botafogo. 

A ideia de escrever este texto veio numa conversa com minha mulher. Ao comentarmos a situação surrealista que o Rio vive, com as mais altas autoridades envolvidas até o último fio de cabelo em corrupção, ela fez a piada. Você jogou bola com o Marcinho VP e mal sabia que ele não seria o pior bandido que você iria conhecer. 

É verdade. Amigos, sou da geração de jornalistas que entrevistou todos, eu disse todos, os caras que estão presos em Benfica. E sim, eles são bandidos muito piores do que o Marcinho VP. 

Eu convivi profissionalmente com Picciani, Paulo Melo, Rosinha, Sérgio Cabral, Sergio Cortes, Regis Fichtner. Na época em que ocupou a presidência da Alerj, Cabral conversou comigo até sobre amenidades. Ainda lembro quando ele triturou Denise Frossard no debate da CBN nas eleições para o governo do Rio em 2006. Ele se dirigiu a um grupo em que eu estava e disse: “ganhei esse debate, ela não tem a menor condição de governar o estado”. Dez anos depois entendi o que ele estava querendo dizer. A ex-juíza era honesta demais.


Não sei precisar quantas exclusivas fiz com Garotinho, andando até no carro oficial para entrevistá-lo. Já falei da vez em que ele me chamou de “gordinho”. Fiz tanta matéria com ele que  cheguei a ser convidado a trabalhar em sua campanha. No entanto, meu “sentido aranha” apitou (por favor, leiam os quadrinhos da Marvel se não entenderam)  e eu recusei. No fim daquele ano, a Polícia Federal encontrou uma montanha de dinheiro vivo no escritório de sua campanha. (Claro, nada nem parecido com a grana encontrada no bunker do Geddel).

Na boca do povo sempre correu a expressão “peixe grande” para falar de um suposto personagem que seria a figura acima de qualquer suspeita que estaria por trás da organização criminosa. As obras de ficção sempre recorrem a esse artifício, por exemplo, em A regra do jogo, o personagem de José de Abreu, um rico empresário, era o Pai, que comandava a facção. 

No entanto, a vida superou em muito a ficção. Com três ex-governadores presos, o Rio tem que atualizar a expressão “peixe grande”. O que temos é um “cardume enorme”. 

Sem querer defender Garotinho, mas acho que às vezes nos perdemos em críticas preconceituosas. Aumentamos seus defeitos por achá-lo cafona, histriônico e populista. A corte nunca perdoou o fato ter sido governada oito anos por uma "plebe" vinda do antigo Estado do Rio. Feita essa ressalva, Garotinho faz de tudo para cair no ridículo e ser odiado. 

Primeiro foi aquela greve de fome em que até hoje pairam suspeitas sobre a autenticidade. Depois, o “ataque pré-cardíaco” que teve em uma das prisões anteriores. Agora esta estranhíssima agressão que diz ter sofrido em Benfica. A Polícia afirma ser uma armação. Ah, Garotinho, nem pra mudar o repertório. Essa história de se fazer de vítima não está colando. 

Pois é, ter jogado bola com Marcinho VP  era uma prova de que vivi "perigosamente' na adolescência. Diante da patente de quem está em Benfica, eu corri mais perigos na vida adulta. 

Marcinho, mais velho do que eu um ano, foi morto em 2003 dentro da prisão. Ele era um amador, os bandidos profissionais andavam de helicóptero, compravam gado, joias e comandavam tudo sentadinhos nas cadeiras do poder. 

O mundo e seu curso inebriante! Em 2000, Garotinho era governador e queria colocar João Moreira Sales na cadeia por causa de uma ajuda financeira a Marcinho VP. Dezessete anos depois. Garotinho é que “puxa” uma etapa em cana.  

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Se liga na missão, deputado Pedro Augusto







O deputado Pedro Augusto votou pela soltura de Jorge Picciani, Edson Albertassi e Paulo Melo.  Isso era mais certo do que Papai Noel no Natal. Desde 2002 ele é do mesmo partido dos 3, o PMDB.

Obviamente, seus ouvintes cobraram uma explicação por causa do voto tão distante da vontade do povo. E ele tem uma poderosa forma de se justificar. Um programa líder de audiência na principal rádio talk do Rio, apesar de ter demorado 72 horas para se explicar.

O “palco “ radiofônico foi preparado. Uma trilha sonora de urgência ao fundo, criando toda pompa e circunstância. O discurso do nobre deputado começou. Ele lembrou que sofreu ataques pelas redes sociais e sabia que seu voto poderia gerar revolta. Defendendo seus argumentos, comparou o esquema, que no total, pode ter movimentado bilhões, a uma leviana acusação entre vizinhos que se chamam de ladrões.

Abusando do histrionismo que o caracteriza e lhe confere sucesso, o parlamentar radialista disse que não havia provas contra os companheiros de partido e que a prisão era ilegal. Por certo, estava jogando na falta de informação do público, pois ignorou os milhões encontrados nas contas dos deputados depositadas pelos empresários de transporte. O que Pedro Augusto chamou de falta de provas é a bagatela R4 154 milhões só na conta de Jorge Picciani..

Não sei o que me faz lembrar mais o Pinóquio nesse episódio da justificativa do nobre deputado em seu orograma. Se a cara de pau, posto que o boneco é de madeira, ou a mentira que faz o nariz crescer.

Ah, Pedro Augusto, um rápido histórico de sua participação na Alerj vai mostrar que você sempre votou com o grupo de Picciani. Aliás, você é do grupo parlamentar dele.

Em 2014, Pedro Augusto votou a favor da nomeação de Domingos Brazão, também da turma de Picciani, para o Tribunal de Contas  do Estado. Pois é, meu caro Pedro Augusto, seu voto de fé em Domingos Brazão parece não ter sido honrado pelo conselheiro. Ele é um dos integrantes do Tribunal de Contas que está afastado por acusação de ter participado de um esquema de corrupção no órgão.

O povo vota em você, Pedro Augusto, mas humildemente, acho que você deveria prestar atenção em quem e como você anda votando. Pedro Augusto foi um dos deputados que votaram a favor da privatização da Cedae, não por acaso, pauta do rolo compressor “Piccianico” na Alerj.

Jorge Picciani, Paulo Melo, Edson Albertassi, Domingos Brazão...

Meu caro Romeiro de Aparecida, vou usar dois versículos bíblicos para ilustrar esse texto. Sei que dada sua fé e sua devoção à Nossa Senhora, você deve ter mais propriedade de usar versículos bíblicos do que eu. No entanto, vou cometer a ousadia. O primeiro está em Provérbios 13, 20:

“Quem anda com os sábios será sábio, mas o companheiro dos tolos sofre aflição”.

A outra citação está em Coríntios 15, 33

“Não vos enganeis. As más companhias corrompem os bons costumes”.
Tem também a o que corre nas ruas, Povo capítulo 1, versículo 1

“Diz-me com quem andas, que te direi quem és”

Discutir com a realidade de um sucesso é burrice. Pedro Augusto radialista é um sucesso. Apesar de não ter um milhão de ouvintes por minuto, como a página dele informa. (Só se ele tiver uma fonte diferente do Ibope, porque pelo instituto, o número é bom, mas chega no máximo a um terço disso) Não sou seu público-alvo, mas o produto que apresenta cumpre totalmente o que se propõe. O problema é o Pedro Augusto deputado. Este me diz respeito. Seus votos e decisões influenciam o dia a dia do estado que eu moro, crio meus filhos e pago meus impostos.

Quando Pedro Augusto usa o microfone da Tupi para explicar o inexplicável temos o melhor e o pior dele. Está tudo ali, o comunicador firme, com a voz clara, a trilha sonora pertinente e o carisma. Mas tem também o pé de barro do santo, argumentos pífios e vazios, minimizando provas robustas e manipulando os fatos para ficar bem na fotografia. Espero que o povo se lembre dos seus votos, Pedro Augusto. Se lembre que você foi um dos 39 cúmplices da trinca de corruptos da Alerj.

PS 1:agora o joguinho de buraco pode ficar completo. Anthony/Rosângela e Sérgio/Adriana. Um clássico do carteado em Benfica.



quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Bandidos de facções diferentes não podem ficar na mesma ala do presídio






O Rio vive num estágio tão absurdo, que Anthony Garotinho e Sérgio Cabral não podem ficar na mesma ala no presídio de Benfica, porque os dois são inimigos. As facções de colarinho branco precisam ser separadas como as facções do tráfico de drogas. A fome de poder que criou identidade entre eles os levou a fazer parte da triste estatística dos ocupantes do Palácio Guanabara.

A verdade é que ao falarmos de governadores eleitos desde 1982 no Rio de Janeiro, quando as eleições para os governos estaduais foram restabelecidas, encontramos três situações: ou estão mortos, ou presos, ou denunciados por suspeita de corrupção. Nilo Batista e Benedita da Silva não foram eleitos, eram vices que assumiram na saída dos titulares, por isso não entram na conta.

Isso pode explicar o tamanho de nossa tragédia. Garotinho é um comunicador excepcional e jogou a credibilidade no lixo por seu projeto de poder. Hoje é inimigo íntimo de Cabral, mas a prática mostra que é apenas o sujo falando do mal lavado.

A prisão de Regis Fichtner nos faz ver que a chefia da Casa Civil no governo Cabral era codinome de gerência do tráfico de influência e de crimes. A farra do guardanapo também nos lembra que cada regime tem o “Baile da Ilha Fiscal” que merece.

Vou entrar numa cápsula do tempo e voltar 15 anos. Anthony Garotinho estava com uma popularidade acima de 60% e estava prestes a deixar o Palácio Guanabara para se aventurar numa campanha presidencial.

Depois de uma discussão pelos jornais com o então prefeito Jorge Roberto Silveira, ele inaugurou um restaurante popular em frente à estação das barcas em Niterói.

Esse dia foi típico daquele governo. A fila se formara às 5 da manhã para a abertura que que só aconteceria às 11 da manhã.

O empurra-empurra na fila com as portas ainda fechadas dava o roteiro de uma festa que não iria acabar bem. No primeiro lugar da fila uma senhora, moradora de São Gonçalo.

Quando a porta abriu, o estouro da boiada começou. A senhora que estava em primeiro lugar na fila passou mal e quase não conseguiu entrar.

Os repórteres quase ficam pelo caminho. Eu, que não tenho o corpo propriamente delgado, só entrei com uma força-tarefa de policiais militares me puxando pelos braços. Uma desorganização completa. Uma colega que trabalhava no velho JB entrou, mas quando viu sua blusa estava levantada e o sutiã à mostra.

No lugar cabiam 400 pessoas, mas a confusão formada por puxa-sacos, políticos, eleitores e jornalistas dava a impressão que havia pelo menos o dobro de gente.

Lembro-me de que para chegar perto de Garotinho e entrevistá-lo fiquei sentado na mesa (isso mesmo na mesa e não à mesa) em que ele estava. E quase que num exercício de contorcionismo coloquei o gravador em sua direção sem saber se o som era captado.

Quando fui entrar no ar, coloquei o telefone para captar o som ambiente e fazer para os ouvintes o “cenário sonoro” da balbúrdia e da desorganização do momento.

Em 15 anos Garotinho conseguiu destruir o capital político angariado. Em 2002, elegeu a mulher em primeiro turno para o governo do Rio e ganhou cacife político ao ficar em 3º lugar na disputa presidencial.

Tudo começou a ruir quando ele saiu do PSB e foi para o PMDB. Achou que iria conseguir o que Ulisses Guimarães e Orestes Quércia não conseguiram. Unificar esse saco de gatos partidário para ser o candidato à presidência. Desgastado, rachou com Cabral e perdeu o poder.

Vive numa espécie de limbo. É um eleitor importante porque ainda tem muito voto, aquela gente que ainda se lembra do cheque-cidadão e do restaurante popular. Ao mesmo tempo, seu apoio explícito é tóxico, quem recebe diz que não recebeu, vide o prefeito Marcelo Crivella.

O fato é que aquela mulher que estava no primeiro lugar ma fila do restaurante popular de Niterói, se estiver viva, sentiu a vida piorar muito. O Rio era rico, mas a ganância dos ladrões é imensa e conseguiu quebrar o estado.

Nos resta apelar para santos bem populares, livres de liturgias. Salve São Moacyr Luz, que seu canto nos traga esperança:  “Brasil, tira as flechas do peito do meu padroeiro, que São Sebastião do Rio de Janeiro ao da pode se salvar”. Tomara!

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

O TOC nosso de cada dia










Eu tenho TOC. Não fui diagnosticado por um profissional sério, mas acho que minha mania por números é muito grande, logo a exacerbação das manias provoca o transtorno. Então, levianamente autodiagnosticado, tenho TOC

Tem gente que não veste preto, outros, como personagem do Jack Nicholson em Melhor Impossível, pulam os quadrados pretos no chão e por aí vai. Meu TOC é com números. O que vai se seguir agora é uma demonstração dessa minha obsessão.

Os sintomas começaram aos 7 ou 8 anos quando comecei a calcular MMC e MDC. Não havia PS4 e o Atari estava além das minhas posses, então minha diversão em casa era fazer MMC e MDC.

O primeiro número que me apaixonei foi o 720. Ele é divisível por quase todos os números até 10. Só não é múltiplo de 7. Então troquei o 720 pelo 5040. Esse sim, um número divisível por todos de 1 a 10.

Mas o 5040 era muito pouco diante da literal infinidade dos números. Nesse momento, passei a me interessar pelos que são potência de 2. Nessa categoria me apaixonei pelo 256. Achava que por ser 4 elevado a quarta potência, o número carregava algum valor transcendental. Até hoje, fora do meu universo numérico, não encontrei essa transcendência.

Mas a vida não é feita apenas de números pares e comecei a me interessar pelas potências de números ímpares. O primeiro, obviamente foi o 3. Mas logo ele foi ultrapassado pelo 9. E quase por um acidente esbarrei no 81 (9 X 9). O 81 entrou na categoria do 256, por ser 3 elevado a quarta potência.

Paralelamente a isso, fui desenvolvendo uma habilidade de fazer multiplicações rápido. Dessa forma multipliquei 256 por 81 e encontrei 20.736.

Achei engraçado e resolvi multiplicar 256 por 256 e encontrei 65.536 e reparei que a terminação era igual, 36. Depois multipliquei 81 por 81 e encontrei 6561. E de uma forma tortuosa, estabeleci um parentesco entre esses números. Por exemplo, se pegarmos o 81 e multiplicarmos por 4, encontraremos 324, ao passo que se pegarmos o 256 e multiplicarmos por 4, chegamos a 1024.

Antes que o leitor acredite que isso é um tratado matemático, ou apenas uma extrapolação da minha loucura numérica, vou entrar no assunto. Essa relação com os números me deu a noção de que não adianta ficar parado. Quando você acha que chegou, está na hora de continuar.  Meu universo matemático foi muito além de um número que fosse divisível por todos os números até 10. Se eu tivesse parado ali, não teria encontrado outros mistérios. Por exemplo, 12 X 12 = 144, 21 X 21 = 441; 13 X 13 = 169, 31 x 31 = 961. Quase posso dizer que esse fenômeno só acontece com esses números em meio ao infinito.

O que faz 12, 13, 21 e 31 tão próximos e guardarem essa característica tão particular? Eles se relacionam tão bem que formam uma confraria. 12 X13 = 1-5-6 enquanto 21 x 31 = 6-5-1. Então é isso, você pode encontrar seu número parceiro e ter diversas afinidades. Apesar das infinitas possibilidades a vida guarda a arte do encontro. O 12 e 21 são múltiplos de outros números, 13 e 31 são números primos, desprezados e sem romantismo. O 13, coitado, é tido como o número do azar. No entanto ao se juntar com suas caras metades, 13 e 31 ganham significado e produzem um fenômeno único.

Logo, juntar elementos diferentes em opiniões e habilidades só faz com que o conjunto cresça. Descobrir o crescimento na diferença é um exercício importante para a vida. 

Outro dia, minha querida Fernanda Galvão, jornalista especializada em política, fazia críticas à postura e ao discurso de Jair Bolsonaro durante o programa Canal Livre, da Band. Nisso, uma pessoa entrou na sua timeline e perguntou se ela era petista. Bem-humorada, Fernanda deu uma resposta dura e depois se permitiu brincar com a tacanha e intolerante pergunta. Hoje em dia queremos impor limites e rótulos nos pensamentos dos outros, como se pensamentos pudessem ter rótulos...

Ir ultrapassando os limites e compreender que o caminho é infinito é a grande lição que a minha obsessão por números me legou.

Os números me mostraram que quanto mais descobertas você faz, mais perguntas vão surgir. E quando isso se apresenta, você tem algumas opções. O conformismo de largar de mão os cálculos, ou a eterna angústia que movimenta e faz você perguntar e querer saber mais. E andar, paciente companheiro que chegou ao fim do texto, é o sentido da vida.

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Ressaca submarina




Natal de 2000. Depois de alguns anos eu consegui estar no plantão de Natal. Para quem não sabe, vou explicar como é o esquema de trabalho nas redações no fim do ano.

A equipe é dividida. Uma parte trabalha na semana do Natal e outra na do Ano Novo. Por exemplo, esse ano a divisão vai ficar próxima disso: equipe A trabalha de 20 a 26 de dezembro e equipe B de 27 de dezembro a 2 de janeiro.

Depois de dois réveillons na conta, com direito a uma virada no Forte de Copacabana e pancada da Polícia do Exército, consegui a alforria de trabalhar no plantão de Natal. A preferência costuma ser assim: casados com filhos ou quem tem família em outras cidades preferem folgar no Natal. Os solteiros, aqueles que encaram o feriado como um campo de batalha para novas aventuras, preferem folgar no ano novo. Minha lógica era outra: melhor se matar de trabalhar para depois descansar. Deve ser herança daquele aprendizado cristão de alcançar o reino dos céus após o sacrifício.

O fato é que enchi a cara de 24 para 25 e cheguei meio bêbado na redação às 7 da manhã. Ao chegar, me deparei com Ermelinda Rita frenética, bem ao seu estilo, gritando: “o submarino afundou”. Nisso o chefe do plantão, o querido e assertivo Luciano Garrido gritou: “bora correr, garotão, o submarino afundou”.

Achei que aquele alvoroço fosse produto de algum delírio etílico. Daquele tipo em que os rostos das pessoas vão assumindo desenhos disformes e as vozes vão ficando mais graves. Tudo parecia rodar em câmera lenta.

Estava amedrontado, não sabia se deveria fazer a pergunta que me atormentava, mas fui em frente: “mas o submarino não afunda naturalmente”? Luciano Garrido com sua carinhosa impaciência foi direto: Não, p...! O submarino estava ancorado, os caras fizeram uma m... e a p... do submarino afundou”. Acho que eu não conseguiria explicar de forma mais brilhante e sucinta.

Foi exatamente isso, um submarino estava ancorado no cais do Primeiro Distrito Naval, pertinho da Praça Mauá. Dois caras de serviço fizeram uma bobagem e o submarino Tonelero afundou. O submarino foi construído em 1972 na Inglaterra e foi vendido para a Marinha Brasileira. Nos relatórios oficiais constava que uma série de falhas no sistema hidráulico provocou o afundamento quando ele estava ancorado no Arsenal da Marinha.

Segui para a porta da unidade da Marinha. Eram 7h45 do dia 25 de dezembro. Havia apenas um soldado na sentinela. Quem já precisou fazer reportagens em unidades militares sabe bem que transparência não é o forte das Forças Armadas.

Só que a Marinha não podia evitar uma coisa. As equipes jornalísticas foram para o Elevado da Perimetral e puderam reportar a operação para consertar a trapalhada náutica.

E a recuperação da minha ressaca se deu em cima da falecida perimetral, vendo os rebocadores da Marinha tentando resgatar o inutilizado Tonelero do fundo da Baía de Guanabara.

Há um aspecto que me inquieta até hoje. Meu primo Paulo Cesar Lisboa é submarinista. Sempre pergunto a ele como conseguiu trabalhar naquela caixa de metal, toda apertada e que, ainda por cima, afunda. Ele me disse que o silêncio embaixo d’água acalma. Bem, eu não consigo entrar no submarino ancorado no Museu da Marinha.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Quase não emplaco 1986







O mar estava muito agitado. Era 31 de dezembro de 1985. Eu tinha 14 anos e em plena era da imortalidade. Nessa época eu mergulhava da Pedra do Leme, jogava bola na areia e me sentia  o dono da rua.

Estava com meu amigo Luciano, que tinha a alcunha de Jacaré. Ele nadava muito bem, eu mais ou menos. O mar estava de ressaca, dei bobeira, cai numa “vala” e fui para o meio da arrebentação.

Jacaré estava comigo na água, não sei se acometido pela mesma bobeira que eu, ou se ao tentar me salvar, ficou em apuros. O fato é que, o chamado “sufoco” é uma das maiores sensações de impotência que tive na vida.

As ondas pareciam não parar de crescer. Elas estouravam cada vez mais distante. A areia estava ficando um lugar inalcançável. Jacaré me dizia para ter calma, mas eu comecei a entrar em desespero.

Numa manobra ousada, Jacaré conseguiu sair pegando um...” jacaré”. Eu não consegui. Confesso a vocês, desisti. Os batimentos cardíacos aceleravam e eu comecei a pensar em como meus pais sofreriam com a minha ausência. Sempre fui um pouco dramático, mas dessa vez o “bicho” era feio mesmo.  Acho que foi a primeira vez que entendi que a imortalidade física é falsa.

Quando meus devaneios impediam qualquer manobra para me salvar, ouço a voz do Jacaré. Solidário, ele voltou ao ver que eu não saíra. Sua voz me despertou do transe pré-entrega ao inevitável.

Jacaré me disse que não sairia sem mim da água. Disse que não tinha como dizer para os meus pais que me deixou no mar. Dois anos mais velho do que eu se sentia responsável pelo meu destino.

O medo me paralisara, não tinha ânimo para superar aquelas ondas. Jacaré começou a gritar comigo e me jogou numa delas.

Tomei o maior “caixote” de minha vida. Devo ter dados algumas cambalhotas. A força avassaladora do mar fez com que meu corpo passasse por posições que a física ainda desconhece.

Ao parar na praia, com a água na canela tinha areia nos meus cabelos, na sunga e acho até que em alguns órgãos internos. Sentei na areia e chorei. Quase não emplaco 1986.

Desde então passei a respeitar, ou acima de tudo, temer o mar. Como cantou o timoneiro/ filósofo Paulinho da Viola: “meu velho um dia falou, com seu jeito de avisar, olha o mar não tem cabelos que a gente possa agarrar”.

Continuei indo à praia, mas eu olhava para a água com aquele olhar desconfiado que tem quem já foi traído uma vez. Na verdade, a culpa não é só do traidor, o traído tem sua responsabilidade. No meu caso, a distração que me colocou em perigo. Só fui me reconciliar com o fascínio do mar três décadas mais tarde, graças a um irmão que Deus colocou na minha vida, Márcio Santos, que me falou sobre canoa havaiana. Mas isso é papo para outro barco, ou melhor, outro post.

Eu e o Jacaré nos afastamos. Nossas vidas seguiram caminhos diferentes. Já o revi algumas vezes nos últimos anos. No entanto, não sei se eu agradeci por ele não ter desistido de mim naquela manhã de 31 de dezembro de 1985. Valeu Luciano, eu já tinha desistido de mim, ainda bem que você não.

Um grande abraço.