quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Distanciamento social e isolamento acústico


O vento da manhã ensolarada de inverno ameniza o que poderia ser um dia infernal no Rio de Janeiro. A paisagem é um convite à contemplação. No entanto, apesar de estarmos em setembro, a primavera não chegou e nem tudo são flores. 


O silêncio vez em quando era quebrado no que eu inocentemente pretendia  uma manhã de relaxamento. A leitura matinal dos sites informativos deixava a cabeça em tempestade. Mas decidi que nada iria me tirar do eixo. Ledo engano. 


A seis metros de mim, um cidadão começou a conversar sobre seus clientes. Ele  pediu então ao interlocutor que “vá com o pé no peito do Eduardo”. Não fazia ideia de quem seja o Eduardo, mas temi pela integridade moral dele após um pontapé no peito, típico de Bruce Lee. Bem, isso é vintage, hoje em dia a metáfora se aplica ao lutador de MMA Jon Jones. O orador violento interrompeu a conversa, pois teria outro “call”. 


A uns 4 metros, logo dentro de um distanciamento social, uma moça no início de seus 20 anos discutia algumas agruras de seu trabalho. Depois falou de catuaba e roda de violão até altas horas. Terminada esta etapa voltou às atividades e deixou de informar o status de sua vida profissional e social. 


Com os dois sossegados, pensei que minha manhã ficaria tranquila e a brisa pudesse embalar até um fortuito cochilo, tendo o vento como trilha sonora. Ledo engano 2. 


Quando fechei os olhos, o sopro claudicante de uma flauta entoava Anunciação, de Alceu Valença. Uma menina de uns 10 anos treinava a música, com o olhar complacente de dois adultos e o desespero de alguém que gostaria de relaxar. 


Chego à conclusão de  que o distanciamento social deveria vir seguido de um isolamento acústico. A manhã passou, o cochilo acariciado pela brisa leve não aconteceu e a tarde me reservava uma sala de aula virtual, que para minha sorte, eu gosto de estar. E o mau humor que me cercou parecia a rabugice de alguém que está cada vez mais impaciente com o passar do tempo. É, velhice, “tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais.