terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Um ano novo com sapatos novos


Comecei a estabelecer na minha cabeça imagens instantâneas, outras em movimento. E no caos estavam sons de choro, de gargalhadas estridentes, e outras mais contidas. No vozerio se destacavam gritos, saudações e piadas. 

O fim do ano é assim, o exercício mental das retrospectivas. Uma freada de arrumação para entender o que acontecera até ali e planejar os caminhos que você vai seguir. 

Um dos meus mestres na profissão se chama Giovanni Faria. Ele é escolado no Caminho de Santiago de Compostela. Como já escrevi neste blog, ele me explicou que para fazer a caminhada você só pode levar uma bagagem que tenha no máximo 10% do seu peso. Por isso, é necessário saber exatamente o que se deve levar. 

No fim de ano é assim. Como a caminhada vai prosseguir, você tem que pensar no que vai ficar fora da mala. Às vezes são sentimentos, tipos de alimento, atitudes e, em casos extremos, pessoas. 

Li que só um quarto das pessoas que fazem promessas de ano novo conseguem cumpri-las. Isso é tema de fácil explicação. Promessas trazem embutidas perspectivas de mudança. E mudança de verdade não é para qualquer um. Manter as coisas é mais cômodo. Dói menos. Talvez o erro nesta avaliação é não entender que essa dor de não mudar só é menor a curto prazo, pois ao longo do tempo, o mal de permanecer acomodado é bem maior. 

Então, apesar de ser apenas uma convenção de calendário, um ano novo serve como oportunidade para mergulhos no escuro, ou se você preferir, para escaladas sem pico definido. 

Que na nova etapa a bagagem fique mais leve, mas não por preguiça e sim por escolha. Que ela tenha o exato tamanho para suportar as agruras  e celebrar as venturas do caminho. 

Todo fim traz um recomeço, toda morte significa renascer. Talvez a meia-noite do réveillon seja a tradução física-temporal dessa metáfora tão batida, mas necessária à vida. 

Um ano novo com sapatos novos, amizades renascidas, desamores descartados e amores reencontrados. E no peito a esperança que daqui a um ano estejamos novamente buscando um novo layout das palavras para tentar traduzir os mesmos sentimentos de esperança e renovação. 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Aí, ruinzão, tio

O período entre festas está curioso e despertando algumas reflexões. No próprio dia 25 após aquele tradicional almoço em que as pessoas ainda estão com parte da ceia noturna no organismo, peguei um táxi para me locomover a um outro compromisso familiar, ah a agenda cheia de dezembro...

O caminho era curto, mas havia a Lagoa e o trânsito provocado pela árvore como obstáculo. Antes que alguém diga que farei uma reclamação elitista sobre a árvore, explico-me: sou totalmente a favor da árvore, como se diz hoje em dia sou #teamárvoredalagoa, mas seria hipocrisia não dizer que o trânsito piora muito na região com ela. 

Peguei um taxista conversador, coisa que adoro, diga-se de passagem. Perguntei ao bom homem como estava o trânsito, e ele fez um boletim que provocaria inveja ao meu amigo Genilson Araujo. E ainda enriqueceu a narrativa com alguns toques pessoais: “Fui em Bangu na cada da cumadi. Tive que ir lá. Comi um bocadinho e tomei uma cervejinha”. Pensei que quando se confessa ter tomado uma cervejinha é porque esse número é um pouco maior. Escondendo a intensão de provocar, perguntei a ele se não havia Lei Seca naquela hora. Ele me disse que não, com veemência E seguíamos pela Epitacio Pessoa em direção a Copacabana. Aqui vai uma informação útil. O trânsito fica mais embolado pela Epitacio Pessoa do que pela Borges de Medeiros. Não compreendo isso, pois a árvore é perfeitamente visível pelas duas avenidas. 

Enquanto trafegávamos por lá, uma kombi adesivada de uma igreja evangélica deu uma fechada nada cristã em nosso carro. No vidro de trás do veículo vinha escrito “Jesus te ama”. Pensei, Jesus sim, mas o barbeiro ao volante, não. Mas prosseguimos. Conseguimos chegar para o outro compromisso. Depois de uma estada agradável fomos para casa e o dia seguinte amanheceu com sol. 

Foi razão suficiente para que o “rato de praia” adormecido em mim ressurgisse. Acordei e tentei fazer com que algum familiar dividisse minha empolgação praiana. Como não consegui adesões do meu núcleo familiar por alguns motivos, um nobre e outros nem tanto, fui com meu amigo Alexandre Caroli à praia. 

Encontrei dois alunos, com um conversei  mais um pouco e outra apenas cumprimentei de longe. Numa das idas ao mar, vi jovens que praticavam “altinha”. Justamente no momento que passei, a bola escapou ao controle dos “atletas e se ofereceu a mim (a bola procura os craques), e eu fui rápido e já passando da linha da bola, estiquei a perna e dei um preciso toque de calcanhar. Bem, essa história teria final feliz se a bola se mantivesse em jogo e os jovens continuassem a altinha. No entanto, meu toque de calcanhar foi para o lado errado e atingiu uma moça que lia um livro calmamente em uma cadeira. Um dos jovens que estavam jogando virou-se para mim e disse: “aí, ruinzão, tio”. Fui rapidamente para o mar mergulhar minha vergonha. A verdade é que você deve ter noção de suas limitações e não estragar a altinha de ninguém. 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Feliz tudo para nós




Em meio ao dilúvio de calorias que desaba sobre meu corpo nessa época do ano, tento uma estiagem ao menos para refletir. É assim: fatias de pernil misturadas aos planos para o ano que vem. Aquele bolinho de bacalhau a mais e uma recordação de algo bom que aconteceu. Uma taça de vinho e um agradecimento. 

As festas de fim de ano me deixam nostálgico. Penso em quem perdi e em quem ganhei ao longo de mais uma volta da terra em torno do sol. Minha mente foi quase que abduzida para o campo esportivo nos últimos tempos. Meu time ganhou títulos e me orgulhou dentro de campo, mas ficou a desejar fora dele. Se foi o ano mais vitorioso da minha vida adulta, foi o mais trágico em se tratando de Flamengo por causa das mortes no Ninho do Urubu. 

Este ano vai ficar marcado como aquele em que concluí o mestrado. Há uns 10 anos não achava que teria repertório intelectual para enfrentar esta empreitada. Ainda suspeito que não tenho, mas virei a página. As próximas, pretendo escrever, ainda não sei como. 

Mais um ano se passou e eu não consegui transformar ansiedade em contemplação. Acho que se conseguir fazer isso será um milagre quase tão grande quanto transformar água em vinho. Por favor, não me chamem de blasfemo. Hoje em dia falar em milagres pode acabar levando você a uma crucificação digital. Se bem que há uns 2 mil anos levou a uma crucificação física mesmo. 

O calendário prestes a ser trocado e eu ainda não consegui encontrar a fronteira da teimosia com a resiliência. Acho que a fronteira está nos olhos de quem avalia. Mas sem nada melhor a fazer vou continuar tentando descobri-la em 2020. 

Uma coisa é certa. Quero ver muitas séries com minha filha, servir de sparring no xadrez para meu filho e acompanhar minha mulher em exposições e visitas guiadas. Preciso reencontrar alguns amigos, ouvir Chico Buarque com a luz da sala apagada e a luz da alma em festa. 

Quero mais picos e menos vales. Bom, como os vales são inevitáveis, quero estar com o fôlego em dia para poder escalar as montanhas. Quero força nas pernas e nas artérias. Quero para mim, mas quero o dobro para você que me dá o privilégio da leitura. 

Se tudo estiver um saco, encoste numa árvore, olhe pra dentro de si e busque um bom motivo para rir. A risada aquece o peito e faz a gente continuar andando. O mais legal da jornada é o caminho. Alguém já disse isso, não lembro o autor, então escrevo sem dar crédito. 

Feliz tudo para nós. 


terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Não pode desafinar no fim da canção

Eventualmente assisto ao Popstar. Quer dizer, vejo trechos do programa. Ainda não consegui entender quem é o principal candidato. Acho que a Nanny People e a Babi são boas perfomers, o Robson Nunes tem um ótimo suingue e mais não posso julgar. 

No entanto, me chamou atenção a apresentação do Eriberto Leão. O ator cantou Agora só falta você, um hino de Rita Lee. E correu pela plateia, chamou o público e empolgou quem estava lá. Algo me incomodava e Ana Carolina, a quem sou indiferente, resolveu desafinar o coro dos contentes e traduzir o meu sentimento. Todos deram aquelas notas 10 ou 9,9, tecendo loas ao ator. A cantora pediu para explicar o seu 9,7. 

Não conseguirei repetir literalmente os argumentos dela, mas foi algo assim: o cantor tem que  colocar 50% da energia na performance, mas deve ter 50 de preocupação em cantar afinado. A cantora continuou e falou o que os especialistas perceberam e não comentaram: Eriberto Leão desafinou algumas vezes na execução da música. 

O problema é com as terminações. Ele começava atacando as notas até direitinho, mas depois ia por um caminho diferente do tom e batata! Desafinava no fim das frases. 

A vida é assim, tem que tomar cuidado com “as terminações”. Elas vão deixar a impressão definitiva se você desafina ou canta direito. Este problema com o fim das frases vem do relaxamento ao achar que a tarefa já foi bem executada antes de estar terminada. 

O futebol é pródigo em exemplos assim. Tomar o gol nos últimos momentos das partidas é análogo a desafinar no fim das frases. Pense no zagueiro Pinola, do River, ao ajeitar na medida para que Gabigol desse números finais à decisão da Libertadores. 

Na vida escolar é assim, você pode desenvolver o raciocino todo, mas se no fim errar a soma dois números, joga a nota no mais profundo dos abismos. Se for múltipla escolha, não dá nem para aproveitar o que você fez de certo. 

Então, o negócio é ter cuidado com as desafinadas no fim das musicas. Em outras partes dá para consertar, mas no fim da canção não tem como errar, caso contrário, você vai passar a impressão de ser uma pessoa desafinada. 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Eu e meus sete irmãos

Meus irmãos e irmãs cantam todos bem. Não é ato de “corujice,  é constatação. Os 7, em algum momento da vida, fizeram parte de um coral. Dois deles, David e Daniel, se apresentaram profissionalmente  Apesar dos nomes que são um convite à formação de um dupla sertaneja, não atuaram juntos. Os estilos são completamente diferentes. O David é mais velho, com ele aprendi a gostar de Chico Buarque, João Nogueira, Zé Ramalho e esses grandes nomes. Até hoje, nas reuniões de família, me emociono quando o David pega o violão e ataca de “Espelho”, do João Nogueira. 

Daniel é mais novo do que o David. Ele me ensinou a gostar de Caetano, Djavan, Milton Nascimento, Beatles, The Police e Supertramp. Sempre teve uma pegada mais pop e no anos 80, quando essa cidade era outra, se apresentou em muito lugares legais como o Gig Saladas, em Ipanema, e o Beco da Pimenta em Botafogo. 

A Lau ensinou o Daniel a tocar violão. Nunca foi cantora profissional, mas tem um soprano muito delicado. Nas festas de família, olha elas aí de novo, seu “hit” é “De volta ao aconchego”. A Lau me ensinou a cantar as músicas do Roberto Carlos da Jovem Guarda. 

A Edith também cantava o dia inteiro e tal como a Lau tinha um soprano delicado. Também adorava o Roberto Carlos e me lembro dela ter sido a pessoa que me contou que o Elvis Presley tinha morrido. Era agosto de 1977, eu tinha seis anos, só depois vim a entender quem era o Elvis. 

Minha irmãs Judith, Quitéria e Helena, ou já eram casadas quando eu nasci ou casaram quando eu era muito novo. Mas as três cantavam em coral e tinham a voz muito bonita. A Quitéria, no caso, não canta mais por aqui. Em 2013 virou passarinho e foi voar perto de nossa mãe. 

Eu, o caçula temporão, também tenho meu hit de família. “Meu bem querer” do Djavam. O Daniel me acompanha e faz segunda-voz. Nunca tive sérias pretensões de ser artista. Não tive coragem para me aventurar. Cantei em saraus, tive bandas que não deram certo, compus duas músicas com o Roger Ling e cheguei a dar uma canja com o Tony Garrido num bar chamado Das Shoppen em Botafogo, quando ele ainda era da Banda Bel, nas sua carreira pré-Cidade Negra. 

Por eu e meus irmãos termos frequentado igrejas protestantes, nos Estados Unidos talvez formássemos um coro familiar “alguma coisa brothers”. O acaso nos jogou nessa terra.  Não reclamo deste fato, mas reclamo de não termos tido oportunidade de tentar formar este grupo. Dos 8 filhos da Dona Alzira, sete ainda estão por aqui. Somos adultos com idades entre 48 e 73 anos. Ainda sou o Júnior, caçula a quem eles olham um pouco como criança. Aliás, até mesmo eu, pertinho dos 50,  ao escrever este texto ainda me sinto criança ao pensar neles. Temos apenas um foto juntos. Tirada quando fiz 40 anos. Como escrevi, a Quitéria partiu em 2013, ainda bem que tiramos essa foto.

sábado, 14 de dezembro de 2019

Minha dissertação de mestrado foi sobre rádio, obviamente

Como muitos sabem, defendi minha dissertação de mestrado no dia 12/12. É um dia interessante. O calendário guarda mistérios neste dia. Por exemplo, os dias 4/4, 8/8 e 12/12 caem sempre no mesmo dia da semana. Se 4/4 cair numa quinta, os outros dois também cairão. Em 4/4 nasceu meu filho, Pedro. Em 8/8 nasceu a linda Aurora, filha dos queridos Paulinho e Patricia. Agora 12/12 também tem seu valor, é o dia que me tornei mestre. Foram 110 páginas que resumi em 20 minutos. Resolvi publicar no meu blog parte deste texto, pois há algumas coisas que resumem o que acho do jornalismo, do rádio e até da vida:

“Bom dia professoras Lilian Saback, da PUC, e Larissa Morais da UFF, gostaria de agradecer a generosidade de participar desta banca, tenho certeza que o trabalho enriquecerá com as observações construtivas que serão feitas ao texto.

Bom dia professora Patrícia Maurício, minha orientadora. Eternamente agradecido pelos conselhos e alterações que recomendou ao trabalho para que ele chegasse a bom termo.

Bom dia aos meus colegas que separaram um tempo nesta manhã de dezembro para prestigiar esta defesa, deveria haver alguma mudança na natureza para que os dias tivessem mais horas no mês de dezembro é assim  déssemos conta de todos os compromissos.

Bom dia Marise, Valéria e Andrea, verdadeiros anjos da guarda que temos no Departamento de Comunicação da PUC, que nos ajudam a resolver os mais diversos problemas que surgem, inclusive os de inabilidade digital, como a do mestrando aqui.

Bom dia aos meus alunos que vieram assistir a esta apresentação. Só na PUC, onde leciono desde março de 2006, já me aproximo das 3.500 aulas, mas admito, poucas foram tão difíceis quanto esta apresentação de hoje.

Bom dia aos meus filhos, Pedro e Clara Maria. Aliás, a Clara fez o powerpoint que será usado nesta apresentação.

Gostaria de agradecer reiteradamente à Patricia Mauricio , por ter escolhido sempre o caminho do afeto na hora de colocar ordem em frases, conceitos e ideias que logo ao sair da minha mente pareciam caóticos. Ela é corresponsável nas coisas boas do trabalho, as ruins, são todas por culpa minha. Patrícia, chegamos lá,

E para encerrar esses agradecimentos, vou falar da pessoa que sabe tanto quanto eu como foi tortuoso o caminho até esta apresentação: minha mulher Ana Cláudia. Para complicar ainda mais o que não é fácil, inventei de ter um infarto. Pois é, Ana Claudia, chegamos lá.

Passando à defesa. O tema desta dissertação foi a Rádio Globo. Na verdade, fui levado a ele. Tentei escrever sobre outras coisas, mas no fundo essas coisas sempre desaguavam na Rádio Globo. Eu fugi deste tema até que ao entregar uma parte da dissertação, a Patrícia me fez enxergar o óbvio: “você está escrevendo sobre o ocaso da Rádio Globo”. Me senti como Caetano Veloso ao cantar em Um Índio “e aquilo que neste momento de revelará aos povos, surpreenderá a todos, não por ser exótico, mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto, quando terá sido o óbvio”. Nada mais óbvio do que escrever sobre a emissora que me apaixonei na infância e onde passei a maior parte da minha vida profissional. Entre idas e vindas foram 19 anos na Rua do Russel 434. Hoje até isso mudou na Rádio Globo, a emissora está na Irineu Marinho, prédio do Jornal O Globo, no que poderia ser um desdobramento do que foi descrito neste trabalho.

O Objetivo desta pesquisa era entender como a Rádio Globo foi perdendo relevância ao longo do tempo. A Rádio Globo está presente em vários aspectos do cotidiano das pessoas no Rio de Janeiro, só que de uma forma perene. Alguns exemplos: ao se referir a um time de futebol usamos “Flamengoooo”, “Vascoooo”, “Fluminenseeee”, sem perceber que estamos usando as vinhetas gravadas pelo cantor Fábio na década de 1960, com base em seu grnde sucesso “Stelaaa”. Outro exemplo é a vinheta “Brasiiiil”, na voz de Edmo Zarife que desde as eliminatórias para a Copa de 1970 embalam transmissões esportivas do Grupo Globo. É curioso refletir como essa memória vai esmaecendo, a ponto de seus rastros permanecerem nas mentes, mas o paradeiro do andarilho, no caso a Rádio Globo, ser desconhecido.

Como no modelo predominante na radiodifusão brasileira é exigida das empresas a obtenção de lucro, investiguei se as decisões das emissoras tiveram mais do que o intuito de obter resultados financeiros e conseguir um público apto a atrair patrocinadores e gerar riqueza para os capitalistas que as controlam. 

A Rádio Globo em particular fez diversas alterações em sua programação. Fiz uma investigação para entender se essas seguidas mudanças pensaram em algo a mais do que resolver os problemas econômicos da emissora. 

O objeto deste estudo é Sistema Globo de Rádio como um todo e a rádio Globo em particuçar. Aqui cabe destrinchar mais um pouco minha atuação profissional na empresa. Na CBN, fui repórter, repórter aéreo nas substituições ao Genilson Araújo e chefe de reportagem. Já na Rádio Globo fui coordenador de programação e apresentador. Para essa dissertação fiz um histórico da formação do SGR. 

Para contextualizar o trabalho foi feita uma análise da política internado SGR, de como era a correlação de forças das emissoras. O nascimento da CBN, os primeiros anos que quase resultam no fechamento prematuro e a virada do jogo. E como paralelamente, a Rádio Globo foi submergindo e perdendo prestígio tanto na corporação, quanto com o público em geral. 

A metodologia foi um desafio, pois balizar o caos das minhas ideias foi fundamental para que a dissertação prosseguisse. Esse processo foi importante para organizar e hierarquizar as milhares de páginas lidas ao longo do curso. Aos meus alunos, alguns presentes a esta defesa, costumo dizer que a vida é uma grande edição. O raciocínio é simples .Editar é escolher. A vida é feita de escolhas, logo viver é editar. Na vida acadêmica entendi que isso é fundamental. Outra coisa importante é esquecer. Esquecer é necessário para hierarquizar e valorizar o que deve ser lembrado. Então, se esquecimentos houve, peço perdão, mas no método de pesquisa ele foi necessário. Esquecendo e hierarquizando, no sentido pedagógico, cotejei vários textos do campo da comunicação com os de outras áreas das ciências sociais. Para discutir as bases da Indústria Cultural brasileira e o rádio foram usados textos de Rodrigo Duarte e Luiz Arthur Ferraetto. Sobre os conflitos na implantação do modelo de rádio brasileiro foram usados textos de Patrícia Maurício. BolañoBritos e Gastaldo foram usados para discutir a Economia Política da Comunicação. Marcelo Kishinhevsky e Eduardo Meditsch ajudaram a esclarecer minhas ideias sobre o impacto que as novas tecnologias tiveram na forma de ouvir e fazer rádio. E claro, sem Marx, Engels, Benjamin, McLuhan, Adorno, Hall, Martin-Barbero e Canclini não estaríamos nesta sala, reunidos para esta defesa. 

Escolhi fazer jornalismo para ser repórter. Reputo ser repórter a um estado da alma. Muito levado por essa escolha, usei o método de pesquisa de entrevistas individuais em profundidade. Como explica Jorge Duarte seu objetivo está relacionado ao fornecimento de elementos pra compreensão de uma situação ou estrutura de um problema. 

Fiz longas entrevistas com pessoas que participaram de processos de decisão no SGR de 1991 a 2017. O jornalista Marco Antônio Monteiro foi fundamental para explicar o ambiente corporativo interno na época da criação da CBN. Já Mauro Silveira me ajudou a reconstituir o funcionamento das estruturas de poder que atuavam na empresa no fim do século XX. Zallo Comucci explicou  como foi o primeiro grande corte de funcionários na história da CBN. Giovanni Faria compartilhou como foi sua chegada  ao SGR e como as idas dele e de Agostinho Vieira foram importantes para que o Grupo Globo tomasse conta do negócio de radiodifusão. Mais tarde, como diretor da Rádio Globo, Giovanni tentou fazer modificações que permitissem sobrevida à emissora. Marcus Aurélio de Carvalho me tirou várias dúvidas de como foi o processo de implantação da Rádio Globo Brasil. A rede de rádio que a  Globo tentou inspirada na CBN. Marcus me contou alguns desdobramentos ocorridos na emissora, principalmente em São Paulo. 

O último método foi a autoetnografia. Ellis e Bochner ressaltam a importância do ponto de vista em primeira pessoa do investigador que estava ou esteve dentro de determinado processo a ser investigado. Entre 1998 e 2017 minha vida profissional esteve ligada ao Sistema Globo de Rádio. Primeiro à CBN e depois à Rádio Globo. De 2007 a 2010 prticipei da montagem e implementação da Rádio PUC. Mesmo assim, neste período de “diáspora profissional” fui jurado do primeiro prêmio CBN de jornalismo universitário e, juntamente com o professor Marcelo Kishinhevsky, coordenei o Conecta, programa que ia ao ar mensalmente na CBN, portanto, a ligação permaneceu. 

Na Rádio Globo, de 2010 a 2017, fui coordenador de programação e um dos responsáveis pelo conteúdo que ia ao ar no dial e nas plataformas digitais. Apresentador substituto de alguns programas e titular durante 9 meses da Domingueira da Globo, programa que guardo com muito carinho por ter sido a realização de um sonho. Diante do cargo que ocupava, alguns dos fatos narrados tiveram-me como testemunha. Usei a autoetnografia em casos que foram extremamente necessários, em reuniões que estive presente. Sempre com a preocupação de não usar eventuais juízos de valor de meus interlocutores sobre terceiros.

Agora algumas considerações finais. A primeira é óbvia, você sai do mestrado completamente diferente do que entrou, tanto no campo intelectual quanto no físico. No meu caso. um stent faz parte da anatomia do meu corpo. 

Agora considerações intelectuais: passados quase 100 anos não é tarde para dizer: Roquette-Pinto tinha razão.Um modelo de financiamento público em que os cidadãos financiassem a radiodifusão brasileira não deixaria as emissoras tão subjugadas aos interesses dos anunciantes e dos capitalistas que as comandam. Cabe aqui ressaltar a diferença entre emissora pública, modelo que proponho e  emissora estatal, que pertence ao estado, como. EBC.

Como diz Edgar Morin “a ideia que o progresso da civilização é acompanhado por um progresso da barbárie é completamente aceitável [...] é certo que uma civilização urbana[...] que traz tanto bem estar, desenvolvimentos técnicos e outros, a atomização das relações humanas conduz a barbáries, insensibilidades inacreditáveis”.

Portanto para que a cidadania e a plena democracia sejam garantidas é necessário que o estado atue nessa relação das grandes empresas e os cidadãos. Devem ser garantidas tutoria e inclusão para que o indivíduo não acabe vítima como foi o personagem Daniel Blake, do filme de Ken Loach, que sucumbiu porque não conseguiu dar entrada ao seguro-desemprego por causa da burocracia tecnológica da Inglaterra. McLuhan afirma que as tecnologias são próteses que aumentam a capacidade do homem, mas sem uma inclusão digital elas amputam.

A chegada oficial do rádio no Brasil completa 100 anos em 2022. Neste tempo, por ser o primeiro meio de comunicação eletrônico a entrar nos lares brasileiros, criou uma relação com o público. Relação muito mais abrangente do que a de um simples partícipe da indústria cultural. O rádio é também um intermediador de relações afetivas dentro de casa, um provedor de cidadania, um supridor de carências. Por todos esses aspectos é possível classificar o rádio como parte da tradição cultural brasileira.     

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

A sexta-feira 13 e o ônibus com data errada

Estava parado no compulsório engarrafamento na rua Jardim Botânico, em frente ao Parque Lage. Quem passa por ali, sabe que sempre há um congestionamento para chamar de seu no trecho. 

Enquanto aumentava o volume do rádio para cantar junto o flashback de “Como nossos pais”, na interpretação arrebatadora de Elis Regina, me assustei com o lettering (aquelas letrinhas que ficam correndo) do ônibus 538. O ônibus me desejava bom dia e me informava que estávamos à meia-noite do dia 23/08/2000. 

Recentemente assisti à série Manifest, aquela que os passageiros embarcam na Jamaica em 2013 e chegam a Nova York em 2018. Repentinamente imaginei que meu carro tinha passado por fenômeno inverso, em vez de ir para o futuro, voltava ao passado. Aliás é um C3, não um De Lorean (piada nerd). 

Logo conferi meu telefone e vi que a hora era 15h25m da sexta-feira 13 de dezembro de 2019. Então, tratava-se apenas de um bug tecnológico do ônibus. Mas de qualquer forma, pensei em mim no dia 23 de agosto de 2000. 

A primeira coisa: estávamos no século passado. É, talvez você tenha esquecido, mas o século só virou no Réveillon de 2000, para 2001. Outra coisa importante, eu tinha menos de 30 anos. Clarice Lispector com a mesma idade já tinha escrito Perto do Coração Selvagem, O Lustre e Cidade Sitiada, três romances. Eu tinha participado de um especial sobre os 50 anos do Maracanã. 

Por falar nisso, o Brasil era apenas tetracampeão, o Flamengo era só penta brasileiro e o Zico era mais novo do que eu sou atualmente. O time da moda era o Vasco, que naquele ano se sagraria campeão Brasileiro e da Mercosul, mas tinha sido vice carioca perdendo para o Flamengo é vice-mundial derrotado pelo Corinthians. 

O Flamengo atrasava salários, o Fluminense subira da série C diretamente para a A e o Botafogo, bem, o Botafogo estava num marasmo depois de conseguir alguns títulos importantes na década.  A campeã do carnaval carioca fora a Imperatriz Leopoldinense, em 2019 a escola foi rebaixada. 

Em 2000, as Torres Gêmeas estavam de pé e o maior problema do presidente americano foi ter sido infiel à mulher no Salão Oval com a estagiária. Donald Trump era apresentador de TV, Jair Bolsonaro era deputado do baixo clero e Carlos Bolsonaro tinha 18 anos. Em vez de Facebook tinha Orkut, em vez de WhatsApp, Teletrim. Dava mais trabalho espalhar fake news. 

Eu começara a namorar minha mulher e ainda não sabia dirigir. Não era professor, era um repórter com pouco mais de três anos de carreira no rádio. Tudo era diferente em 23 de agosto do ano 2000. Tudo, mais ou menos, o trânsito na Jardim Botânico, em frente ao Parque Lage,não mudou nada, talvez tenha gente engarrafada lá desde 23/08/2000. 

domingo, 8 de dezembro de 2019

Alma de velocista, joelhos de ancião

Sempre desconfiei que era rápido. No entanto, a certeza só veio aos 12 anos. A escola municipal Joaquim Nabuco organizou uma série de competições. Eu ganhei a medalha de ouro na corrida. Talvez fosse uma corrida de 50 metros pelo pátio, mas eu venci o Luiz Flavio, mais conhecido como Pena. Quase perdi, pois comemorei antes, mas cheguei na frente. Naqueles jogos ganhei ainda a medalha do salto em altura. Ganhei pulando 1,20m. Aos 12 anos, pulando no estilo “tesoura” e caindo no chão de terra batida, aquela marca era um recorde mundial. 

Depois veio o Cefet. Aos 16 anos eu corria na categoria de cima, com os mais velhos. Lembro que a fera era o Edilson, mas eu conseguia correr no nível dele e achava isso o máximo. Nunca investi seriamente nessas competições, depois veio uma torção no joelho e minha vida atlética virou lembrança. 

Eu era rápido correndo, associo isso ao fato de ser ansioso. Acho que por querer chegar logo, me apressava. Então, a conclusão barata é que todo velocista é meio ansioso. No entanto, a vida faz diminuir a marcha. 

As contusões nos meus joelhos me obrigaram a andar mais devagar. Ainda tenho os reflexos de tentar correr ou reagir, mas o danado do corpo quase cinquentenário não obedece. 

Alguns velocistas ao envelhecer se tornam fundistas para continuar correndo. Esse certamente é o meu caso. No entanto, uma vez velocista, você terá lampejos dessa explosão. 

Um exemplo é a voracidade com que ataco um prato de comida. Invariavelmente sou o primeiro a terminar a refeição. Qual o problema, permaneço na mesa, mas por estar ali, acompanhando as deglutições mais lentas de meus comensais, acabo comendo mais um pouco. E aí, mais um caso de velocidade que se alia à ansiedade. 

O mesmo se deu no meu mestrado. Primeiro me inscrevi em varias disciplinas no meu primeiro semestre. Academicamente foi bom, fora um infartozinho no meio do caminho, teria escapado ileso do exagero. Minha mulher e alguns amigos me impediram de pegar o mesmo número de matérias no segundo semestre. E por caminhos mais lentos, acabei por atingir meu objetivo. 

Há duas semanas a alma do velocista me pregou outra peça. No prazo imposto por mim mesmo de entregar minha dissertação antes das férias de fim de ano, corri como nos velhos tempos. Num dia, fui dormir às 5h da manhã e acordei às 7h. A alma é de velocista, mas o corpo é de um quase cinquentenário, como escrevi acima. A rebordosa veio na madrugada seguinte, quando passei mal e fui parar no hospital.

O velocista ansioso está nesse momento a contemplar a linha de chegada do próximo objetivo. No dia 12 vou defender minha dissertação de mestrado. Teria até abril para defender, mas isso é para abnegados fundistas. Os invejo, com toda sinceridade, mas a minha natureza é veloz, para o bem e para o mal.