quarta-feira, 31 de outubro de 2018

O amor e o poder

Às vezes penso que a saída é furar os olhos, tal como Édipo ao constatar que matara o pai e se casara com a mãe. Um dos mitos mais conhecidos da Grécia aumentou sua popularidade no Brasil por causa da novela Mandala, de 1987. Édipo, Jocasta, Laio e Creonte caíram na boca do povo. Tudo isso embalado ao som de O Amor e o Poder, hit icônico de Rosana. “Como uma Deusa...”. 

Quando Édipo fura os próprios olhos acaba travando uma viagem para dentro de si. No entanto, pode também ser encarado como fuga da realidade. Não querer ver pode ser medo de encarar o problema e acabar numa atitude procrastinadora. 

Em outra oportunidade pegamos os cacos de vidro e furamos os olhos por não querer enxergar outras possibilidades, que não as presentes em nosso repertório. 

Na nossa era da hipersegmentação, cada vez mais voltados aos nossos umbigos, literais e metafísicos, cegamo-nos às contribuições que outros campos podem nos dar. 

Eu, por exemplo, demorei a perceber a utilidade escapista das músicas dos Mamonas Assassinas. As letras quebravam o engajamento da geração anterior, mas eram libertárias. Logo eu, que sempre me pretendi eclético, com um bom grau de cultura pop inútil. O mesmo ocorreu há poucos dias, quando vi Nasce Uma Estrela e tardiamente reconheci talento em Lady Gaga. Se Mia Couto escreve “ficamos surdos pelo excesso de palavras”, parafraseio: ficamos cegos pelo excesso de imagens. 

A soberba do que acho ser o meu conhecimento tem o efeito dos cacos que deram cabo à visão de Édipo. Tentarei enxergar mais profundamente minha alma, para ver se há algum proveito na cegueira dos meus olhos. E assim tentar me livrar da estreiteza do meu repertório. 

Mas pode tudo ser um mito derramado, filosofado em torno da arrogância de um saber canônico, que ao fim do dia, queda-se na cama e revela-se estreito. E o furar os olhos torna-se apenas, ato de flagelo, inútil e limitante. 

Quem tiver ouvidos, que veja. 




terça-feira, 30 de outubro de 2018

Lady Gaga vale qualquer ingresso

Ally se apresenta num bar com varias drag queens. Ela é única mulher, mas se apresenta montada. Com sobrancelhas postiças e uma roupa extravagante, ela arrebata a plateia com uma vigorosa interpretação de La vie en rose. 

Quando Lady Gaga entoa esta canção você realmente pensa num mundo colorido. A versão de Nasce Uma Estrela dirigida por Bradley Cooper é lírica, melancólica, mas envolvente. E tem Lady Gaga. 

Parei de prestar atenção na artista quando ela vestiu uma roupa de carne. Achei que não precisava tê-la no meu radar artístico. Enganei-me. Ela canta muito. Revisitar uma canção como La vie en Rose e  deixar sua marca é para uma artista especial. 

O Jack Maine de Cooper tem algo de Ben Sanderson, vivido por Nicholas Cage, em Despedida em Las Vegas. O papel rendeu o Oscar de 1995 a Cage. Logo, há boas chances para que o cantor mergulhado no vício dê a Cooper um Oscar. 

Jack Maine é um astro que entra em decadência e nessa viagem ao fundo do poço, encontra Ally. Ele aposta no talento dela. Os dois se encontram. Um ladeira abaixo e a outra decolando. 

Bradley Cooper opta por fazer um Jack quase sussurrante fora dos palcos. É interessante como imprime intensidade numa atuação contida. Destaque para o fato dele cantar as musicas no filme. 

Nasce uma estrela tem algum parentesco com La La Land no que diz respeito a uma volta ao passado. O primeiro foi uma homenagem aos musicais. O filme atual é a quarta versão sobre a ascensão de uma cantora. 

Nasce Uma Estrela é mais vigoroso do que La La Land. E se Emma Stone conseguiu a estatueta pelo musical, não seria exagero pensar no Oscar para Lady Gaga. Ela se desglamouriza da estrela pop. Brinca com seu nariz singular e arrebata quem foi ao cinema. 


Nasce uma estrela é um filme bonito, que faz chorar. A química de Cooper e Lady Gaga é muito boa. As canções são belíssimas e tem a voz da Lady Gaga.  Vale a pena parar de ficar brigando com os amiguinhos no Facebook e dar um pulo no cinema. 

Acima de todos, o ser humano

Ando comprando muitas brigas. Algo que quem me conhece há algum tempo sabe que não faz parte do meu estilo. Alguém já deve ter concebido essa frase, mas cheguei a ela sozinho: “brigue as brigas que valem a pena”. Não há palavras debaixo do sol que não foram ditas, mas vou me arvorar de autor da ideia. 

Acho muito necessário comprar as brigas que tenho  comprado. Uma observação, nunca entrei nos posts de quem quer que seja para criticar o que foi escrito. Quando vejo algo que não concordo, rolo a tela e sigo adiante. 

No entanto, os cachorros loucos que foram soltos estão com a faca nos dentes. O objetivo é inundar as publicações críticas para abafar a voz dissonante. 

Jair Bolsonaro venceu a eleição. Teve quase 11 milhões a mais de votos do que Fernando Haddad. Em sã consciência, quem torce para tudo dar errado? Eu preciso que as coisas deem certo no país. Tenho filhos adolescentes que começarão a resolver seus caminhos neste governo. Logo, se você acha que estou torcendo para dar errado, você precisa aprender a ler novamente. 

Dito isso, chegou ao Planalto um candidato que não apresentou propostas claras, logo, por isso o uso da expressão mergulho no escuro. Mas se você não consegue entender isso, é uma questão sua com a interpretação de texto. 

Não tenho super heróis. Na verdade, combato a ideia de super heróis. Eles não estão na magistratura, no cárcere, no púlpito ou numa propriedade improdutiva invadida. Dito isso, Sérgio Moro se mostrou um juiz com a sentença pre-concebida. Jogou “para fazer gol com a mão”. Ele viu na Lava-Jato a oportunidade de se promover. Aceitar o cargo de ministro da Justiça depois de ter tentado influenciar a eleição no primeiro turno, só corrobora para mim a imagem de parcial. 

Sobre a declaração a respeito da Folha de São Paulo no JN, o presidente eleito deu um recado direto dizendo que a mídia que fizesse um jornalismo mentiroso perderia verbas publicitárias. A questão é a subjetividade. Ele e sua equipe serão os avaliadores do que é “jornalismo mentiroso”? O cara que espalhou a mentira do “kit gay”?  A campanha que inventou que Haddad tinha estourado uma menina?

A liberdade de expressão corre risco, sim. A deputada catarinense que incentivou estudantes a filmar professores e denunciá-los é a tradução dos novos tempos. Junta-se a isso, a declaração sobre a Folha e a cumplicidade dos TRE’s nas ações das universidades e compreendemos o que pode nos aguardar. 

Com tudo isso, acho que se Bolsonaro respeitar as regras do jogo democrático, será impelido para atuar mais próximo do centro político. Terá que negociar para aprovar reformas. O grande problema, são os cachorros loucos que foram soltos. Eles se espalham pelas ruas armados, ou nas redes sociais para tentar silenciar o pensamento diferente. Para os caninos que correm com a baba escorrendo no canto da boca, a voz diferente é uma ameaça. Não se furtam de ofender e desqualificar. 


Então, enquanto eu puder falar, vou falar. Não pretendo doutrinar. Você pode apenas rolar a tela ao se deparar com algum comentário meu. Jornalismo a favor é propaganda. Para ser necessário, o jornalismo é crítico. Meu lema é: O ser humano acima de todos. Deus, bem, Deus criou tudo, logo, não precisa de milícia santa para invocar sua importância. 

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

E agora, esquerda?

O PT deu a nítida impressão de que “correu para não chegar”. Fernando Haddad foi largado à própria sorte no segundo do turno. A prioridade para o PT era brigar por Lula, a vitória eleitoral se viesse até seria bem-vinda, mas não era o primeiro item da lista. 

Quando disse que o melhor presente que poderia dar a Lula era tirá-lo da cadeia, Gleisi Hoffman deu a senha. Foi um tiro no pé da campanha de Haddad. O ex-prefeito de São Paulo foi um soldado do partido. Mas o fogo amigo de Gleisi a um dia da eleição foi quase um tiro de misericórdia. 

O PT elegeu quatro governadores e a maior bancada da Câmara. Poderia ser motivo para comemoração, mas não é. Confinado no Nordeste, o partido deve apostar em outros nomes para voltar a ter relevância no Sudeste. Lula está preso, alijado do jogo político. Depois de 38 anos, o Partido dos Trabalhadores terá que pensar na vida pós-Lula. 

Na Região mais populosa do país, Bolsonaro abriu mais de 10 milhões de votos. O desempenho no Brasil rico garantiu a vitória do capitão. 

Fernando Haddad sai do pleito como o nome da mudança do PT. Se o partido quiser chegar a algum lugar, terá que afastar os desgastados Rui Falcão, José Dirceu e Gleisi Hoffman. Oxigenar será a única solução para continuar a existir. 

Além do fogo amigo petista, Haddad ainda enfrentou o corpo mole de Ciro Gomes e Marina Silva. O ex-prefeito de São Paulo sai da eleição maior do que entrou. Recebeu 47 milhões de voto. É um capital que deve cuidar para as próximas eleições. 

PSB e PDT também procuram o quinhão do espólio da esquerda. Os socialistas não lançaram candidatura própria, não se coligaram ninguém para a disputa do Planalto.  A estratégia quase deu certo em São Paulo. Mais um pouco e Márcio França teria conseguido tirar o Palácio Bandeirantes do PSDB. 

O PDT continua um partido sem identidade depois da morte de Leonel Brizola. Isso pode ser explicado pela própria falta de identidade de Ciro Gomes. O partido fundado pelo velho caudilho não tem capilaridade. Se antes tinha RS e RJ, hoje não passa de nanico nos dois estados. 

No mais, é catar os cacos e se preparar para o que vem. O governo Bolsonaro é imprevisível, tendo em vista que suas propostas são vagas. Os governadores da oposição não devem esperar um tratamento dos mais amistosos do presidente eleito. Bolsonaro tem um projeto de poder com pouca tolerância para a oposição. Na nova ordem: “focos de resistência devem ser debelados”. 

E agora, Brasil?

Diante de uma turma de universitários, muitos atônitos e de preto, tentávamos buscar explicações para a vitória de Jair Bolsonaro. Foi um desafio extra às 7h da manhã do dia seguinte da vitória do candidato do PSL. Eu e meus amigos Alexandre Caroli e Itala Maduel conversamos, acolhemos e discutimos, entre outras coisas, o que será do jornalismo no Brasil daqui em diante. 

Acho que é necessário entender Jair Bolsonaro como um fenômeno midiático. De forma alguma deve ser desprezada a carga ideológica de seu discurso, mas entender como foram propagadas essas ideias.  Como um candidato do baixo clero da Câmara, considerado folclórico e fanfarrão, foi eleito por 57 milhões de pessoas pra presidir o maior país da América Latina. 

Entender o fenômeno midiático é fundamental para combater no mesmo terreno que os divulgadores de fake news atuam. Para remediar a desinformação manipulada, só agindo no mesmo campo. Para combater o império da mentira só criando um império de jornalismo independente. 

A equipe de campanha de Bolsonaro ainda precisa ser desnudada. Além das suspeitas da participação de Steve Bannon, estrategista chefe de Trump, quem mais está por trás desta estratégia vitoriosa?  Isso é trabalho para jornalistas. Apuração, um dos pilares da profissão. 

Temos que seguir adiante com os instrumentos que a democracia nos coloca. Nunca foi tão necessário o jornalismo profissional. É preciso apurar, fiscalizar e denunciar caso haja alguma violação aos direitos humanos ou à liberdade de expressão.   

Existe também a necessidade de encontrar a paz em casa. Pode parecer um jogo de contente. Dentre os alunos, muito país votaram em Bolsonaro. Acho que é um exercício de empatia entender o voto no candidato do PSL. Esvaziar o espírito e chamar atenção para o que pode nos esperar a partir de janeiro. 

A live” da vitória de Bolsonaro refunda as relações de poderosos com os meios de comunicação tradicionais no Brasil. O recado de Bolsonaro foi claro: “não preciso de vocês pra me comunicar com o público, a intermediação será nos meus ternos”. Para representar isso, a TV Globo teve que se conformar a fazer parte de um pool de emissoras e a entrevista foi feita sem a tradicional canopla no microfone. 

Bolsonaro quer desestabilizar as instituições tradicionais. Em vez de ir nos partidos, foi nas frentes parlamentares. Em vez de negociar apoios dentre os empresários da mídia usou bem o que a tecnologia digital colocou à disposição. Uma consequência da vitória bolsonarista é a constatação de que o tempo de TV não precisa mais ser motivo para “vender a alma”.  Geraldo Alckmin tinha o maior tempo de TV e amargou 4% dos votos válidos. 

A sempre poderosa TV Globo terá que se adaptar a uma nova realidade. O apoio de Edir Macedo e o fato de Bolsonaro ser evangélico deslocam o eixo de influência. O grupo dos Marinho sempre foi hegemônico nessas relações com o poder. 

Melhor apertar os cintos. O mergulho foi no escuro. Mesmo no discurso da vitória as propostas não foram detalhadas. Não sabemos qual será o país a partir de 1º de janeiro de 2019. Existe o medo que o monstro tenha emergido, mas sempre há a esperança de que as declarações homofóbicas, misóginas, racistas e fascistas tenham sido bravatas para ganhar a eleição. 

O fato é que Bolsonaro venceu as eleições com uma votação expressiva, abrindo quase 11 milhões de votos em relação a Fernando Haddad. Que o presidente eleito ajude a controlar os cachorros loucos que seu discurso libertou. Porque ele deve lembrar, que, se 57 milhões de pessoas votaram nele, 90 milhões disseram não, se somados os votos de Haddad, os nulos e as abstenções. 

sábado, 27 de outubro de 2018

A hesitação de Ciro Gomes

Ciro Gomes e o PDT perderam a oportunidade de mostrar que pensam mais no país do que em seus projetos de poder. O terceiro colocado no primeiro turno preferiu passar para história como aquele que lavou a mão diante do perigo representado por uma candidatura fascista. 

Em 1989, Leonel Brizola mostrou sua liderança e comprometimento ao embarcar na campanha de Lula no segundo turno, transferindo seus votos para o petista. O  velho caudilho entendeu que Collor era representaria perigo para o país. Quem tem mais de 40 lembra do confisco da poupança. Ciro preferiu o cálculo político e saiu do país. 

A postura do PDT nesse segundo turno pode custar caro para a sobrevivência do partido. Nos estados em que está no segundo turno apoia Jair Bolsonaro. A candidata a vice lança a exdrúxula ideia da renúncia de Haddad para que Ciro pudesse entrar. E ainda teve o episódio do discurso de Cid Gomes. 

É para aumentar a dubiedade, Ciro Gomes desembarcou depois do passeio europeu e se manteve calado sobre o apoio a Haddad. E o partido anunciou uma reunião para discutir uma ação favorável ao petista. Só se fosse para um “terceiro turno” (que não defendo, mas que não duvido). Para o segundo, o trem já passou. 

Ciro Gomes não tem um projeto de país, tem um projeto pessoal. Zanzou por diversos partidos, do PDS ao PSDB, do PPS ao PDT. Não quis entender o momento. Em 2022, essa conta será cobrada. A direita já tem seu representante e a esquerda não o perdoará pela hesitação em 2018. 

O apoio de Ciro seria fundamental na campanha petista, mas ele, para usar uma expressão futebolística, “correu para não chegar”. Deveria ter aprendido com Marina Silva, que de terceiro lugar em 2010 e 2014, chegou atrás do Cabo Daciolo em 2018. O castigo das urnas à tibieza é o ostracismo. 

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

As razões do meu voto

Não achei que veria uma campanha tão sangrenta novamente. Em 1989, eu participei da minha primeira eleição. Foi uma algazarra aquela cacofonia dos diversos candidatos. Confesso nostalgia pelos jingles inesquecíveis. Havia algo de lúdico naquilo. O Collor venceu, mas votamos e fizemos oposição. 

Dali em diante, o compromisso de dois em dois anos se renovou. Não reclamo de ter que ir à seção eleitoral. Votei escrevendo nome em cédula e agora voto digitando. A vida muda. 

O que não mudou de 1989 para cá foi meu lado. E por isso elenco as minhas razões. Em que pese o fato de Fernando Haddad ser um professor bem preparado e democrata, as razões do meu voto são mais contra do que a favor. Como disse um dos meus oráculos no jornalismo, tem uma linha que o eleitor deve traçar. Eu tracei a minha. Minhas 13 razões para não votar em Jair Bolsonaro. 

1) Pelo meu pai. O velho Creso era getulista e brizolista. Conversou comigo sobre o que acontecia no país. Acho que devo meu voto a ele num momento extremo como esse. Não quero que ele saia do céu para se ocupar de dar umas boas palmadas em mim. 

2) Pelo que aprendi com a minha mãe, Dona Alzira., a mulher mais forte que conheci. Olhando para o seu 1,47 m nunca pude pensar em “fraquejada”. Sair do Nordeste, com 38 anos, e sete filhos não é para qualquer um. Mas ela veio e eu estou aqui. 

3) Pela minha filha. Não quero que ela ande com medo na rua. O mundo da testosterona que prende e arrebenta e quebra placas de vereadoras assassinadas deve ser combatido pela lei. Não incentivado e premiado com vitórias nas urnas. 

4) Pela minha profissão de jornalista. Nunca o jornalismo profissional foi tão necessário. É lanterna que joga luz no obscurantismo, bússola para impedir a chegada do autoritarismo. Bastião no combate ao império das fake news. 

5) Pela minha profissão de professor. Pela livre cátedra, pelo debate das ideias. Pelo dever de formar com diálogo e em meio a posições dissonantes. Voto contra a censura que os TRE’s e o TSE impuseram nesta eleição. 

6) Voto contra a violência. Contra a ideia que se metralha os adversários. Voto contra a ideia de ter inimigos. Não acredito que seres humanos possam se referir a outros seres humanos como pestes que precisam ser exterminadas. 

7) Voto contra o excludente de ilicitude. Não se pode dar licença para matar ao policial. Deve-se dar condições dignas de trabalho a ele e aos mais necessitados. 

8) Voto contra a ideia de “direitos humanos para humanos direitos”. Voto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

9) Voto contra a xenofobia. Voto pelo direito de ser oposição sem ser expurgado para a cadeia ou para fora do país. Voto pelo direito de ser oposição sem precisar ser exilado. 

10) Voto contra a repressão. Voto pela liberdade, bem universal dos seres humanos. 

11) Voto contra a venda indiscriminada de armas. Revólveres, pistolas e espingardas foram feitas para matar. As armas aumentam a violência e não a segurança. Voto para que minha mulher, meu filho e minha filha tenham um mundo menos violento. 

12) Voto contra a intolerância. Voto na diversidade. Não se deve ficar insensível ao drama de negros e gays. Não há “coitadismo”, há violência. 

13) Voto na democracia. Ela pode ter nos legado governantes imperfeitos, mas foram nossas escolhas. Eu lembro de como era na época em que a gente não escolhia os presidentes. Era bem pior. 




Os fiscais do TRE e os agentes do DOPS

 Sou um professor universitário, logo sinto-me atingido diretamente pelo que fizeram os Tribunais Regionais Eleitorais em 9 estados coibindo protestos em universidades. Por ser o mais próximo a mim, vou começar pelo caso da Universidade Federal Fluminense. 

A UFF foi uma das 17 universidades com ações de fiscais eleitorais. A juíza Maria Aparecida da Costa Bastos determinou a retirada de uma faixa com os dizeres “UFF Antifascista “. Na sentença, a juíza menciona uma “distopia simulada contra Jair Bolsonaro”. Ê curioso que pouco menos de uma semana depois, um magistrado use a expressão em decisão favorável à Jair Bolsonaro. A menção anterior foi do ministro do TSE Luiz Felipe Salomão. Ele usou esses termos ao mandar retirar do ar uma peça de propaganda do PT em que uma vítima de tortura contava seu drama e denunciava um dos ídolos de Bolsonaro: o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. 

O diretor da faculdade de Direito, Wilson Madeira, disse que os fiscais do TRE-RJ entraram nas salas de aula e questionaram o conteúdo que estava sendo dito pelos professores em sala de aula. 

Caros magistrados, não há distopia simulada quando fiscais do TRE se travestem de agentes do extinto DOPS e coagem alunos e professores numa universidade pública. Então as decisões de vossas excelências acrescentam mais um ingrediente nessa espiral do retrocesso: a censura. 

Ao inferir que uma faixa “UFF Antifascista” faz propaganda contra Jair Bolsonaro, a juíza de Niterói admite que não há uma distopia simulada contra o candidato. Pois se ele não representasse o fascismo, uma faixa com esses dizeres jamais poderia ser considerada contra o ex-capitão. 

E na distopia real em que vivemos, fiscais do TRE da Paraíba foram à Universidade Federal de Campo Grande num evento a favor da democracia. Lá questionaram os professores e alunos quanto ao que era ensinado nas aulas e quiseram verificar se havia material de campanha. 

Em setembro de 1977 dois mil militares invadiram a PUC-SP e acabaram com uma assembleia universitária. Os estudantes foram encurralados e o prédio foi depredado. Não foi distopia simulada, foi repressão, pancada e gás lacrimogêneo. Está nos livros, está na história. 

A triste impressão que se tem  é que no país que se aproxima da distopia novamente, os fiscais do TRE são os batedores da tropa que pode invadir as universidades. Os sinais estão todos aí. Não vê quem não quer. E os mais expostos são os jovens, são meus filhos, nossos filhos. 

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Debate do Kinder-Ovo contra o Nervosinho

Wilson Witzel é um engodo pior do que Marcelo Crivella. O debate para o governo do Rio foi um festival de baixarias. Com agressões de ambos os lados. 

Atrás nas pesquisas, Eduardo Paes bateu o tempo inteiro. Witzel se manteve sem alterar o tom de voz. No entanto, o líder das pesquisas não conseguiu explicar sua relação com o advogado do traficante Nem, tampouco, porque em uma gravação falava de entregar dinheiro vivo ao profissional que defendia o bandido. 

Eduardo Paes insistiu em lembrar todas as situações obscuras da vida de Witzel, como uma dívida com a sogra, os ganhos acima do teto dos servidores e o auxílio moradia mesmo tendo casa na cidade. 

Mas o momento em que Witzel parece ter sentido foi ao ser lembrado a respeito da quebra da placa com o nome de Marielle Franco. Durante um comício dele no primeiro turno, o candidato Rodrigo Amorim quebrou a placa com o nome da vereadora. E Witzel comemorou na hora. 

Em resposta, Witzel lembrou dois episódios envolvendo Eduardo Paes. Uma quando ele brigou num restaurante e outra quando ele discutiu com uma médica por causa do atendimento do filho dele num hospital público. 

Em alguns momentos, seria melhor colocar um octógono, vestir os dois com um short e soar o gongo. Os dois candidatos não mencionaram o nome um do outro. Nas considerações finais, Eduardo Paes chamou Witzel de Kinder-Ovo., num dos momentos mais engraçados do debate. 

Uma dúvida, como foi recebida a afirmação de Witzel que Crivella está fazendo um péssimo governo. Só para lembrar, o “desprefeito” apoiou o ex-juiz. 

Se fosse um jogo, o placar teria sido 3 a 1 para Paes. Resta saber se um debate encerrado quase meia-noite terá força de ajudar o ex-prefeito do Rio de Janeiro na difícil tarefa de virar a corrida eleitoral. 

O voto feminino é a última saída

Há 14% dos eleitores em disputa faltando 3 dias para a votação no segundo turno. A pesquisa DataFolha divulgada nesta quinta-feira mostra que há 6% de indecisos e 8% declarando que vão votar nulo, rejeitando Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. 

Nos votos totais, Jair Bolsonaro tem 48% enquanto Fernando Haddad marca 38%. Quando são considerados apenas os votos válidos, o placar mostra 56 a 44. Os 12 pontos são a menor diferença registrada no segundo turno. O último DataFolha mostrava 59 a 41, uma diferença de 18 pontos. 

Ou seja, os petistas têm 3 dias para avançar nos indecisos e convencer o maior número possível de eleitores que votariam nulo a cravar 13 no domingo. A campanha petista deve analisar esses números e alguns outros revelados pelo Ibope divulgado nesta quarta-feira. 

Segundo o Ibope, Bolsonaro vence entre as mulheres por 44 a 40. Entre os homens a vitória é elástica. 56 a 33. Outra estatística importante é a que mostra a situação do eleitorado negro. O Ibope registra 45 a 42 para o candidato do PSL. 

O que as pesquisas mostram é que nos últimos dias de campanha o PT deveria centrar fogo em conseguir virar e abrir uma grande diferença entre as mulheres. O ideal seria que Haddad conseguisse abrir 20 pontos entre as mulheres. E diminuísse um pouco a diferença entre os homens. 

É uma tarefa muito difícil, mas não resta ao candidato petista outra alternativa. Da mesma forma que houve uma onda bolsonarista na reta final do primeiro turno, Haddad tenta um sprint até domingo. A diferença ainda é grande, mas ela já foi de 18 e agora está em 12 pontos. 

Usando uma metáfora do boxe, Bolsonaro está tentando um clinch, que é aquela estratégia de abraçar o adversário e evitar o combate. Não ir aos debates faz parte deste clinch eleitoral.  Haddad quer luta, bate tentando encontrar algum ponto vulnerável que lhe valha o nocaute. 

O lado petista tenta uma campanha vira-voto. Vários posts nas redes sociais conclamam os indecisos a conversar sobre as eleições. É uma tática “formiguinha”, que talvez não dê tempo, mas que é uma forma de luta para quem não quer ver Bolsonaro eleito. Não me lembro de uma eleição em que vivi tanta gente se envolve do para tentar convencer indecisos. 

Enquanto isso, a imprensa internacional pública vários artigos falando sobre o perigo da vitória do ex-capitão. Escrevem sobre sua defesa dos torturadores da ditadura e de seu pouco apreço pelas instituições democráticas. 

Bolsonaro não foi levado à sério pelos adversários. Poderia ter sido denunciado por quebra de decoro algumas vezes. Foi tratado como folclórico e fanfarrão e agora pode ser presidente da República. Não é uma história de superação. É algo mais grave. Se Jânio Quadros era a UDN de pileque, Bolsonaro é a direita em surto psicótico. E no transe, até o centro foi arrastado. 

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Os ponteiros do relógio e o navio no fundo do mar

Quando os relógios públicos ganharam ponteiros para marcar os minutos, a velocidade ganhou campo em nossa vida e jogou-nos no atual espiral de insatisfação com o tempo disponível. O ponteiro dos minutos foi uma das marcas da modernidade em nosso cotidiano. 

A bela imagem da areia caindo na ampulheta é simbólica de um tempo que não existe mais. Estamos na era dos milésimos de segundo, da perseguição pela internet mais rápida para transmissões em tempo real. Ê o tempo das pulsações cardíacas mais aceleradas e da pressão arterial mais elevada. A era do stress continuo. 

Temos carros cada vez mais velozes, mas paradoxalmente, diminuímos a velocidade média nas grandes cidades. E a nossa impaciência só cresce. Se você quiser calcular o que é um décimo de segundo é fácil. É o tempo de um sinal ficar verde e o barulho da primeira buzina. 

E aquele relógio público, que era praticamente uma obra de estilo clássico, chega ao século 21 digital. Essa tendência já havia começado nos anos 1980, diga-se de passagem. No entanto, os relógios foram ganhando mais funções com o passar do tempo. Alem da hora, as temperaturas passaram a ser informadas. Depois veio a propaganda estática. Em São Paulo, por exemplo, informa-se a qualidade do ar.  E agora a publicidade é rotativa e mais cativante. 

Em meio a este ritmo frenético, o mundo nos mostra que é possível em alguns casos congelar o tempo. Arqueólogos descobriram no Mar Negro o navio naufragado mais antigo do mundo. A embarcação tem mais de 2.400 anos. Segundo especialistas, a preservação foi possível por causa da falta de oxigênio a 2 quilômetros de profundidade. 

Um navio naufragado intacto, mesmo depois de 24 séculos, nos ajuda a colocar em perspectiva o tempo que passamos por aqui. Um cidadão que viva 80 anos representa 3% do tempo que a embarcação está no fundo do mar. 

Então, o objetivo é fazer valer a pena os 3% que nos cabe. Há momentos que não adianta lavar as mãos, se esconder ou se fazer indiferente. O que vamos querer que nossos descendentes encontrem no século 45? A construção de uma sociedade justa, ou um legado de violência?

E mais uma dúvida: como serão os relógios públicos até lá? O tempo vai existir, óbvio, mas e os relógios? E o público? Bem, certamente essa resposta nunca saberei. 

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Picanha no forno (receita do Creso)

Sou carnívoro. Acredito que a quantidade industrial de carne consumida durante minha vida está diretamente ligada ao entupimento da minha artéria “circunflexa”. Logo, devo meu stent a essa relação quase obsessiva com a carne. 

Brinco que não sou corajoso o suficiente para me tornar vegano. As fatias da carne, suculentas, com aquele sangue escorrendo causam um efeito devastador primeiramente na minha retina. Depois no meu prato. É isso, adoro carne. 

Aprendi com uma amiga da família a receita para fazer meu prato preferido. Picanha no forno. É muito fácil. É tão tranquilo de fazer que resolvi compartilhar com todos. Darei a receita como me foi ensinada. Atualmente, por conta do evento cardíaco ocorrido em maio, tenho que adaptar a receita. Mas é tranquilo. 

Pegue uma peça de picanha. Tempere com alho, pimenta do reino e sal grosso. Deixe a carne pegando o gosto por pelo menos uma hora. Acenda  o forno numa temperatura alta e deixe aquecendo por 30 minutos. 

Na hora de colocar a carne no forno, regue com azeite. Importante bater um pouco do sal grosso, para tirar o excesso. Coloque a capa de gordura virada para cima. Deixe a picanha no forno por pelo menos 40 minutos. A partir deste momento, passe a olhar o ponto da carne. 

Na minha casa eu e os adolescentes somos carnívoros daqueles que gostam da carne bem vermelha. Já minha mulher gosta dela bem passada. 

Eu gosto de servir a carne com arroz e feijão. Básico. O molho da carne por cima apenas do arroz também é muito bom. Para diminuir a culpa, dá para comer de entrada uma salada com brócolis, rúcula, alface e tomate cereja. 

Dependendo do tamanho da peça de picanha serve até 6 pessoas. No caso de querer servir mais gente, talvez seja recomendável duas peças de picanha. 

Se você passou por um susto como o meu, tire a capa de gordura e não coloque azeite antes de levar a carne ao forno. Minha filha chama esse prato de “carne de churrasco”. 

Poderia tirar uma onda e sugerir um vinho para servir. No entanto, como já escrevi em algum texto, gosto mesmo é de Fanta Uva, por isso, não acho que agregue valor a este texto recomendar refrigerante. Então, coma a carne  com a bebida que você quiser. Acho  que um vinho tinto cai bem. 

Ah, existe um efeito colateral. A casa fica defumada com o cheiro da carne. Então é melhor fechar as portas da cozinha e ligar o exaustor. É uma carne de fechar o comércio. Bem, é melhor fechar o comércio do que fechar o STF, não é verdade?

Amanhã mando uma receita de sobrecoxa de frango no molho shoyu. 


Meus erros e minhas mágoas

Árvores não erram. Pelo simples fato que árvores não agem. Árvores não magoam, porque as árvores não são agentes, são sempre passivas em relação ao homem. 

Homens erram. E o erro tem que estar previsto no cálculo. O erro é a porção realista do homem. Nos sonhos, as contas estão certas, as palavras exatas e os sentimentos previsíveis. 

O erro é o necessário afastamento do divino. Os erros nos fazem valorizar os acertos. Os erros são o outro lado do balizamento. Errar é uma forma de aprender. 

O erro é inevitável e está à espreita. Espera o cochilo do certo para entrar em ação. Às vezes nem aguarda a ausência do certo e se faz convidado indesejado da festa. 

A mágoa é um erro. O homem magoa. A mágoa é o necessário afastamento do divino. A mágoa pode ser uma maneira de aprender. A mágoa nos coloca em perspectiva com os nossos sentimentos. 

Magoados, perdemos a inocência. Percebemos que quem amamos também pode nos fazer mal. A mágoa é remédio amargo, muitas vezes necessário para sair da zona de conforto. 

Magoamos sem intenção. Assim como erramos querendo acertar. A mágoa espera o cochilo do amor para entrar em ação. Um caminho completamente errado é uma caminhada em círculos. A mágoa quando facilmente sentida perde o efeito profilático. 

Que a mágoa e o erro tenham a serventia do contraste nos exames de imagem. Ajudando a encontrar o problema que aflige o organismo, sem impedir o resto da jornada. 

Que os erros não me façam tropeçar, que as mágoas não me façam estancar. Que os erros não me façam magoar e que as mágoas não me ceguem para o que eu vier a errar. 

Afinal é tudo estrada, é tudo escola, é tudo troca constante de paisagem, até que um dia o porto chega e a gente zarpa para outro lugar. 

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

O arroz-de-polvo (receita do Creso)

Compre 1,5 quilo de polvo. Tem uma coisa que é muito importante. Peça ao vendedor que limpe para você. Eu, por exemplo, não tenho habilidade para limpar bem. 

Coloque duas cebolas junto com o polvo na panela de pressão. Deixe no fogo médio por um tempo. Quando a panela de pressão começar a fazer aquele barulho característico, conte quinze minutos e apague o fogo. 

Paralelamente a isso, prepare duas canecas de arroz branco. Nunca tentei com arroz integral. Preparar o arroz é aquela história, refoga com alho, sal, azeite (eu coloco uma pimenta do reino para dar gosto). Depois, coloque água. 

Neste meio tempo, já deu para abrir a panela de pressão. Retire o polvo. Não descarte a água. Corte o polvo em pedaços médios. As cebolas estarão quase se desmanchando. Separe-as em camadas. 

Coloque tudo na panela do arroz e espere ficar pronto. Um vinho branco é um bom acompanhamento para este prato que serve quatro pessoas. Eu gosto muito. 

Toda vez que vou para a cozinha, penso na minha mãe. Ela se surpreenderia com a desenvoltura que tenho ao preparar alguns pratos. Na verdade, além de desenvoltura, tenho prazer em cozinhar. 

Quando me proponho a fazer esses pratos, gosto de ficar sozinho. Ponho uma playlist no Spotify e vou à luta. Canto, repito as musicas preferidas e deixo a cozinha uma zona. Minha mulher até reclama. Mas depois eu dou um jeito. 

Cozinhar o polvo é um desafio. Tem que saber o ponto exato, para não deixar que ele fique borrachudo. Se ele não ficar tenro, parece chiclete sem gosto. 

Aos amigos que chegaram até aqui e estão curiosos, explico a razão do post gastronômico. Escrevi um post sobre o quão nocivo pode ser o discurso de ódio na nossa sociedade. Sempre que escrevo, meus canais de divulgação são o Facebook, o Twitter e o WhatsApp. 

Num grupo de jornalistas do WhatsApp que eu participava, os moderadores me disseram que informações políticas estavam vetadas. Não vem ao caso dizer quem são os moderadores e qual era o grupo. Abaixo, transcrevo o texto que escrevi ao justificar minha saída. 

“Amigos, como acredito que o momento exige tomadas de posição, tendo em vista que a nossa profissão está sendo vilipendiada e ameaçada. Peço licença para sair do grupo. O silêncio também é uma posição política. Se vocês preferem isso, ok. Tenho o maior respeito pelas opiniões do restante do grupo. Uma jornalista sentada no Leblon sendo ameaçada por estar com adesivo do HAddad é assustador. Não me calarei. Há outros canais de divulgação. Um grande abraço. Que o jornalismo não morra, nem a opinião diferente”. 

Escrever sobre arroz de polvo num momento como esse é também uma tomada de posição política. Às vezes o silêncio é a mais eloquente das manifestações. Só não dá para se dizer enganado depois. 



Bolsonaro e seus monstros já estão soltos

A certeza da vitória está fazendo com que Jair Bolsonaro perca o freio. A recente declaração que no seu governo os opositores iriam para fora ou seriam presos pareceu uma evocação do velho lema: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. 

Impressiona como o candidato do PSL atingiu a fase “teflon”. Nada cola nele. Sua rudeza, grosserias e barbaridades passam incólumes. Gostaria de reiterar, haverá as digitais de todos que votarem nele se o pior vier a acontecer. 

O clã Bolsonaro está inspirado. O filho Eduardo disse que só precisaria de um cabo e de um soldado para fechar o STF. Como a suprema corte está tão frouxa não enquadrou o parlamentar. Ele está sugerindo que cercearia o judiciário e vossas excelências não tomam atitude. Os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio e a ministra Rosa Weber responderam palidamente.

Enquanto Bolsonaro espalha bravatas pela internet e incita o ódio pelas redes sociais, um estudante da Unirio foi agredido por um seguido da seita bolsonarista com uma barra de ferro. 

Os fascistas estão soltos. Perderam a vergonha e os irresponsáveis líderes da seita em vez de baixar a fervura, banham de álcool a chama da intolerância. 

O ministro do TSE que retirou a propaganda do PT em que Bolsonaro idolatrava um torturador deveria se pronunciar sobre a ameaça velada de fechar o STF feita por Eduardo Bolsonaro. Vivemos tempos sombrios pela promessa de perseguição política feita pelo chefe da seita. 

Em meio a isso, a neutralidade é impossível. Não pode haver indiferença com as manifestações do candidato. Os cálculos políticos do PSDB e do PDT em não subir no palanque podem ser abortados se um projeto totalitário se estabelecer. 

O monstro emergiu. Talvez tenha colocado a cabeça para fora nas manifestações de julho de 2013. Se o ativismo comemora aquele momento como a primavera dos militantes, uma visão menos apaixonada pode mostrar que o povo nas ruas acordou anjos e  monstros. Os monstros, amigos, não querem voltar para a casa. Preferem andar por aí agredindo opositores, gays e mulheres. Coagindo pessoas pelo simples uso de adesivos do candidato adversário. 


domingo, 21 de outubro de 2018

Tortura não é fake news - O perigo do excludente de ilicitude

Jair Bolsonaro foi ao microfone da Câmara dos Deputados, votou favoravelmente ao impeachment de Dilma Roussef e dedicou o voto à memória do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. Isso é um fato, não é fake. 

O candidato do PSL já fez apologia à tortura em diversos momentos de sua campanha. Então é incompreensível que o ministro do TSE  Luiz Felipe Salomão mande retirar do ar a propaganda do PT que mostra Bolsonaro glorificando Ustra. Na peça de propaganda, aparece o depoimento da escritora Maria Amélia Almeida Telles, uma das vítimas do coronel torturador. 

Além disso são exibidas cenas do filme Batismo de Sangue, de Helvécio Ratton. A obra mostra de maneira didática o que é tortura. O filme até “atenua” o que de fato ocorreu nos porões do regime. Além de peça de campanha, a propaganda do PT deveria servir como aula de história. 

No entanto, o magistrado, inexplicavelmente, mandou retirar a peça do ar. Ele alega que a “distopia simulada na propaganda pode criar na opinião pública estados passionais que podem incitar comportamentos violentos”. 

Ou seja, o ministro responsabiliza também a propaganda petista no caso de agressões ocorridas nas ruas. Ministro, não ocorreu uma “distopia simulada”. Foi distopia real. O estado brasileiro assassinou nos porões e na  Guerrilha do Araguaia. Tendo em vista o grau de desinformação da população brasileira, faz-se mais do que necessário mostrar o que Jair Bolsonaro defende. 

O TSE parece ter levantado a “venda” que encobre os olhos da justiça. A tortura não foi fake news. A ditadura ocorrida no Brasil não foi “distopia simulada”. 

É bom entender quem é o ídolo de Bolsonaro, para compreender onde ele quer chegar ao defender o “excludente de ilicitude” nas operações policiais. Bolsonaro quer transformar a violência policial em lei. A Guerrilha do Araguaia talvez seja a maior prova prática do que é o “excludente de ilicitude”. O governo Medici matou dezenas de guerrilheiros em 1973. Segundo os relatos, alguns foram mortos mesmo depois que se entregaram, infringindo a Convenção de Genebra. 

Quando vai ao Bope e promete se empenhar para aprovação do “excludente de ilicitude”, o líder das pesquisas mostra sem vergonha alguma seu lado. Então é necessário mostrar o que representa este lado. 

O senhor ministro do TSE acabou censurando trechos de um filme e o depoimento de uma vítima de Ustra, que ao não poder denunciar o que viveu, transforma-se em vítima do torturador novamente. Talvez inspirado no discurso do candidato a quem sua decisão favoreceu, o ministro resolveu experimentar uma volta ao passado sonegando o direito da informação a quem é ignorante sobre o que aconteceu. 

Jair Bolsonaro, um capitão reformado, foi ao Bope e exaltou os capitães. Como disse minha amiga Carla Rodrigues, lembrou até o movimento dos tenentes na política brasileira. Os tenentes da década de 30 transformaram-se nos generais que comandaram o país na ditadura começada em 1964. Capitães são os postos imediatamente acima dos tenentes. Neste sentido houve uma “promoção” no movimento militar. Nas cortes do país também existe uma hierarquia. O STJ é a instância imediatamente abaixo do STF. Quando se passa de uma casa a outra pode ser considerado que houve uma promoção. E o nome para o Superno é uma indicação do presidente da República. 


sábado, 20 de outubro de 2018

Os preços no mundo da lua

Um pedaço da lua foi vendido por US$ 600 mil. O meteorito pesa 5,5 kg e foi encontrado na Mauritânia no ano passado. Um grupo religioso comprou o pedaço de pedra e vai deixá-lo exposto num templo no Vietnã. 

Essa notícia traz algumas implicações. A primeira e mais pragmática. Os preços praticados na lua são inviáveis. São cerca de R$ 2,2 milhões por um pedaço de pedra de 5,5 kg. Para que o leitor tenha uma ideia, esse meteorito custa o mesmo que um apartamento de 100 metros quadrados no Leblon. Fazendo uma projeção, um lote de 100 metros quadrados na Lua deve se aproximar da casa do bilhão de reais. Ou seja, a especulação imobiliária já começa a deixar suas marcas no nosso satélite natural. 

Outra implicação é o fim do romantismo com a lua. A idílica cena de casais enamorados a contemplar o luar vai perder todo charme. É impossível manter qualquer idílio pensando num lugar em que um pedaço de pedra de 5,5 kg vale a mesma coisa do que um apartamento de 100 metros quadrados no Leblon. Se não existe amor em SP, certamente não existe amor na Lua, ainda mais a esse preço. 

Um pedaço de pedra que vale US$ 600 mil pode gerar a cobiça nas empresas que vivem do capital especulativo. Vender títulos imobiliários da lua, algo que era visto como uma espécie de conto do vigário, pode ser um negócio muito vantajoso. Só seria necessário definir a quem pertenceria a lua. Aos EUA, o primeiro país a ir lá? Seria de algum príncipe árabe, que em fase de diversificação de investimentos, deixaria de comprar times de futebol da Europa, para se apropriar de lotes lunares. Minha aposta seria a China. Eles estão comprando tudo, além disso, o grande número de chineses na Terra provoca a necessidade de buscar opções. 

A partir da definição da propriedade da lua, viria a inevitável cobrança de royalties pelo uso da marca. Todas as musicas com a palavra lua, em todos os idiomas, deveriam parar de ser executadas. A menos que houvesse um acordo com os donos do satélite. Deveria haver a montagem de ECAD planetário para agilizar as cobranças. Talvez isso complicasse um pouco a arrecadação. 

A viagem que os pombinhos fazem depois do casamento teria que mudar de nome. Aquelas pessoas consideradas loucas não poderiam mais ser chamadas de lunáticas, já que seriam registradas todas as palavras relacionadas. 

A venda de um pedaço da lua de 5,5 kg por US$ 600 mil ensina que o preço de alguma coisa depende da oferta dela no mercado. O que hoje é o mais comum dos objetos, daqui a 200 anos pode valer uma casa. É impossível separar o objeto do contexto em que ele está. São as pequenas lições que o capitalismo nos dá. 

Esse texto escrito levianamente como exercício de futurologia nunca ganhará o valor de inestimável obra literária. Mas poderá parecer óbvio daqui a 100 anos, quando até a lua terá donos. Imaginem as almas de quem por aqui estiver. 

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Sou jornalista com muito orgulho

Acho que não lembro mais quando desisti de ser super herói para me tornar jornalista. Em 1986, aos 15 anos, eu era editor do Barbosinha, publicação da Biblioteca Infantil Maria Mazetti , da Fundação Casa de Rui Barbosa. Com 16 anos, publiquei minha primeira matéria na grande imprensa. Foi na Revista Amiga, mas como ghost-writer. Meu irmão da vida, Marcelo Passamai, trabalhava na revista de fofoca da Bloch Editores e me arrumou este frila. Aos 47, passados 31 anos, meu “crime” prescreveu. A verdade é que sempre alimentei este sonho, viver de narrar histórias, de jogar luz onde muitos queriam escuro. 

Sou jornalista com muito orgulho. Acho que o tenebroso momento que o país enfrenta faz com que a confirmação da fé na minha vocação seja mais do que necessária. 

Vou usar um caso contado por um de meus mestres na profissão. Ele me disse que no meio de uma discussão de família, ouviu a sentença: “a culpa é da imprensa”. Com sua ironia peculiar respondeu: “quando se faz a reunião de pauta o primeiro item é ‘como vamos ferrar o povo hoje’. Na reunião da tarde vem a avaliação a respeito das matérias em que alcançamos nossos objetivos de ferrar as pessoas”. 

Os seguidos ataques que a categoria recebe me fazem lembrar Chico Buarque, mais especificamente na canção Geni e o Zepellin. Para quem não conhece, a música é assim: uma travesti, que era considerada a escória da sociedade, salva a cidade da destruição. No momento em que ela era necessária, o juiz, o banqueiro e o bispo se uniram para pedir que ela cedesse aos anseios sexuais do comandante do Zeppelin. Depois que ela impediu a destruição do local, volta a ser amaldiçoada. 

O jornalismo vive seu momento “Geni”. Na verdade, em muitas outras oportunidades da vida nacional a sentença “a culpa é da imprensa” já foi proferida. Neste momento em que os ataques à profissão estão ocorrendo inclusive de dentro dela, é necessário lembrar: nunca o jornalismo profissional foi tão necessário. 

Solapar o jornalismo é fazer o jogo de quem quer transformar a guerra de informações numa batalha sangrenta e suja. E nesta batalha,  a sociedade será derrotada. A profusão de fake news tem na desvalorização do papel do jornalista profissional uma de suas razões. 

O raciocínio é simples. Todo mundo acha que pode ser jornalista. Na verdade, por debilidade das grandes empresas de comunicação, foram instituídas seções do tipo “eu-repórter”. Isso empodera o público e dá a ele a errônea impressão que está plenamente apto a reportar notícias. Não há ética, tampouco responsabilidade ou critérios de noticiabilidade com o conteúdo passado. 

Outro dia ouvia uma emissora jornalística e o âncora do noticiário falava sobre uma operação policial. Ao final da nota, o jornalista pedia ao público fotos para ajudar a rádio na produção do conteúdo. Ou seja, por falta de braços, os barões da mídia insistem em “terceirizar” a função de garimpar, apurar e transmitir notícias. 

Põe-se o conteúdo no ar, se estiver errado, corrige-se. Nessa operação são jogados no lixo alguns preceitos do jornalismo como a apuração e a checagem e, consequentemente, a credibilidade. Então, empoderado por sentir-se um repórter,  a pessoa começa a espalhar por suas redes de contato as informações. Ela já percebeu que pode passar informações confiando no seu olhar. Como é uma pessoa “bem informada” vai começar a procurar abastecer sua rede de contatos com notícias. Se a emissora que antes ela“ajudava” não checava o que botava no ar, agora,  se sente livre para não checar também. E vem daí uma das causas da disseminação de fake news. O artigo da jornalista Maria Carolina Santos - O jornalismo não vai nos salvar do WhatsApp- (https://jornalggn.com.br/noticia/o-jornalismo-nao-vai-nos-salvar-do-whatsapp-por-maria-carolina-santos) se aprofunda mais no tema. 

Dizer que o jornalismo é culpado pelo surgimento de Jair Bolsonaro é impreciso. A primeira coisa necessária é separar jornalismo profissional dos interesses das corporações midiáticas. 

Os donos dos veículos entediam que tinham nas mãos um negócio da China. Conseguir milhares de colaboradores, que lhes forneceriam conteúdo e não cobrariam por isso. Os financistas da comunicação esqueceram uma das premissas do mundo capitalista: “não existe almoço de graça”. Agora, o ovo da serpente que criaram estourou a casca. Os colaboradores resolveram se arvorar de produtores de conteúdo. Não precisam mais da mediação dos veículos tradicionais. Em última análise, aumentaram a crise de credibilidade das grandes empresas. 

O escândalo do disparos de fake news patrocinado por apoiadores de Bolsonaro é outra face desta crise. O descrédito nos grandes meios e a confiança cega na mensagem passada por alguém próximo dão um tiro na democracia. Jair Bolsonaro percebeu a porta aberta, meteu o coturno e a escancarou. Percebeu o que o público fazia e atuou. 

Não adianta correr disso, os anos passam, mas na hora da busca pela objetividade e pela justiça nos fatos só há uma jeito: Jornalismo neles! Só isso salva a gente no fim do dia, tal qual o Superman fazia. Um jornalismo perdigueiro, cidadão e inconformado. Um jornalismo independente, praticado fora dos grandes veículos, o jornalismo produzido nas brechas que os interesses dos donos dos meios permitem. Um jornalismo bendito, que apesar das tentativas de destruição, “samba na lama de sapato branco”, protegendo nossa sanidade e restituindo nossa crença na realidade. Sem dúvida, uma autocrítica do jornalismo é necessária, autocrítica necessária para tudo na vida, aliás. Eu não desisto do jornalismo, porque ele é a luz no fim das trevas da desinformação.