sexta-feira, 1 de maio de 2020

O abacate e a pressa

Nunca mais, mas nunca mais mesmo, comerei um abacate que não esteja maduro. A última vez que estive por aqui, escrevi antes dos efeitos devastadores que minha insistência em não respeitar a maturação do abacate se manifestarem. 

Quem já comeu peixe passado, sabe do que estou falando. Diríamos que foi a vingança do abacate pela minha teimosia. Revirei do avesso e fiquei na cama o dia inteiro. Pesquisei na internet para saber se um simples abacate fora do tempo era capaz de causar tal estrago. Descobri que abacates verdes podem inclusive matar alguns passarinhos. Diante disso, concluí que tenho estômago de passarinho. 

Eu não conheci a avó do Giovanna Faria, mas ao ler meu texto ele me contou o que a dona Eponina falava: “Nunca tire o abacate do pé. Pegue sempre os que estão no chão”. Mestre Giovanni conta também que depois de fazer o almoço, servir o marido e os filhos, a avó se sentava e ficava olhando para o céu, para o mato. Depois de um tempo de contemplação, ela interrompia o silêncio com uma expressão “cuá” e seguia a  jornada. Giovanni me disse que procurou o significado dessa palavra exaustivamente e nunca encontrou. O fato é que ela marcava o fim do período de contemplação de dona Eponina. 

A verdade é que eu precisava dessa consultoria da velha senhora ao me dirigir ao setor de hortifrutis do supermercado. Isso tudo é sobre respeito ao tempo. Os gregos tinham duas palavras para designá-lo: chronus, que se referia ao tempo sequencial, e kairós, para dar uma natureza qualitativa ao tempo, o chamada momento oportuno. 

Eu não respeitei o kairós do abacate e meu organismo pagou um preço alto. Fiquei pensando em quantas vezes quis interferir no kairós de quem eu amo. Muitas vezes não é por mal, é por ansiedade. A sabedoria mora na espera. Ou no ensinamento da dona Eponina de não pegar o abacate no pé, só aqueles que estiverem no chão.  Bem, tem também o momento de saber dizer “cuá” na hora de parar com o descanso e voltar a agir.