quinta-feira, 31 de maio de 2018

Machado de Assis e os nossos dias

Estou reencontrando Machado de Assis. Por conta do mestrado, estou lendo o livro Memorial de Aires, escrito em 1908 é  o último livro de Machado. Ele morreu 4 meses após o lançamento da obra. 

O livro é escrito em forma de diário, e guarda impressões de Machado sobre a finitude da vida, saudades e memórias. 

Um trecho do diário do Conselheiro Aires, que muitos dizem ser um alterego do escritor me convidou a uma reflexão. Na passagem Aires escreve: “ Mas agora é tarde para transcrever o que ele disse, fica para depois, quando houver passado a impressão e só me ficar de memória o que vale a pena guardar”. 

Um amadurecido Machado repele a análise superficial dos fatos. A análise rápida. Aquela temperada pelas paixões e ardores do momento. 

Com essa passagem, o escritor parece contrariar as tomadas de posição sem reflexão. Em outra passagem do livro, ele reclama que as viagens de trem para subir a serra de Petrópolis tiraram a contemplação da época que se subia com a tração animal. 

Em seu último livro, Machado de Assis parecia querer que o tempo corresse mais devagar, talvez para aproveitar o que restava de sua vida. 

Por meio dos escritos do Conselheiro Aires, Machado de Assis já alertava para um dos problemas dos nossos dias: a velocidade, a ansiedade de acumular de um tudo. Acumulamos impressões e esquecemos de guardar o que vale a pena. 

O livro Sociedade do Cansaço, de Byung Chul Han, detectaras consequências do que a genialidade machadiana descreveu no começo do século passado. Cada época guarda doenças fundamentais. As dos nossos dias são o que Han chama de neuronais, como depressão e transtorno de déficit de atenção. 

Fácil de falar, difícil de fazer. Para continuar caminhando a contento, a solução é desacelerar. Dez entre dez médicos que fui nos últimos tempos receitaram: “tem que diminuir o estresse”. 

O angustiante é que o estresse é intrínseco aos nossos tempos. Na conversa que o Conselheiro Aires teve com o Desembargador Campos no trem para Petrópolis, o segundo destacava como se ganhou tempo com a modernidade. 

É isso, você quer um plano de internet com mais velocidade para ganhar tempo. Você quer um celular com mais memória para armazenar mais. Você acessa as coisas de forma tão rápida que não consegue se fixar nelas. Você guarda tantas fotos, que nem sabe que as tem, ou seja, as perde. 


E outro gênio da literatura, o argentino Jorge Luiz Borges, emula em Funes, o memorioso, o problema de nossos dias. O personagem não esquecia nada do que lia. Guardava tudo. Desta forma não hierarquizava os fatos. E ao juntar tudo no mesmo balaio, você só tem impressões e não guarda o que vale a pena. 

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Oração de aniversário

Aniversário tem pequenos rituais. De uns anos para cá, o meu começa com um bolinho. Minha filha Clara Maria entra no quarto e puxa “Parabéns pra Você” antes do dia clarear. Seguem-se os gostosos abraços dela, da minha mulher e do Pedro. Dentre os rituais, acho que o principal é agradecer pela data, pelo fim de um ciclo para recomeço de outro. O blog me dá a chance de fazer este agradecimento, como diria Noel Rosa, em  “feitio de oração. 

Que o lirismo me tome pelas mãos e ajude a transformar toda dor que eu encontrar pelo caminho. E que no meio da dor eu me lembre que ela vai passar. Que a dor só dure o tempo que eu aguentar, um tempo suficiente para que eu dê valor ao prazer. 

Que o prazer não seja efêmero, que depois de chegar ao ápice eu consiga prolongá-lo. Que eu sorva o vinho da vida, sem pensar na próxima taça. Curtindo aos poucos o sabor da bebida. 

Que eu enfrente o medo inevitável, mas que ele não seja forte a ponto de me deter. Que o medo seja combustível para mudanças necessárias. E que eu jamais esqueça o medo. Pois a memória dele impede a repetição de erros. 

Que eu acerte mais do que erre, ou que pelo menos consiga empatar esse jogo tão difícil. Que eu consiga ser mais resiliente do que teimoso. E que eu entenda a fronteira da teimosia e da resiliência. 

Que eu veja do mundo as coisas boas, e que as ruins não adoeçam minha alma, mas reforcem em mim convicções do que é justo e sobre as brigas que eu devo comprar. 

Que eu não sufoque os meus com amores obsessivos, mas que não os deixe partir por causa do meu egoísmo. Que eu respeite os espaços e me meta apenas o necessário em outras vidas. 

Que eu tenha a consciência que a minha história começou antes de mim e vai continuar depois que eu fechar os olhos de vez. Porque ela vai ficar impressa na alma de quem me abraçou, beijou e compartilhou aventuras. Assim como ficaram em mim as marcas de quem me amou e aqui já não está mais. 

Olhares trocados, palavras ditas e sorrisos compartilhados servem para a estampa do tecido da vida. As lágrimas, mágoas e tristezas também estão lá. Muitas vezes como a linha que prende os desenhos. Que eu consiga fazer que a costura, mesmo que aparente, não diminua a beleza da colcha. 

E que ainda tenha muitos dias como o de hoje. Há pouco mais de 20 dias achei que não estaria por aqui para escrever essa oração. Mas como ainda não era a hora do ponto final, vou continuar a busca pelas melhores palavras do romance. 

Romance sem propostas pre-concebidas, apenas com argumentos em linhas gerais, que me dêem margem de manobra para amar, chorar, gozar, ter dor, gostar ou desgostar. Que seja um livro escrito de braços dados com o lirismo. E que este lirismo seja resiliente para aturar minhas manias, meus dramas e meus medos. 

Obrigado pela minha mulher, meus filhos, minha família, meus amigos, meus sorrisos e minhas lágrimas. Obrigado pela minha vida. 

terça-feira, 29 de maio de 2018

O não-voto é tudo que os maus políticos querem

Vejo crescer nas minhas relações e até mesmo na rede social uma pregação do não-voto. Acho que essa opção é a pior que pode acontecer. Dentre outras coisas um WO eleitoral da vantagem ao candidato mais mobilizado. 

Na verdade em vez de não votar, deveríamos valorizar mais do que nunca essa que é a arma mais poderosa que temos. 

A eleição que interessa nem está sendo considerada. Cada dia surgem novas especulações sobre cenário na escolha de presidente. O problema é que não temos ideia quem são os candidatos à Câmara, ao Senado a às assembleias legislativas. 

Devemos prestar atenção aos  nosso votos no legislativo. A formação do nosso congresso é um dos problemas mais graves do Brasil. 

Para citar alguns, Eduardo Cunha, Renan Calheiros, Romero Jucá, Geddel Vieira Lima, Ciro Nogueira, Jorge Picciani, Paulo Melo, Edson Albertassi... Todos integrantes das casas legislativas. Foi nesse espaço, pouco vigiado e fundamental da vida pública, que todos armaram seus balcões de negócios e interesses escusos. 

E temos que parar de olhar a eleição de deputados e senadores como algo menor, que importante mesmo é quem vai se eleger presidente. Não é, quanto mais qualificado for o Congresso, mais chance o país tem de sair do atoleiro ético que se encontra. 

O presidente da República não governa sem o Legislativo. Dessa dependência  nasceram as negociatas que há muito corroem as instituições brasileiras. 

O ocupante do Palácio do Planalto é tutelado pelo Congresso. Tem a caneta para “comprar” apoios, mas é vítima preferencial das chantagens e do toma lá dá cá. Cunha aceitou o pedido de impeachment de Dilma Rousseff depois que três parlamentares petistas não toparam defendê-lo no Conselho de Ética. 

Temer ainda não caiu porque usou de tudo para que sua denúncia não fosse aceita na Câmara. É no Congresso que reside a força. E no meio disso tudo, dois movimentos parecem calculados milimetricamente para tutelar de vez o cargo de presidente. O primeiro: a presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, vai levar ao plenário uma discussão se a mudança do sistema de governo pode ser feita por emenda constitucional. 

Se o entendimento do Supremo for que sim, virá o segundo passo. Um movimento no Congresso para a adoção do parlamentarismo, ou semipresidencialismo. 

Nas duas vezes que a iniciativa foi posta em votação foi rejeitada pela população, em 1963 e 1993. A decisão do STJ livraria o Parlamentarismo do crivo popular. O sistema seria adotado numa decisão deste Congresso viciado a que estamos acostumados. 

Então quem poderiam ser os primeiros ministros? As figuras que hoje dominam o Congresso: Renan Calheiros, Romero Jucá, Jáder Barbalho, vou parar a lista por aqui. 

Não votar é tudo que os maus políticos desejam. Assim, seu eleitorado cativo garantiria a continuação dos desmandos e do atraso. Além disso, se conseguirem aprovar o parlamentarismo, teriam o controle evidente das decisões do primeiro-ministro. 

Você pode discutir se o presidencialismo é pior ou melhor do que o parlamentarismo. O que não dá para discutir é a qualidade do colégio eleitoral que escolheria o primeiro-ministro. Essa qualidade a gente vê todo dia nos jornais, radiojornais e telejornais. 

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Não é só pelo diesel

Duzentos e dez milhões de aves morreram até o momento por causa da greve das empresas e dos caminhoneiros. Além disso, milhões de litros de leite foram despejados no chão, impedidos de ser comercializados. 

A você  que está apoiando fortemente a greve dos caminhoneiros, tenho uma informação. Você vai pagar de alguma forma a renúncia fiscal que a União vai patrocinar para que o movimento seja atendido. 

É simples, se vai deixar de arrecadar por uma lado, o governo vai precisar tirar de outro. Numa situação séria, o governo procuraria adequar seus gastos para a nova realidade. Não é o que irá acontecer. Então, todos nós, inclusive os caminhoneiros, pagaremos por esse pacotão de bondades para as empresas que controlam o transporte de carga. São R$ 10 bilhões que deixarão de entrar nos cofres públicas. Senta que lá vem mais impostos para a gente pagar. 

Tem cara de esparrela. O país está no meio de uma guerra de facções. E no meio da batalha, as balas perdidas ganharam novas formas. Elas agora estão travestidas de falta de combustível nos postos, de comida nos mercados e de transporte mas grandes cidades. 

Nesse país com imensas desigualdades, onde as pessoas não têm literalmente o que comer, pensar em leite e frango inutilizados para o consumo é revoltante. 

A briga da redução de impostos passa por uma discussão da sociedade. A classe média, por exemplo, sofre como uma tabela de descontos do Imposto de Renda congelada há tempos. 

O governo é gastador. Logo, se não forem tomadas medidas para resolver essa característica, tudo vai ser paliativo. 

Esse movimento não tornou apenas o governo refém, eles nos transformaram a todos em reféns da sua guerra. Em alguns momentos, essa ação dos profissionais beiraoua chantagem. 

Além disso, as faixas de Intervenção Militar Já são assustadoras. Isso evidencia uma luta  subterrânea. Não sirva de massa de manobra. Não é uma greve organizada por caminhoneiros autônomos. Apenas 30% da categoria é formada por motoristas sem vínculos com as empresas. 

A questão da negociação é que o governo está cedendo e os caminhoneiros estão esticando a corda e estão utilizando uma tática “sanfona”. Ocupam e desocupam faixas de rodovias. A impressão é que o objetivo não é resolver o impasse, e sim fazer sangrar o governo pra lá de moribundo. 

Da mesma forma que as manifestações de 2013 diziam “não é apenas pelos 20 centavos”, as de agora deveriam ser honestas e dizer “não é apenas pelo diesel, é por uma derrota acachapante e consequente inviabilização do governo”. Para ficar claro, o mundo não é binário. Ser contra esse movimento, não representa ser contra greves e nem quer dizer que se é favorável ao governo. 


domingo, 27 de maio de 2018

Os caminhoneiros e o “ex-presidente em exercício “

O mais preocupante na crise provocada pela greve dos caminhoneiros foi o sintoma de insubordinação das Forças Armadas. O fato de fontes vazarem que Marinha, Exército e Aeronáutica não aprovaram as medidas do governo Temer planta no cerne da administração a desmoralização. 

Temer está se especializando em ser um “ex-presidente em exercício”. Um espírito que vaga por Brasília colecionando derrotas econômicas, políticas e morais. O povo nem tem a chance de se esquecer que ele está às voltas com a prisão de vários amigos, ou das relações pouco ortodoxas que sua filha tem com pessoas acusadas de corrupção. 

Agora os caminhoneiros “sambam na cara” do governo. A categoria não reconhece o acordo e continua a ocupar estradas. Temer quer brandir tanques e metralhadoras, mas não encontra respaldo na Câmara, no Senado e nas próprias Forças Armadas. 

O governo tenta um contra-ataque. Insiste que os patrões estão por trás do movimento e que já há até pedido de prisão por causa do lockout. No entanto, não apresenta nomes. Só a palavra do governo não é o suficiente, já que este governo se mostra com tão pouca credibilidade. 

Não tenho rigor de um historiador, mas nos últimos 30 anos não houve crise política do porte da que está acontecendo. E olha, que nesse período, dois presidentes sofreram impeachment. Temer consegue fazer um final de gestão mais débil do que foi o de José Sarney. 

A dependência do transporte rodoviário é mais um elemento do 7x1 diário que a população brasileira sofre. Essa concentração um dia mostraria-se perigosa. Os caminhoneiros têm um poder que não há governo que consiga deter. Ao parar o Brasil, foi como se criassem um entupimento nas artérias de um país cardíaco na área de logística. 

Se o governo não atender os pedidos, os caminhoneiros vão engrossar. Aí, não haverá, stent, safena ou marca-passo que possa dar jeito. A questão é que tanto poder na mão de uma categoria pode acarretar em atos de tirania. É necessário algum tipo de regulamentação para que o movimento de greve, algo legítimo nas democracias, não descambe para um ato de chantagem econômica. 

E desculpem a falta de romantismo. Um movimento deste tamanho, com tanta abrangência não parece ser coisa dos trabalhadores. Parece ser mesmo uma ação dos empresários do setor. 

A vida ensina que quando você precisa dizer “quem manda aqui sou eu”, já não manda em coisa alguma. De nada adiantará dizer que vai usar as forças armadas, que aplicará multas diárias, se não cumprir as ameaças. O problema de falar “alto” é o ponto sem volta que isso pode representar. 

Conheço alguns militares da ativa e da reserva. O discurso de que está tudo uma bagunça é óbvio e recorrente em alguns grupos de discussão deles nas redes sociais e círculos privados. A questão é que o desgaste causado aos militares pela a ação de 1964 está presente nas novas gerações. Apesar da indignação, não parece haver um discurso uníssono por uma intervenção militar. Se você ler o noticiário com calma, percebe que os maiores focos de descontentamento estão no Exército. Tanto é que os nomes que vocalizam a revolta são ligados a ele. Jair Bolsonaro, capitão da reserva, e Hamilton Mourão, general da reserva. 

Enquanto as declarações vierem de militares da reserva, a ideia de intervenção militar fica no campo do devaneio arbitrário de alguns. O problema começa, quando o descontentamento latente pelo uso político das Forças Armadas  transbordar nos quartéis. 

Aí mora o perigo da reprovação dos militares ao fato do Governo Federal usar o Exercito para resolver algo que a negociação pacífica é o melhor caminho. Quando você senta numa mesa para negociar com uma metralhadora pendurada no braço e um tanque no estacionamento, não é negociação é coação. 

De tanto chamar os militares para resolver algo que a sociedade civil e os políticos deveriam dar conta que nasceu 1964. Mais de 50 anos depois parece que os políticos não aprenderam a lição. 






sábado, 26 de maio de 2018

A greve dos caminhoneiros mostra que o Governo Temer acabou

O Governo Federal mostrou toda a fraqueza institucional que atravessa nesta greve dos caminhoneiros. Não se consegue definir de outra forma que não seja humilhação o que está acontecendo. Anunciar um acordo que não aconteceu é uma derrota fragorosa. 

Depois de publicamente humilhado, o governo partiu para o campo das ameaças. As medidas são graves. Abrir a porta para que integrantes das forças armadas desobstruam as estradas na “marra” parece uma solução extrema, de quem perdeu a cabeça na negociação. 

E segue o cortejo para a corroborar ainda mais o discurso da ordem que vai dominar a campanha política deste ano. Quem conseguir pegar essa onda leva uma vantagem enorme na eleição de outubro. 

Depois dessa crise, mais do que nunca, o apoio de Temer a qualquer candidatura vai soar mais como “beijo da morte”, do que alavanca eleitoral. 

No meio disso tudo me chamou atenção o primeiro bloco do Jornal Nacional de sexta-feira. Foram 35 minutos de cobertura intensa sobre os graves prejuízos que a manifestação dos caminhoneiros está provocando. 

Entre a escalada do jornal e o começo do noticiário (para quem não está acostumado com os jargões jornalísticos, escalada é aquela parte em que eles anunciam os destaques da edição) entrou uma propaganda  criticando a greve e dizendo que o Governo Federal não hesitará em usar sua autoridade. 

Depois disso, toda narrativa foi a das trágicas consequências provocadas pela greve. Muita posição do governo, de especialistas e pouco dos caminhoneiros. O comando da greve só apareceu em forma de  uma nota em que conclamava a categoria a voltar ao trabalho. No mais, os poucos caminhoneiros que falaram foram na rua, sem o verniz de “representação” que os sindicatos conferem ao ato. 

Houve ainda a construção de uma matéria sobre uma “impressão do Governo Federal” que a greve era comandada pelos patrões. Colocaram um vídeo do prefeito de Betim defendendo o movimento. E ainda fizeram uma ressalva: “seria apenas uma declaração política, se o prefeito não fosse empresário do ramo de transportes”. 

A “impressão” do governo, mais a declaração do prefeito de Betim, somado a uma sonora com um caminhoneiro dizendo que recebeu a ordem de não furar o bloqueio até que o movimento acabasse construíram a “reportagem” sobre a participação das empresas na greve dos caminhoneiros. 

A “reportagem” era uma editorial disfarçado. Eu também desconfio que os patrões estão por trás do movimento. Aliás, até já classifiquei a greve como uma guerra de facção entre os donos do dinheiro. No entanto, além de não ter o alcance do JN, meu texto é assumidamente de opinião. Em nome do bom jornalismo, “cresce a impressão no governo” deveria ser o início da apuração, não a base da matéria. Outra solução seria admitir-se um editorial, seria mais transparente como os telespectadores. 

Enquanto isso, o país efetivamente sofre com a greve. Entendo quem apoia o movimento, mas realmente deveria haver algum esquema para que gêneros de primeira necessidade conseguissem chegar ao destino. 

Não gostaria de estar no hospital e não poder tomar soro, ou qualquer tipo de remédio porque o insumo ficou preso na estrada. 

O governo fraco não consegue se impor. Essa história de chamar os militares para resolver a incapacidade política de negociar pode parecer num ponto de vista superficial uma solução mágica, mas a longo prazo pode virar pesadelo. 

E o noticiário principal só acirra os ânimos. Depois que abrirem a porta, o leão pode gostar de sentar no sofá, comer toda a comida da casa e se apossar do controle remoto da TV. Para tirar o Leão da sala pode demorar uns 21 anos. 


sexta-feira, 25 de maio de 2018

Greve dos caminhoneiros ou “feliz 1988”

Se o Barão de Mauá tivesse sido tratado como um herói e não como uma ameaça ao poder dos donos de terra, talvez enfrentássemos com mais galhardia a crise de desabastecimento de agora. Mauá pensou num país com ferrovias, mas perdeu a disputa política. 

Mais de 150 anos depois constatamos ser totalmente dependentes dos caminhoneiros. Essa mobilização nas rodovias poderia ser celebrada como grande ação dos trabalhadores, no entanto, o movimento tem contorno de ter sido armado pelos patrões, ou seja, coisa do andar de cima para pressionar outra facção do andar de cima. 

E a cizânia dos setores que dominam o dinheiro do país causou fissura em toda a sociedade. O salto do preço do saco de batata na Ceasa do Rio de R$ 75 para R$ 500 é criminoso. Ah, mas é a lei da oferta e da procura, dirão os mais cínicos. Então, ótimo, como somos todos fiéis ao Deus Mercado, estamos sujeitos a essa “normalidade” de 600% de aumento na batata. 

Antes que me chamem de pelego e governista, a greve também pode ser encarada como um jeito de pressionar este governo que aumenta impostos e não pensa em equilibrar despesas cortando onde poderia cortar. Um arrocho nos trabalhadores, nos aposentados, na classe média em geral. Burocracia, papéis, impostos, corrupção e transparência zero. Essa insensibilidade e adoração ao Deus Mercado só poderia trazer consequências como essas. 

O Palácio do Planalto chamou o movimento dos caminhoneiros de chantagem. No entanto, as consequências desta reforma que deixou precárias as relações de trabalho foi terrorismo. A maior prova disso é que o número de desempregados só aumenta.  

Então, é uma guerra de facções do poder, e tal qual qualquer guerra de facção, o cidadão comum paga a conta. Paga, literalmente a conta, a propósito. Gasolina a 6 reais, filas nos postos e gêneros alimentícios rareando nos supermercados. 

Que os caminhoneiros sejam atendidos nas reivindicações que forem justas. Que acabem logo as diferenças entre o governo e os patrões, porque quem está na fila sem saber se vai conseguir abastecer o carro sou eu, meu vizinho ou seja, o país inteiro, refém dos tiroteios entre eles. 

Havia uma piada na década de 60 sobre os seguidos recuos do PCB. A piada era que tendo em vista que a terra era redonda,  o partido recuava tanto para surpreender os adversários por trás, numa ironia quanto a incapacidade de enfrentamento do partidão. Aqui não vou fazer revisionismo histórico, quero pegar o mote do recuo, do retrocesso. O país está prestes a dizer “Feliz 1988, fila nos postos, medo de desabastecimento de comida e aumento abusivo nos preços”. O jeito é rir amargamente com o meme da internet que mostra um galão de gasolina e os dizeres: “troco por casa de praia em Búzios, tratar inbox”. Se isso não significa voltar 30 anos em 2, não sei o que pode significar. 

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Bolsonaro X Alckmin - E a briga nem começou

Caminhamos para uma eleição sem agenda positiva. A troca de ofensas entre Geraldo Alckmin e Bolsonaro beirou o “feio-bobo-chato”. É quase pueril o candidato tucano dizer que Bolsonaro e PT são a mesma coisa. 

Mas se você olhar um pouco mais detidamente, verá uma característica importante desta disputa. Enquanto Alckmin atacou a pessoa de Bolsonaro, o deputado atacou o partido de Alckmin para se defender. 

Isso mostra virtudes e problemas que os dois terão nessa disputa. Alckmin tem estrutura partidária, virtude que pode ajudá-lo no adensamento de seus votos quando a campanha deslanchar. O tucano não consegue decolar por problemas que vão desde suas relações duvidosas com Paulo Preto até sua falta de carisma. 

Carisma não é problema para Bolsonaro. Um discurso inflamado, preconizando a ordem, mas sem apresentar propostas mais profundas além de “acabar com a roubalheira” e “salvar a família brasileira”. Pragmaticamente, falta ao deputado a máquina partidária que transformará seus ruidosos discursos em vitória na urnas em outubro. 

Para vencer, Bolsonaro terá que fazer um movimento mais para o centro. Ação a qual não parece ser capaz. Se eu gostasse de apostar, diria, levianamente, sei, que o capitão nem chegaria ao segundo turno. A importância da máquina partidária se mostrou cristalina em 2014, quando Aécio virou em cima de Marina Silva e conquistou a vaga no segundo turno contra Dilma Rousseff

O establishment político acha Bolsonaro perigoso. Não é que o deputado seja um candidato sem compromissos, todos são de uma forma ou de outra. A questão é que Bolsonaro tem compromisso com setores diferentes do que os dos atuais donos do poder. 

Uma raposa que entende muito de eleições me deu uma ideia, que numa primeira leitura pode parecer estranha, mas nestes tempos revoltos, não pode ser descartada. 

O discurso da ordem será a grande âncora desta eleição. O Brasil realmente chegou a um ponto de inflexão. É nesta realidade que o pleito será realizado. O General Antônio Hamilton Mourão pode facilmente encarnar este discurso. Mourão defendeu a intervenção militar, criticou Lula e chamou o governo Temer de balcão de negócios. 

Não seria estranho, segundo o analista com quem conversei, que Mourão saísse candidato, com apoio inclusive de Bolsonaro. Assim, o capitão garantiria uma vitória arrebatadora para deputado e levaria de roldão vários candidatos afinados com seu discurso para a Câmara  Bolsonaro funcionária assim como um grande puxador de legenda. 

Diante do embaralhado quadro político causado pela quase certa ausência de Lula em outubro, qualquer coisa pode acontecer, inclusive o quadro atual de candidatos ser mantido. 

A debilidade nas pesquisas apresentadas por todos os postulantes, porém, faz crescer uma ideia. Faz aumentar a impressão que ainda não surgiu o candidato ungido para vencer. Nesta realidade, se impõe à semelhança com a eleição de 1989. O final daquele pleito trouxe consequências ruins para p país. Tomara que a história não se repita, estamos cansado de finais infelizes. 

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Alberto Dines, um farol

Jornalista é aquele cara chato, que questiona tudo. Jornalismo é aquilo que todo mundo reclama e acha que sabe fazer. No entanto, o jornalismo é feito por quem ele escolhe que faça. Então, essa profissão é isso, um farol para ajudar a iluminar caminhos, discussões e despertar o incomodo na alma de ter que pensar diferente. 

Se o jornalismo é um farol, ele perdeu uma das fontes de luz. Alberto Dines era desses profissionais que não se conformavam com o estado das coisas. Ele é um dos pilares do jornalismo brasileiro nos últimos 60 anos. 

A reformulação gráfica e editorial que comandou no Jornal do Brasil é histórica. Assim como a chamada que fez na primeira página do diário quando houve a decretação do AI-5. 

Tudo isso está descrito em editoriais e obituários dos jornais. No entanto, uma face menos mencionada foi a de Alberto Dines professor. Ele lecionou na PUC entre os anos de 1963 e 1966. Escolhido paraninfo por uma turma, fez um discurso contra a censura e foi preso. 

Era a época que ele, com a genialidade que só as coisas simples tem, descreveu como: “Tempo negro, temperatura sufocante, o ar está irrespirável. O país está sendo varridos por fortes ventos”. 

Em dezembro, o crime do estado contra as liberdades individuais completa 50 anos, mas a frase de Dines poderia ser reproduzida hoje. 

O Observatório da Imprensa, ideia sua surgida quando comandava o Laboratório de Estudos de Jornalismo da Unicamp, serviu como pós-graduação informal para jornalistas.  Seus artigos que faziam com que os profissionais avaliassem as reportagens e coberturas em que estavam envolvidos. 

Alberto Dines disse em uma entrevista que
“As pessoas têm de ser motivadas para saber o que está acontecendo no mundo. Para não serem carregadas para lá e para cá. Sem seu arbítrio”. 

A verdade é que Adalberto Dines é uma espécie de paraninfo dos professores de jornalismo e do jornalismo brasileiro em geral. Cada vez que um editorial escorrega eticamente, ou as corporações jornalística colocam interesses privados a frente de sua função pública, o legado de Dines se torna essencial. 

Agora, nos resta respeitar a memória de Alberto Dines. Como fazer isso? Sendo aquele cara chato, que questiona tudo, crítico e inconformado com o estado das coisas. 

terça-feira, 22 de maio de 2018

Mastigue mais. Entenda o “ritmo” dos alimentos

Minha mulher leu o texto de ontem e ficou preocupada. Ela me disse que eu devo celebrar mais porque eu escapei bem de uma coisa que poderia ser feia. A Ana Lucia, amiga minha e da minha mulher disse que quer ver meus textos falando mais das novas experiências. 

Justifiquei para as duas que estou destilando o restante de pessimismo que o susto que tomei deixou na alma. Mas as duas estão certas. Então vou celebrar coisas boas. 

Por exemplo, eu estava esquecido da sensação de ir para a cama sem me sentir afrontado, como se meu abdômen pressionasse meus pulmões e dificultasse minha respiração. 

Isso se dá porque diminuí a ingestão de comida à noite. Deitar deixou de ser uma coisa desconfortável, graças a pequenas mudanças que tenho feito na dieta. 

Gosto de brócolis, couve-flor e salada. Não é um sacrifício comer essas coisas. Agora estou olhando para esses alimentos como opção imediata, não como “para um dia quando eu tivesse que fazer uma dieta”. 

Gosto de rúcula, agrião, alface e espinafre. Ou seja, parte de minha dieta pode facilmente ser confundida com a de um animal ruminante, tipo um boi. Por falar em boi, tenho evitado ingerir sua carne à noite, justamente pelo que relatei acima.

 As dores nas articulações que senti após o primeiro treinamento são totalmente suportáveis. Não passaram 100%, mas não são impeditivas para o exercício. Na verdade, essas primeiras idas à clínica para reabilitação servem mais para sair da inércia do que propriamente curar o sedentarismo. 

No século passado, literalmente, fui corredor de 100m. Isso diz muito sobre meu temperamento. A ansiedade e a pressa fazem parte do meu “modus operandi”. Logo, não é apenas comer menos, tenho que passar a mastigar mais, demorar a engolir e encontrar o tempo certo dos alimentos. 

Quando ia a um restaurante japonês, sushis e sashimis nem passavam pela fase da mastigação. Outro dia, fui ao restaurante e como 8 sashimis. No entanto, mastiguei-os, apreciei o gosto e aquelas 8 peças me satisfizeram. 

Comendo apressadamente, não há a fase de satisfação. Você sai da fome para a sensação de estar estufado em poucas garfadas. Em detrimento de ser chamado de chato, quem come devagar é mais feliz e come, invariavelmente,  menos é melhor. 

Então, minha próxima meta é mastigar ao menos 15 vezes os alimentos. Quem sabe assim vou entender o “ritmo” da comida e ouvir direito o que meu corpo tanto quis e me avisou. 

segunda-feira, 21 de maio de 2018

O primeiro treino a gente nunca esquece

As segundas-feiras de maio foram marcantes. A do dia 7, eu tive o infarto. A do dia 14 significou a retomada de atividades corriqueiras de vida fora do hospital e a do dia 21, o começo da minha reabilitação cardíaca. 

Como não fiz minha parte anteriormente, fui para academia, como manda o tratamento. Cheguei à clínica por volta das 11h da manhã. Eu era o paciente mais novo, com sobras para o segundo colocado. 

Por ser calouro, tinha que aprender os trâmites. Dirigir-se ao local onde ficam o frequencímetro e o polar, aquele sensor que a gente coloca no peito para medir os batimentos. 

Depois você deve se pesar. É a fase do choque de realidade em que você percebe o longo caminho pela frente. 

Na sequência você se senta em frente ao médico que faz as perguntas de praxe e avisa que num primeiro momento, vou estranhar a facilidade das atividades propostas. 

O que diferencia essa estada na clínica de uma ida comum à academia é o fato de você fazer dois eletrocardiogramas durante o treino, além de sua pressão ser aferida, para que não haja surpresas desagradáveis. 

O desfibrilador cardíaco fica num lugar bem visível. Afinal, trata-se de uma reabilitação cardíaca. Vai que...

O primeiro exercício foi na bicicleta, com uma carga tão baixinha que me deu até vergonha. Na esteira, a velocidade era tão baixa que nem parecia exercício. 

Ao final do treino as atenciosas enfermeiras perguntaram se eu estava cansado. Com um certo ar de vitória, disse que não. Pois bem, duas horas depois deste treino leve, me encontro com dor nas pernas e nos braços. Obviamente que a culpa não foi do médico que me passou a série. Foi da minha total falta de condicionamento físico. 

Na sexta-feira eu já havia sentido o tamanho da encrenca. A médica que fizera minha avaliação inicial deu um panorama nada animador. Minha taxa de gordura era alta e eu estava para lá da metade mais fora de forma para bípedes da minha idade. 

Então é isso. Vou recorrer a todos os pensamentos de autoajuda possíveis. Um edifício não se constrói pela cobertura, não existe gol que valha por dois e vai ter que ser um quilo de cada vez. 

Logo, o negócio é andar no melhor ritmo que eu conseguir, a esteira dá uma ilusão de você não sair do lugar enquanto caminha. Na verdade a esteira é passaporte para andar mais rápido e ir mais longe

Espero que a dor no joelho passe antes do próximo treino.

domingo, 20 de maio de 2018

O fim da imortalidade é um tremendo tapa na sua autossuficiência

Cazuza não é dos meus cantores prediletos do Rock Brasil. Prefiro-o como poeta. Sua acidez em alguns momentos é profética. Algumas de suas frases me tomam em pequenas situações e me ouço cantando aquele trecho várias vezes no dia. 

Ele cantou por exemplo “amor na prática é sempre ao contrário”, a melhor tradução para este sentimento que é o “avesso, do avesso, do avesso, do avesso”, para citar outro poeta, aliás bem amigo de Cazuza. 

Nada mais saboroso do que a “sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida”,  porém, perceber que a pessoa ao seu lado “prendia o choro e aguava o bom do amor” é angustiante. 

Mas o Cazuza que tem mais me cercado é aquele que cantou “Senhoras e senhores, trago boas novas, eu vi a cara da morte e ela estava viva”.  O susto que levei há 13 dias ainda é uma lembrança bem presente. Clinicamente, as coisas estão ajeitadas. Ajustes na dieta e no ritmo da vida farão com que o stent seja um elemento novo, mas naturalizado rapidamente. 

O que demora mais a passar é a avalanche de sentimentos vinda do susto. Por isso, a lembrança da canção de Cazuza. A morte não rondou meu leito. Graças a ação rápida dos médicos e, para mim, uma ajuda divina, menos de uma hora depois do infarto eu estava medicado e monitorado. No entanto, se não esteve ao pé da minha cama, a morte colocou a carinha na porta do quarto e olhou para mim. 

E que cara tem a morte nesses casos? Bem, para mim ela apareceu como um espelho em que me vi fazendo varias coisas. É o tal “filminho” da vida. A película entremeia bons e maus momentos, até que você se vê na tela assistindo ao “filminho”. 

Há vários momentos na vida em que você perde a noção da imortalidade, ao perceber a cara da morte, mesmo que desfocada, como no meu caso, dá a você a noção da finitude da vida. 

Lembrei da primeira vez que voei sem portas num helicóptero. O piloto advertiu-me para que não olhasse o esqui da aeronave. Dizer esse tipo de coisa só tem uma função. Fazer você desobedecer a orientação. Pois bem, enquanto você faz o sobrevoo, sente-se inserido na paisagem. Olhar o esqui dá a real dimensão da altura em que você se encontra e desnaturaliza o olhar de cima que se tem da cidade. 

É isso, ver a cara da morte e ela estar viva é o olhar para o esqui do helicóptero. Você percebe que está numa máquina pilotada por alguém, máquina e piloto de quem você precisa para continuar voando. O reconhecimento da mortalidade é a percepção que por mais autocentrado que você seja, depende de outros fatores, além da sua vontade, para continuar a trajetória na terra. 

Se você vai à pé, de bike, de carro, de helicóptero ou de avião, depende do caminho e das distâncias que você traçar. Mas a consciência da mortalidade é um tremendo tapa na sua autossuficiência. 

sábado, 19 de maio de 2018

A fanfarronice perigosa de homenagear a policial que matou o assaltante

Dia desses escrevi que olhar o mundo de forma binária, faz com que a gente não consiga vislumbrar toda a paleta de cores da situação. 

O caso dessa policial que há uma semana matou um assaltante na Grande São Paulo é uma dessas histórias em que o olhar radical sobre o fato, nos faz tirar conclusões precipitadas. 

Acredito que antes de matar, a polícia deve imobilizar e prender o suspeito. Atirar antes e perguntar depois é má prática e resulta em mais violência. No caso de Suzano, a policial paulista agiu rápido e impediu que um assaltante invadisse a escola da filha e fizesse reféns. 

A atitude da policial foi fruto de treinamento, pois segundo reportagem da revista Época, alguns integrantes de seu batalhão fizeram um treinamento em caso de necessidade de intervir quando estivessem à paisana. 

No entanto, câmeras descobriram que o bandido agia em parceria com outro, que para sorte de todos, não retaliou a abordagem da PM. Contar com a sorte não é de bom alvitre em questões que envolvem armas e balas. 

Outro problema foi a carona no discurso da ordem que o governador de São Paulo tomou após o episódio. Homenagear a policial era absolutamente desnecessário. Incentiva como regra algo que deveria ser a exceção, policiais matarem suspeitos. 

Não existe solução mágica para a questão da segurança pública. No Rio dos anos 1990, havia a “gratificação faroeste”. Entre 1995 e 1998 o governador Marcello Alencar instituiu uma bonificação na ação de policiais civis e militares. Durante a vigência do decreto, o número de suspeitos feridos em confrontos para a polícia subiu de uma média de 2 para 4 por ação, ou seja dobrou. Bem, a violência só cresceu no período. 

Logo, Márcio França deveria aprender com os erros do passado. Homenagear a policial de forma demagógica e marqueteira incentiva condutas semelhantes e pode provocar o efeito “gratificação faroeste” na polícia de São Paulo. 

Já temos a polícia que mais mata. É bom lembrar que o estado é responsável por todos, inclusive pelos presos custodiados. Uma opção a isto é a barbárie. 

E nesse discurso de ódio e de justiça com as próprias mãos, fazemos crescer ideias como porte de armas universal e pena de morte. Quanto ao primeiro, os exemplos vindos dos EUA nos mostram que é ineficaz. A pena capital é um dos sintomas da perda da fé na recuperação do ser humano é uma crença na infalibilidade dos processos judiciais não recomendável. 

Heróis que tudo salvam, protegendo inocentes e destruindo “os caras maus” só existem nas franquias cinematográficas.  Sem planejamento, os tiros da polícia ensejam uma cacofonia de violência em que a próxima bala pode atingir qualquer um. 



sexta-feira, 18 de maio de 2018

O casamento de Harry e Meghan

Amigos, é preciso louvar a capacidade da realeza britânica de se manter no topo do Olimpo das celebridades. A Rainha Elizabeth há 66 anos chama atenção do mundo e as gerações que se seguiram a ela mantém a tradição. 

Agora é a vez do príncipe Harry se casar com a atriz americana Meghan Markle. Como já foi amplamente explorado, ela é divorciada. Como o mundo não é para principiantes, a Rainha Elizabeth só está no trono porque porque o tio dela quis casar com uma americana... divorciada. 

Se alguém ainda não sabe, é bom lembrar. O tio dela, Edward VIII, se apaixonou pela socialite americana Wallis Simpson. A sociedade britânica se escandalizou e a elite política o obrigou a abdicar em favor do irmão, Albert, que ao chegar ao trono se tornou George VI. Elizabeth é filha de George VI. 

Pois bem, agora o caçula de Charles e Diana se casará com uma americana divorciada. E diferentemente de oito décadas atrás, o casal é adorado pelo público. Megan Markle é muito diferente de Wallis Simpson. A nova “neta” de Elizabeth é uma influenciadora digital, que milita por causas como a da igualdade racial. O mundo mudou e a corte britânica, na medida do possível, vai tentando se moldar aos novos tempos. 

O casamento do ano vai custar  US$ 45 milhões. Em termos futebolísticos é duas vezes o que o Borússia Dortmund pagou para comprar o atacante Paulinho do Vasco da Gama. Ou uma grana equivalente a um excelente prêmio da Mega-Sena. 

A TV Globo vai transmitir o casamento, assim como fez com a cerimônia dos pais do noivo, Charles e Diana, em 1981. Eu poderia ser só aquele chato que não vai ver o convescote e faz críticas a quem está empolgado como o evento. 

Prefiro tentar entender o que faz com que uma rede de TV aberta modifique sua programação para acompanhar o casamento real. Ou ainda o magnetismo dos acontecimentos da monarquia britânica. Mal nasceu o terceiro herdeiro de Willian e Kate, veio o casamento de Harry e Meghan. E segue cortejo, com Elizabeth no andor e os “súditos”, britânicos (nesse caso sem aspas) ou não acompanhando fascinados. 

Talvez se fosse feita uma pesquisa, descobriríamos que vários lugares do mundo gostariam de ter uma família real britânica para chamar de sua. 

A verdade é que o tempo passa e nós não conseguimos nos libertar de acreditar em heróis, príncipes e contos de fada. 

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Tenha mais dúvidas, não tenha tantas certezas

Quem já foi a Paraty vai entender a metáfora. As ruas do centro histórico são feitas com um calçamento de “pé -de - moleque”. São irregulares e um convite para torções no tornozelo. No entanto, exatamente no meio, há um conjunto de pedras regularmente colocadas. Não entendo muito do assunto, mas me parece que são as pedras originais, que serviram de “guia” para assentar as outras. Logo, o caminho do meio é o mais “fácil”. No entanto, para visitar o casario e conhecer o que Paraty tem a oferecer, você deve andar pela incerteza das pedras irregulares. É compensador, mas nem sempre é confortável. 

Recebi um telefonema de uma pessoa muito querida e de fundamental importância na minha vida profissional. Contei-lhe detalhes sobre o que acontecera comigo na semana passada e da sensação de medo e impotência que senti. 

Como somos muito amigos, as lembranças sobre “os eventos cardíacos” ocuparam não mais que 30% da conversa. Falamos sobre política, assunto vívido entre as preferências dos dois. Contei-lhe sobre minha tese de que Fernando Henrique ainda pode ser candidato. E brinquei: sei que é uma ideia estapafúrdia”. Meu interlocutor me disse, nesse cenário atual, nenhuma ideia é estapafúrdia: “Nesse quadro, tenha dúvidas, não tenha certezas”. 

Então este texto tem um ponto de inflexão. Não falarei sobre política, como começou a sugerir o parágrafo anterior. Falarei sobre dúvidas e certezas. 

Não é um problema ter certezas. Ou seja, andar pelo meio do calçamento de Paraty.  As certezas são fundamentais para a nossa formação. Por exemplo, ter certeza sobre seus deveres ajuda a conviver melhor com as pessoas. Tenho certeza que devo dar aos meus filhos a melhor formação que conseguir, não só na escola, mas também na vida. Ensiná-los a ser justos e solidários. 

O jogo começa a ficar  embaralhado quando a subjetividade entra no campo das certezas. Às vezes o que é justo na minha mesa do café da manhã, não é o que você expressa enquanto passa o pote de manteiga para alguém do seu núcleo familiar. 

É aquela história, ensinamos aos filhos sobre meritocracia. Explicamos que o sucesso só vem antes do trabalho no dicionário e outras frases de autoajuda e motivacionais que circulam pelos Facebooks da vida. 

Mas como disse o médico Drauzio Varela em uma entrevista à BBC, a meritocracia não pode ser aplicada a toda sociedade brasileira. Para quem teve chances de estudar em boas escolas ela pode funcionar. Aplicar essa regra a quem no almoço tem preocupação se haverá o que comer no jantar, é cruel. 

Logo, essa palavrinha mágica, meritocracia, não pode ser uma certeza, um conceito universal. 

Nossos tempos exigem que sejamos cada vez mais “metamorfoses ambulantes”. São cada dia mais informações, novas tecnologias, aplicativos que controlam o sono, a hora de tomar remédio, os números de passos dados no dia, etc. No entanto, muitas vezes, desperdiçamos tudo isso com as certezas. Tendo “aquela velha opinião formada sobre tudo”. 

O que meu sábio amigo me disse foi tempere suas certezas com subjetividade e perceberá o quanto de dúvidas elas guardam. Ter muitas certezas nos faz ver o mundo em preto e branco. Impede-nos de enxergar os fatos por outros ângulos. 

Precisamos combater nossos egoísmos mais elementares, esse mal moderno da customização pessoal a todo custo. Eu quero buscar mais as convergências e aceitar as diferenças. 

Quero andar pelo calçamento irregular, com dúvidas sobre a integridade física das minhas canelas, sem perder de vista as pedras regulares do caminho. As paralelas regulares e irregulares da vida só se encontram por intermédio do nosso caminhar. Fazendo delas um complemento até o ponto inexato da chegada.