domingo, 30 de dezembro de 2018

Reagir, caminhar e voar

Revendo um filme antigo percebi uma boa metáfora para o ano que está terminando. Um grupo de homens crucificados começa a cantarolar uma musiquinha em que se diz algo como “devemos ver o lado bom da vida”. A cena está em A Vida de Brian, filme do grupo inglês Monty Python, de 1979. 

O ano que chega ao fim nos trouxe até aqui. A oferta da cruz parece ser a mais latente. Mas o riso faz com que a gente consiga cantar na hora da crucificação. Afinal, de um jeito ou de outro, fatos como continuar respirando, arrumar tretas nas redes sociais e receber boletos para pagar mostram que ainda estamos por aqui. Levando no lombo, com o prego nas mãos, mas vivos. 

Mandei os cumprimentos de Natal para uma querida amiga e ela me respondeu: “Que bom te ver vivo”. Não é pouco estar vivo. De quando em vez falo do meu infarto. Talvez escrever sobre o assunto de forma jocosa ou dramática nada mais seja do que  a tentativa de desentupir as artérias e impedir outros eventos cardíacos. Tanto quanto as artérias que irrigam o coração, quero deixar o fluxo livre nas artérias que irrigam a alma. 

Viver não é se conformar com o “pelo menos”, é antes de tudo saber a hora do mergulho e a hora de ficar no barco. Entender as brigas que valem a pena brigar e aquelas que o silêncio nos faz vencedores. 

De um outro querido amigo ouvi: “coragem para os novos tempos”. Coragem é fundamental em todos os tempos. A palavra da vez para mim é resiliência. É não deixar que a desesperança faça morada na minha rotina. 

A vida é paradoxal. Exige de nós raizes profundas para erguer uma árvore frondosa, no entanto, a existência requer asas fortes. Então seremos árvores com asas a voar por aí precisando ser ao mesmo tempo raiz e ave migratória. 

Ninguém falou que ia ser fácil. Nunca é. Os anos passam cada vez mais velozes. E como disse outro amigo, temos uma relação volúvel com eles. Começamos idílicos durante o verão, esfriamos paulatinamente no outono e no inverno. Apesar das flores nascendo, a primavera marca a saturação do nosso relacionamento com o ano. Quando volta o verão, reacendemos a chama para a virada no calendário. 


Sempre teremos a opção de cantarolar pregados na cruz e procurando enxergar o lado bom da vida. Que as cruzes do caminho, mais do que mortes, representem recomeços. Que as dores sejam do tamanho que a gente aguentar. E que as alegrias sejam intensas, mas que não tenham o poder de nos iludir. Pois enquanto há vida, há luta, a tristeza nos dá a perspectiva da alegria e o medo, inevitável, tem a nobre missão de nos lembrar como devemos ser fortes para reagir, para caminhar e para voar. 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Ressaca de Natal

Algum instituto de pesquisa deveria fazer seriamente um levantamento sobre o consumo e a venda de antiácidos nesta época do ano. Aliás, a indústria farmacêutica deveria investir maciçamente nas verbas publicitárias em dezembro. Com a honrosa exceção da Bela Gil, o restante da população brasileira  está neste momento curtindo a rebordosa alimentícia. 

Meu amigo Bruno Zolotar  faz aniversário hoje. Ao cumprimentá-lo recebi como resposta uma espécies de pedido de socorro: “não aguento mais comer”. Diante do desabafo do Bruno, pensei que além dos traumas de infância em receber um presente que reunia Natal e aniversário, existe o trauma alimentar. Você não consegue  nem chutar o balde direito, porque seu estômago e seu fígado ainda precisam de uma desintoxicação. 

O Natal parece nos dar uma licença poética para a glutonaria. É quase como uma viagem ao exterior. Para evitar o aborrecimento de converter o câmbio  e calcular as despesas em reais, você prefere entrar num jogo de fantasia. Então, paga 10 dólares num souvenir, que está longe de valer 10 reais. Na ceia de Natal aciona-se o mesmo dispositivo. 

Em condições normais você comeria um prato com dois pedaços de pernil, por exemplo. No entanto, existem muitas opções de proteína.. Tem pernil, tender, peru, chester e bacalhau. Toda escolha implica numa perda, e como Natal é época de ganhar, você faz pratos com todas as proteínas. Por menores que sejam os porções, são 4 refeições! 

Falei da ceia, mas existem as preliminares. Castanha do Pará e castanha de caju. O bacalhau vem representado de algumas formas. Pode ser bolinho, ou desfiado, a famosa “punheta de bacalhau”. Mediante tantas ofertas, a única opção é comer. 

Da mesma forma que a gente “esquece” que a conta das compras da viagem chega e a fonte de renda continua a mesma, a gente esquece que o estômago não dilata do jeito necessário para evitar uma azia. Neste momento, os antiácidos são a última solução. 

O pior é que em dezembro você não come apenas no Natal. No meu prontuário foram anotados três churrascos e quatro confraternizações noturnas. Amigos, não há estômago e fígado para resistir ao último mês do ano. Aos 47 anos, ainda não aprendi como passar incólume por essa glutonaria dezembrina. 

Por conta da idade e do meu evento cardíaco de maio, resolvi não ingerir bebidas alcoólicas. Em mim os efeitos estão menos graves do que em outros anos, pois não há o ingrediente alcoólico na minha ressaca. No entanto, na ingestão das comidas natalinas, mantive uma alta performance. E estou fazendo uso dos remédios indicados para aliviar os efeitos da orgia gastronômica. 

Não consegui escrever um texto natalino que falasse sobre a importância da renovação nesta época, nem mesmo algo sobre um jeito de evitar as tretas político-partidárias nos convescotes. Gente mais preparada do que eu já tinha escrito a respeito. Que todos guardem genuinamente no peito o teor das mensagens que enviaram e das fotos que postaram nas redes sociais. E que no próximo dezembro a gente coma com mais sabedoria para dar menos dinheiro à indústria farmacêutica. 




domingo, 23 de dezembro de 2018

O que a Família Real britânica ensina aos brasileiros

Confesso um certo fascínio pela rainha da Inglaterra. Coroada em 1953, das monarcas britânicas é  a que enfrentou mais mudanças em seu reinado. De todos os substantivos que podem ser aplicados a um ser humano, o que melhor se encaixa em Elizabeth é sobrevivente. Sim, ela é uma sobrevivente. 

Para usar um termo que aprendi com meus alunos este ano, maratonei a série The House of Windsor, no Netflix, e aprendi mais um pouco sobre a Família Real Britânica.  Voltarei à série em outros textos, mas hoje quero falar o instinto de sobrevivência que garantiu a dinastia Windsor na coroa. 

O avô de Elizabeth, George V, decidiu dar um golpe de marketing em 1917. A Família Real tinha o sobrenome Saxe-Coburgo Gota. Um sobrenome de origem austro-germânica. No entanto, a Primeira Guerra Mundial acirrou os conflitos entre alemães e ingleses. O exército germânico bombardeou Londres. Um rei com o sobrenome do inimigo não iria ser muito bem recebido. 

George V pensou na sobrevivência e ordenou que seus conselheiros encontrassem um novo nome para a dinastia. Descartaram vários como Stuart e Tudor. Depois de uma busca que parecia não ter fim, George V aprovou o sobrenome Windsor. Era 1917, no meio do conflito mundial, nos escombros de um país  assolado pela guerra, George V garantiu sua continuidade no poder. 

Se já fora esperto ao trocar de sobrenome, o avô da rainha Elizabeth teria que usar mais uma característica inerente aos seres humanos. Traduzindo para o português: farinha pouca, meu pirão primeiro. Por causa dos casamentos arranjados entre os nobres europeus, a maioria dos monarcas era parente. Por exemplo, a família Saxe-Coburgo, a que originalmente pertencia George V, tinha laços com a Família Real Brasileira. A irmã da princesa Isabel era casada com um Saxe-Coburgo. 

Nessa história dos laços de parentesco entre os nobres, George V era primo do czar Nicolau II da Rússia. Os dois eram muito amigos, há registros de cartas de George V revelando admiração pelo primo. Olhando as fotos chega a ser assustadora a semelhança entre os dois. Sentindo que sua cabeça corria risco, Nicolau pediu asilo político a George V. Dado o grau de cumplicidade entre os primos, a primeira resposta da chancelaria britânica foi sim, mas seria necessário perguntar ao Parlamento e ao próprio monarca. 

Mesmo com toda a “amizade” entre George V e Nicolau II, o asilo não foi concedido. Durante décadas se acreditou que o veto à chegada do czar se devera ao primeiro ministro. No entanto, correspondências reveladas posteriormente mostraram que temendo que os ventos russos chegassem a Londres, o próprio George V deixou o primo entregue à sorte. O fim da história é que ano seguinte os revolucionários russos mataram Nicolau II e a família. A Rússia virou União Soviética e a Inglaterra continuou Inglaterra. 

Ao longo da história golpes de marketing e traições salvaram pescoços. Quantos políticos mudaram de partido para que a sigla não os estigmatizassem? Inúmeros. Na traição de George V a Nicolau II há duas lições. Uma delas: o primeiro ministro David Lloyd George aceitou o papel de vilão para preservar o rei. A segunda, mesmo com a amizade e a cumplicidade aparente, George V não hesitou em deixar Nicolau II para trás na hora de preservar a própria coroa. 

Hoje em dia, a cumplicidade está em fotos e cargos de confiança, não mais em cartas, mas a saga continua. Arruma-se “laranjas” para levar a culpa com o objetivo de preservar o rei, no caso o príncipe. 

sábado, 22 de dezembro de 2018

Os 100 mil motivos para escrever

Mais certo do que o jingle de Natal da Leader é o especial de fim ano do Roberto Carlos. Ele é exibido desde 1974 na TV Globo. Roberto é um ídolo televisivo, explodiu na Record em 1965 e seu grande sucesso era Quero Que Vá Tudo Pro Inferno. Roberto e Record fazendo sucesso com algo que tenha a palavra inferno parece coisa de uma outra vida. 

No excelente O Réu e o Rei, de meu companheiro na PUC, Paulo Cesar Araujo, tem a história da canção “Eu Quero Apenas”. Roberto vinha tendo vendagens recordes, mas a mítica marca do milhão não chegava. A vendagem dessa quantidade de LPs virara uma obsessão. Então o cantor explicitou o desejo  no refrão da música: “Eu quero ter um milhão de amigo e bem mais forte poder cantar”. 

Mas esse texto não é sobre o especial do Rei, que aliás seguiu o roteiro de trazer a atriz de sucesso na novela das 21h para cantar. Ano passado foi Isis Valverde, esse ano, Marina Ruy Barbosa. Teve Michel Teló esbanjando carisma e uma sempre irretocável Zizi Possi. Bem, vou parar por aqui, pois eu disse que o texto não seria sobre o especial e acabei fazendo um resumo do programa. Muito sério isso de não cumprir o que prometeu. 

Esse post é para comemorar as 100 mil visualizações do blog. Há dois meses contava com essa marca, no entanto, mudanças no algoritmo do Facebook (minha principal fonte de divulgação) fizeram com que os números caíssem. Então o que seria algo de relativa facilidade foi se tornando uma meta inalcançável. 

Precisei escrever 368 textos para conseguir a marca (o que vocês estão lendo é o 369º). São 14 meses dedicando parte do meu tempo a essa atividade diletante de escrever sobre o que der vontade. 

Usei esse espaço para chorar, para vibrar, para matar saudade com lembranças doces ou para mostrar angústia com o rumo que algo estava tomando. Defini como cláusula pétrea deste blog a honestidade. Se não conseguir ser honesto com o que estou escrevendo, nem começo. 

Não tenho disciplina para essa contagem, mas acho que falar de mim, da minha família e dos meus amigos tomou boa parte destes textos. Talvez pela intensidade deste ano, alguns achem que falei de política demais. Destes 369 textos, se falei de política partidária em 20% foi muito. 

Já contei isso, mas o blog surgiu da sugestão de uma aluna que me alertou que textão no Facebook é ruim. Ao criar o blog aproveitei a melhor coisa proporcionada depois que deixei a Rádio Globo: a liberdade de expressar publicamente o que acho de alguma coisa. Neste espaço a linha editorial é minha. O compromisso é poder sangrar o verbo até que dele reste apenas emoção. 

A tarefa de escrever é inglória. A alma fica nua a cada letra. E o objetivo é que alguém leia. Se o texto transformar uma pessoa, fizer repensar uma atitude, provocar um sorriso ou uma boa lembrança, já valeu a pena ter escrito. São 100.000 visualizações. Escrevi com os 6 algarismos que a marca merece. 

Tem post patrocinado que chega a esses números em minutos, mas aqui o “patrocínio” é da dor, das lágrimas, do sorriso e das delícias da vida. São esses sentimentos que alimentam a minha escrita. A doce prepotência de achar que tenho algo a dizer. Ter 100 mil visualizações é uma meta muito mais modesta do que 1 milhão de amigos. Mas o cara é Rei, eu só tenho a velha calça desbotada. 



quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

O descaso está matando os peixes da Lagoa Rodrigo de Freitas

Está acontecendo mais uma mortandade de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas. Na tarde desta quinta-feira para fugir do transito infernal na Epitácio Pessoa, fui à pé de Ipanema ao Humaitá. Ao passar nas proximidades da curva do Calombo me deparei com um tapete de peixes mortos. 

Conversei com dois pescadores que olhavam desolados a fonte de seu sustento se perder. Eles me disseram que o canal do Jardim de Alah está fechado. Com isso, não há renovação no oxigênio da Lagoa. O resultado é o desequilíbrio do bioma. 

Mortandade de peixe não é novidade na Lagoa, no entanto, os pescadores me disseram que vinham alertando a empresa que o problema ambiental estava prestes a acontecer. Como resposta eles ouviram que era bom que morresse peixe mesmo, pois eles estão sem receber. 

No último dia 4 de dezembro o Jornal O Globo fez uma reportagem mostrando que o canal estava assoreado e dragagem, serviço de responsabilidade da Fundação Rio Águas,não estava ocorrendo. 

O mau cheiro já pode ser sentido e se não se tomar alguma providência os danos ambientais só tendem a aumentar. Enquanto cenário, o Rio continua lindo, mas como cidade, todos estão repletos de razão ao reclamar. Cadê o prefeito? Cadê o governador? Estamos abandonados. 

Amigos abastecem a alma

Esse é o 367º texto deste blog. Durante algum tempo mantive uma frequência diária nas publicações. Atualmente, existe alguma irregularidade, talvez para seguir as batidas do meu coração. O nariz de cera das primeiras frases é para explicar que em 367 textos, é impossível não haver repetições. 

Na vida a gente vai conhecendo pessoas e aprendendo. Esse aprendizado é como se fosse a água que enche a represa. Esse reservatório abastece a alma, por suposto. No entanto, se bem me lembro das aulas de hidráulica no Cefet, existe um cano chamado “ladrão”. Esse tubo serve para que o nível da represa não transborde. 

Neste ano, as divergências eleitorais serviram de “ladrão”. Até água, quando demais, afoga, inunda e mata. Água tóxica também é prejudicial. O botão de “bloqueio” nas redes sociais serviu de filtro para evitar contaminação da represa, no caso, nossa alma. 

Diferentemente de uma represa, que de tempos em tempos a água é totalmente renovada, na vida há “gotas” fundamentais que garantem ao longo da jornada o PH da vida. 

Essas “gotas” são famílias, amigos e mestres. Se você reparar bem, a partir de uma determinada idade, essas amizades fundamentais não entram mais na represa. No entanto há casos especiais. Amigos que “furam” essa barreira que o ceticismo, o cinismo e o tempo impõem ao ciclo de amizades. 

Tive sorte, conquistei algumas “gotas fundamentais” depois de adulto. Minha mulher define a pessoa a quem vou me referir agora como “seu amigo de adolescência conquistado na vida adulta”. 

Esse amigo faz aniversário hoje. Ele se chama Alexandre Caroli. Poderia me lembrar de inúmeras passagens com ele ao longo dos últimos 20 anos. Vou destacar três. Teve a vez em que ele entrou comigo no carro e disse: “vamos lá. Vou pegar uma carona com você para ver como você está dirigindo”. Eu tinha tirado a carteira há pouco menos de um mês. Fora minha mulher, ele foi a primeira pessoa a se arriscar no banco do carona. Como é inerente a essas ocasiões, levou vários sustos. 

Assisti com ele a final da Mercosul de 2000. Aliás, a final aconteceu em 20 de dezembro. Aquele jogo mágico em que o Vasco virou pra cima do Palmeiras. No primeiro tempo me deliciei com os 3 a 0 do Verdão. No segundo, foi aquele milagre operado por Romário e Juninho Paulista. Ele vibrava quase irracionalmente com a vitória. Uma das crenas Inesquecíveis foi vê-lo esticar a camisa polo azul e, como se estivesse comemorando um gol, gritar : “Isso aqui é Vasco”!

Por último, vou falar de uma cena mais séria. No dia 8 de maio estava saindo da sala de cirurgia. Tinha acabado de fazer um cateterismo. Quando entrei no quarto, o primeiro rosto familiar foi o da minha mulher, companheira de todas as horas. Mas o segundo foi o do Caroli. Assim que ele soube, correu para o hospital. 

Hoje a gente é comparsa num podcast e poderá haver muito mais projetos por aí. Parabéns, irmão. Tudo do melhor. Você merece  

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Manhã clássica no Rio de Janeiro







Demorei 1 hora para percorrer uma distância de 17 km entre a Barra e a Lagoa. Mesmo sendo de humanas, é fácil calcular que fiz uma média de 17 km/h. É dezembro, já me acostumei com o mundo de carros na cidade nesta época. Agradeci mentalmente por não fazer esse percurso diariamente e tentei me munir de resiliência. Esta, aliás, a palavra do ano para mim. 

Como estamos em “novos tempos” no país, resolvi aguçar meu olhar para a cidade que me cercava e entender o que já estava mudando. Não me restavam outras opções. Era só embreagem, primeira, freio e ponto morto, um clássico nas manhãs cariocas. 

Na Avenida Niemeyer olho para a minha esquerda e vejo um intrépido ciclista ultrapassando os carros. O homem sem camisa, montado na “magrela” laranja do banco -Ainda se chama bicicleta de magrela no século XXI? - a cena poderia ser ecologicamente correta  e tal se à minha direita não estivesse a Ciclovia Tim Maia. Pensei: o cara está errado, não pode andar na rua com a ciclovia do lado. Esse pensamento não durou nem o tempo da conclusão da frase. Lembrei que na referida ciclovia há dois trechos interditados, morreram duas pessoas por causa de um acidente inaceitável e na semana passada havia um jacaré passeando. É, com a prefeitura do Crivella, é melhor se arriscar no meio dos carros (é bom lembrar que a ciclovia e o acidente ocorreram na administração de Eduardo Paes). 

Continuei minha saga. Trânsito lento, sol escaldante e uma paisagem de tirar o fôlego.    O fluxo de veículos diminuiu. Segui pela Delfim Moreira e acessei o Jardim de Alá. Na esquina com a Visconde de Pirajá o trânsito fica novamente complicado. Um caminhão impunemente estava em cima da faixa de pedestres descarregando mercadorias para um restaurante. Não havia um guarda municipal para impedir a irregularidade. Por causa da “operação descarregamento”, fiquei preso durante dois sinais verdes sem poder andar. 

Entrei na Epitácio Pessoa. Virei à esquerda em direção ao Parque dos Patins. O trânsito no entroncamento da Mario Ribeiro com Borges de Medeiros é para fortes. No entanto, há um atalho para os sem ética. Pegar o acostamento usado para quem vai entrar no Lagoon. Pela economia de parcos 30 segundos, incontáveis motoristas se metem a “ixpertos” e cortam o caminho por ali. O resultado é mais um gargalo no trânsito entupido do Rio. Cheguei ao meu destino num misto de iritacaca e alívio. 

Antes de mergulhar na piscina, decidi despejar a quantidade de pequenas atitudes que num olhar superficial pude perceber. A julgar pelo veredicto das urnas, votamos contra tudo isso que está aí. No entanto, não olhamos nossas pequenas corrupções. Nossos pequenos atos egoistas que complicam mais a vida de todos. Queremos alguém que redima nossos pecados, mas não colocamos arrependimento e empatia na equação. Somos hipócritas. O erro está sempre lá, nunca está aqui. 

Bom, cansei das coisas chatas. Em uma semana estaremos todos empanturrados precisando de Sonrisal. Então, o negócio é não se aborrecer e praticar nossos pequenos delitos. 


segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Hemograma 2019 no Instagram

Me libertei do gel no cabelo. Nos últimos 10 anos não havia um compromisso em que eu não colocasse gel. Não gostava do meu cabelo caindo na testa. No meu entender, isso achatava minha cabeça. E como estou bem bochechudo, não gostava da imagem no espelho. 

No entanto, este ano comecei a olhar para minha filha e como ela fez questão de deixar o cabelo crescer. E o cabelo crescia lindo e cacheado. Orgulhosamente, ela adorava o comprimento  do cabelo e os anéis formados. 

Meu filho também resolveu deixar o cabelo crescer. E os cachos também se rebelaram na cabeça. Ele não estava ligando para pente. Passava as mãos no cabelo após o banho e se dava por satisfeito. 

E lá fui eu, do alto dos meus 47 anos e um stent na artéria circunflexa me mirar no exemplo dos filhos. Resolvi que o que restava dos meus cabelos seria domado apenas pela tesoura, quando necessário, e pelo pente. 

Meus cabelos começam a rarear, principalmente as entradas da frente. Também começam a ficar brancos nas têmporas. Não tenho nada contra quem faz, mas meus cabelos ficarão na cor que a natureza os quiser. Não pintarei. 

Aceitar minhas características capilares foi uma das resoluções neste 2018 complicado. Eu sigo tentando reinvenções, soluções e temperança. A pressão arterial atesta minha resiliência. Espero que minhas asas sejam fortes para a duração dos voos que eu me meter. 

Uma das metas para 2019 é aprender a nadar decentemente. Não morreria afogado numa piscina, mas gostaria de ter a desenvoltura da minha mulher na água. Seria bom, pois é uma atividade de baixo impacto. Além do mais, com a temperatura média na mui amada cidade de São Sebastião, existem poucos lugares mais adequados para estar do que numa piscina. 

Já estou até pensando no figurino. Uma toquinha para proteger meus cabelos do cloro. Afinal, mesmo aceitando o destino capilar que a natureza me impuser, não preciso antecipar a queda das madeixas. 

Quem sabe não acabo com um perfil no Instagram dando dicas aos homens de meia idade de como aceitar a cor e quantidade de pelos na cabeça. Ou pelo menos melhoro meu colesterol bom e meus índices de vitamina D. É isso, 2019 será o ano da procura pelo hemograma perfeito. 


domingo, 16 de dezembro de 2018

O jornalismo, Steve Jobs e as árvores

Estava vendo um documentário  sobre Steve Jobs. Numa das cenas resgatadas, o  fundador da Apple faz sua entrada na conferência anual e é ovacionado. Na primeira fila, um homem aparentemente mais maduro era o único a não aplaudir. Ele tinha um caderno de notas. Olhei para o meu filho e disse: aquele ali é o jornalista. 

Por mais que admiremos alguém, e o mito criado em torno de Jobs é admirável, o velho jornalista me lembrou que a profissão também engloba desafinar o coro dos contentes. 

E uma das coisas que o filme, que já tem algum tempo, mostra é que Jobs era frio, maquiavélico, intimidador de jornalistas, explorador das relações quase servis dos trabalhadores chineses, entre outras coisas. Curioso, pois escrevi esse texto num dos equipamentos inventados pela equipe do empresário. O paradoxo faz parte do viver. 

E o jornalista está lá. Ele vai fazer as perguntas incômodas. Porque se não houver perguntas incômodas, as pessoas públicas agem ao seu bel prazer. Então, não adianta fazer carinha feia, esbravejar e fugir. Os jornalistas estarão lá para ser aquele calo que mostra a necessidade de andar direito, para que a pessoa não se machuque. 

Orgulhosamente, faço parte desta tribo. E honestamente, não gosto de conselhos sobre o que não devo falar. Prefiro sugestões sobre assuntos que devo me debruçar. Dessa forma, posso aceitar ou descartar a ideia. 

Steve Jobs intimidou jornalistas que fizeram uma reportagem sobre um I-Phone em fase experimental esquecido num bar. A intimidação foi tão forte, que até a polícia invadiu a casa do repórter. 

Um dos entrevistados do filme disse que todas as vezes que fez reportagens com críticas à Jobs, havia inúmeros comentários desancado o artigo. O documentário não levanta essa questão, mas hoje, diante do que ocorreu nas eleições americanas e nas do Brasil, não duvido de robôs, ou de milícias virtuais tentando desacreditar as matérias contra Jobs. Ele era tão visionário, que mesmo morto em 2011, pode ter inventado essa estratégia. 


Além do documentário, vi no mesmo dia um filme sobre Jobs. Uma das frases do filme é emblemática: “Deus mandou seu filho único em uma missão suicida, e todos gostamos dele porque nos deu árvores”. Logo, dependendo das árvores que recebemos, esquecemos do sacrifício a que poderemos ser forçados. A frase de Jobs era cínica. Seu cinismo o levou longe, mas o fez ter uma péssima relação com a filha mais velha. Nem todas as “árvores” valem o sacrifício. Só as de verdade. 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

João de Deus e a cultura do estupro

A filha do médium João de Deus revelou que foi abusada dos 10 aos 14 anos. São mais de 200 mulheres com acusações de abuso a ele. Depoimentos contundentes, em que ficam evidentes o quão vil e baixo João é há décadas. 

A sociedade tem que parar de nutrir a cultura do estupro. O comportamento de culpar a vítima recorre a pergunta: porque a primeira mulher abusada não denunciou? A resposta está na pergunta. Porque ninguém acreditaria. Foi necessário que varias delas tomassem coragem para revelar que o médium é na verdade um abusador da pior espécie. 

Por certo, os fatos denunciados provocam  repulsa, tristeza e uma sensação que não há reparação possível. No entanto, a ferida aberta pode piorar. Uma passeata organizado por seguidores de João de Deus prestou solidariedade ao médium. Dentre os manifestantes estavam os donos de pousada de Abadiândia. Ou seja, em nome dos negócios, os donos de pousada se solidarizam com um personagem responsável por mais de 200 abusos contra mulheres, dentre as quais, sua filha! Minha filha, com a militância inerente aos nossos tempos, já aos 13 anos, emendou: “que ódio, ridículo”. 

O que fizeram esses manifestantes foi tornarem-se cúmplices nos crimes de João de Deus. Esse monstra tem que ir para a cadeia e pagar pelo mal que causou a essas mulheres. A punição tem que ser exemplar. 

E o cinismo do “médium” é atroz. Pediu que agora seja filmado durante as consultas para mostrar que não comete abusos. João de Deus, neste momento, a contribuição que você pode dar ao mundo é ir para a cadeia. 

Se a justiça não tomar providências, João de Deus vai escapar. É rico, poderoso e influente. Provavelmente, aos 76 anos, sabe que o encarceramento o aproximaria definitivamente do fim. Um homem, que se julga acima do bem e do mal, a ponto de abusar de mais de 200 mulheres, não vai passar seus últimos dias na cadeia. 

No entanto, talvez João de Deus não tenha com o que se preocupar. A cultura do estupro é leniente com os criminosos. Roger Abdelmassih está em prisão domiciliar. Depois de ter estuprado pacientes por décadas. 


Está nas mãos do judiciário, mostrar o quão grave ele considera o crime de estupro. Se as denunciantes são “histéricas e mentirosas”, ou se o estuprador é o mais vil dos criminosos. Enquanto a decisão não sai, milhares de estupros acontecem por aí turbinados por frases como:”Ah, mas também com aquela roupa”” Por que não denunciaram antes? Aí tem”, “Segurem as cabras, vou soltar meus cabritos”. Se você já falou uma dessas frases, tenho uma notícia: você incentiva a cultura do estupro. 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

A liberdade de voar

Muitas coisas estão povoando minha cabeça. Há pensamentos bons e pensamentos nem tão bons. É assim, o pensamento é algo incontrolável. Essa nossa incapacidade de controlar o pensamento pode ser comprovada em exemplos prosaicos. Sabe aquela música ruim, mas que o refrão é chiclete? Um desgraçado cantarola ao seu lado e zás, você fica o resto do dia com ela na cabeça. 

Então é isso, já estou conformado que meu pensamento é uma viagem involuntária por lembranças, músicas, mágoas e risos. Estou parado numa esquina da vida e ele vem de assalto e rouba a minha atenção. 

Admiro os que têm poder de concentração suficiente para “focar” numa questão é ir adiante. Sou prisioneiro da minha liberdade de pensamento. Até consigo por um tempo, mas depois, vem um trecho de música, o fragmento de uma imagem ou o começo de uma piada, que não consigo recordar totalmente, oe pronto, lá se vai o “focus pensanti”. 

Ando afastado do meu blog. Talvez não esteja conseguindo a dedicação necessária para escrever algo concatenado. Já me encontrei em situações mais extenuantes do ponto de vista físico do que a que me encontro atualmente. No entanto, do ponto de vista mental, sinto-me num tiroteio numa via expressa carioca às 14h45m. 

É a vida dupla. Trabalhos para corrigir e trabalhos para entregar. A gente é aluno a vida inteira. Troca a tarefa atrasada por uma atrasadíssima, até que a atrasada também fique atrasadíssima. Tem também a vida de freelancer, que acrescenta um pouco mais de adrenalina nesta jornada. 

Além disso tudo, tem um medo sempre à espreita. Essa dor no braço é do aparelho de ginástica ou é sintoma de outra coisa. O cansaço depois de um dia extenuante é normal ou pode ser o pifar da “bateria”. 

Mas no meio da incerteza, o trânsito na Lagoa está engarrafado. E o motivo é nobre. A Árvore de Natal voltou depois de dois anos. Trocou de patrocinador, está mais modesta, mas não menos imponente. 

Às vezes teorizo, levianamente, por certo, que o baixo astral que abateu a cidade também tem como ingrediente a falta do símbolo natalino na Lagoa. Cansei de ver gente de vários cantos da cidade  indo à Lagoa apenas para ver a Árvore. É um espaço de congraçamento. 

Árvore de Natal, independentemente de credo, lembra que o ano está chegando ao fim. E se algo chega ao fim, há um recomeço no horizonte. E o recomeço é sempre uma oportunidade para que o pensamento se liberte. E quando se voa, a liberdade é companheira. E numa boa, a gente precisa cada vez mais de liberdade para pensar e para sonhar. Isso não é mito. Isso é remédio pra vida. 


domingo, 2 de dezembro de 2018

Infiltrado na Klan, você precisa ver

O Nascimento de Uma Nação é um filme mudo americano dirigido por D.W. Griffith, em 1915. O filme é um libelo racista, que criminaliza negros e retrata a Ku Klux Klan como uma resistência branca à invasão de uma raça inferior aos Estados Unidos. No filme, um infiltrado na Klan, de Spike Lee, é reconstituída uma cerimônia de iniciação de membros da organização. Nela, ao final, os integrantes assistem ao filme de Griffith e urram quando as forças confederadas matam os negros, representados no filme por atores brancos pintados de negros. 

Muitos estudiosos exaltam o cineasta americano por ter criado uma narrativa de início meio e fim para os filmes, com a sua montagem. Em que pese a colaboração técnica de Griffith, o fato é que seu filme foi usado por fanáticos para defender o indefensável. 

Mais de mil pessoas foram mortas este ano na intervenção militar no Rio de Janeiro. São os chamados autos de resistência, quando as mortes ocorrem em confrontos com a polícia. A Guerra de Secessão ocorreu há mais de 150 anos, mesmo assim os métodos dos Confederados parecem atuais. 

Demorei a encontrar uma metáfora, mas a cena do deputado eleito Rodrigo Amorim quebrando a placa da vereadora Marielle Franco lembrou-me as cruzes queimadas da Ku Klux Klan. E os sorrisos cúmplices e de regozijo do então candidato Wilson Witzel e dos correligionários causou-me arrepios de medo. 

Aliás, Infiltrado na Klan é imperdível. Mas um conselho. Não veja de noite. Você pode demorar a dormir. Se você se tocar que na quinta-feira, dia 13, o AI-5 completa 50 anos, o mal estar fica pior. 

O Nascimento de uma Nação foi lançado 50 anos após a vitória das tropas do Norte sobre os confederados. E a obra de Griffith atacava o maior legado de Lincoln, o fim da escravidão nos EUA. 

Ainda neste périplo cinematográfico, vale falar mais um pouco do filme de Spike Lee. A essa altura você já sabe que a obra é baseado no livro de Ron Stallworth, um policial negro que liderou uma investigação sobre as atividades da Ku Klux Klan, na cidade de Colorado Springs. 

Há piadas no filme, mas as risadas são mais provocadas por uma reação nervosa, não são gargalhadas de prazer. Spike Lee avisa logo no começo que o filme é baseado “numas paradas que aconteceram mesmo”. Ao longo do filme você percebe que o diretor errou de propósito o tempo verbal. Baseado em “paradas que acontecem mesmo”. 

Ambientado na década de 1970, é possível ver cartazes da campanha de reeleição do republicano Richard Nixon colados nas paredes dos locais onde a KKK se reunia. Os discursos e saudações eram assim: “América em Primeiro Lugar”, “América, ame-a, ou deixe-a”, “temos que salvar a América branca e protestante”, “Temos que preservar os valores da família”. Troque o nome do país, pense nos 50 anos do AI-5 e depois sinta aumentar o bolo no estômago. O filme de Lee mostra o discurso insano da Klan, mas mostra que na América de Trump, as palavras ganham ressonância assustadora. 

Ao dizer que não vai demarcar terras indígenas e que os índios precisam “evoluir para se igualar a nós”, o presidente eleito do Brasil incorpora o discurso de D. W. Griffith, que o branco civilizado precisa entrar naquele terreno hostil para resgatar as terras da nação daquele bando de seres inferiores. 


O terreno já está preparado. Grileiros e jagunços ouviram como música a declaração sobre os índios. No entanto, enquanto houver Netflix, sofrência, litrão e futebol, ninguém vai se importar. A sociedade não se importa, na verdade. Lembra do massacre do Carandiru que teve 111 mortos? A sentença que condenava os 74 PMs foi anulada. Eles serão submetidos a novo júri popular. Enquanto isso, seguem impunes. E os mortos, como diz Caetano Veloso, são quase todos pretos. E em algum lugar se encontram D. W. Griffith, Spike Lee e Caetano Veloso. 

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O G-20 do príncipe e do topetudo

Acho que temos o vencedor do prêmio “Dono do maior abacaxi do ano”. E ele não poderia deixar de ser o presidente da Argentina, Mauricio Macri. Nesta sexta-feira começa na milongueira Buenos Aires a reunião do G-20, grupo dos 20 países mais ricos do mundo. 

Macri esperava chegar a este encontro com o país em relativa estabilidade econômica. No entanto, sua agenda liberal não surtiu efeito e a terra de Gardel passa por um período sério de recessão e pobreza. O resultado é que Macri está desgastado e não terá uma campanha tranquila na tentativa de se reeleger em 2019. 

E o argentino vive realmente seu inferno astral. River Plate e Boca Juniors vão decidir a Libertadores da América, em Madrid, após a vergonha protagonizado por imbecis torcedores do River, que atacaram o ônibus do Boca no acesso ao Monumental de Nuñez. 

No entanto, Buenos Aires será palco de um derby internacional muito mais perigoso e explosivo do que River e Boca. Estados Unidos e China, responsáveis por 40% da economia mundial, resolveram fazer biquinho um para o outro. Resultado, os rapapés diplomáticos serão inócuos e a expectativa é que a carta de intenções produzida no G-20 não passe de um bilhetinho muito do fajuto com parcas quatro páginas. 

Trump decidiu no meio do ano taxar produtos chineses. Pequim contra-atacou sobretaxando produtos americanos. E enquanto esse G-2 monopoliza o G-20, questões como o aquecimento global vão ficar para escanteio. Afinal o topetudo presidente americano não acredita nas mudanças climáticas, logo...

E para aumentar a encrenca do anfitrião Mauricio Macri, desembarca em Buenos Aires o príncipe da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman. Vossa majestade do petróleo é suspeito de ter mandado matar o jornalista dissidente Jamal Kashoggi, assassinado na embaixada da Arábia na Turquia. 

O príncipe desembarca em terras portenhas com a proteção da imunidade dos passaportes diplomáticos. Como está em missão, nada pode ser feito contra o príncipe. 

E o pior para o presidente Mauricio Macri. A polícia de Buenos Aires que não conseguiu fazer corretamente seu trabalho num jogo de futebol, terá que ter um sistema sem falhas para proteger os 20 estadistas mais ricos do mundo. Fico imaginando a pressão em cima do responsável pela segurança do G-20. A falha em River e Boca resultou num mico de tamanho estratosférico. No entanto, se algum dos chefes de estado se der mal, a incompetência da polícia argentina poderá resultar em guerra literalmente. 


Oremos. 

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Encerrar ciclos

Pessoas cruzam e descruzam nossos caminhos. Não há nada de novo nisso. No entanto, há aquelas que mesmo de longe velamos por elas e elas por nós. É importante não perdermos essas de vista, mesmo que elas sejam só silhuetas distantes. 

Todo período na faculdade que se encerra é assim. Na última aula há pessoas que você vai ver pela última vez. O final das aulas é o fim de um relacionamento coletivo. Nunca mais, àquelas pessoas estarão reunidas naquele contexto. 

Não há tragédia nisso. É um ciclo natural. As turmas se reúnem e suas dinâmicas são únicas. Não há uma turma igual a outra. Elas não se repetem nem se daqui a algum tempo forem formadas pelas mesmas pessoas. 

Não sou a mesma pessoa que fui ontem. Ninguém é. A vida é longa-metragem, não foto na estante. Esta frase guarda um pouco de saudade prévia e melancolia, dissolvidas nas lembranças das risadas, dos momentos tensos e dos desafios. 

Não é fácil estar na frente de 140 alunos por ano, sabendo que nunca seremos exatamente o que eles esperam. Seremos diferentes, ungidos pela imprevisibilidade que as relações humanas despertam.

Nesse tempo na estrada, aprendi que não posso barrar uma ideia ou bloquear um caminho. Devo aconselhar, mostrar que há opções. Achar o delta da equação da vida não é exato. As operações dependem do que aprendemos e do que estamos dispostos a aprender. 

A vida nos desafia a não sermos um desperdício de nós mesmos. E amigos, numa sala de aula, com jovens que têm menos da metade da sua idade, esse desafio se mostra mais intenso. 

Eles são reflexo do que você já foi. Mas na verdade com rugas  a mais e cabelo de menos, você se encontra num momento irmão ao deles.  A vida é o correr de sangue pelas artérias. E nos batimentos do coração moram desafios a cada passo. Tenha você 5 ou 50 anos. As perguntas que fazemos não mudam muito, as respostas que esperamos, sim.

Então, sonhe para não perder tempo sofrendo. Deseje pois a vida é breve, independentemente da duração. Não tenha medo de amar. Ande com sapatos confortáveis. E de vez em quando, tome chuva  você pode pegar um resfriado, mas não inventaram jeito melhor para lavar a alma. 

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Escola sem partido e sem alma

Numa vida passada, pensei que poderia ser compositor de músicas. Foi mais ou menos depois de desistir de ser o Super Homem. Outro dia revirei uns cadernos para ver o que escrevia há 30, 35 anos. Sim amigos, desafio folhas em branco há mais de três décadas. Ler os textos do passado pode provocar vergonha ou orgulho, que não são necessariamente sentimentos excludentes sobre o mesmo texto. 

Em 1987 eu tentava uma letra que era assim:  “em nome da moral e os bons costumes, acabam com a moral e os bons costumes. Invadem torturam e esmagam vidas sedentas de amor. Em nome do amor e a liberdade, acabam com o amor e a liberdade e abrem enormes feridas no peito dos mais machucados. Inventam doutrinas e leis esquecendo que o princípio é amar, inventam doutrinas e leis esquecendo que o princípio é amar”. 

Perdão pela pobreza do jogo de palavras. Perdão pelo “compositor” de 16 anos que cometeu esses versos. Eu lembro até da melodia que tinha em mente para a “canção”. Não estou lembrado é se cheguei a mostrar essa letra para o Roger, meu comparsa nessas aventuras musicais. 

O problema do pueril texto de mais de 30 anos é que ele me parece atual. A nova ordem decidiu cuidar da moral e dos bons costumes. Se o jornal publicar uma notícia que os desagrada, organiza-se uma onda de boicote das assinaturas. “Não é “normal” existirem casais homoafetivos. Então, vamos dificultar que eles adotem crianças. Não é possível que uma união promíscua possa dar boa formação a uma criança”. E lá se vão os valores tradicionais a impedir que crianças abandonadas tenham uma família. 

“Ah, meu filho precisa ter liberdade de escolher suas ideias políticas, as escolas não podem fazer doutrinação”. E nessa visão curta, começam as perseguições aos professores pois afinal “Escola ensina, família educa”, prega o movimento Escola sem partido. 

Ao coagir escolas e professores para que seus filhos não tenham contato com um conteúdo “tóxico”, país estão acabando com a liberdade da docência. O que se quer é um conteúdo asséptico, sem alma. 

Não existe essa separação entre educar e ensinar. As duas coisas estão intrinsecamente ligadas. Famílias e escolas precisam estabelecer uma parceria. Os pais não podem se comportar como bedéis a vasculhar o que é ensinado na escola. Eles devem procurar saber qual a proposta pedagógica da instituição de ensino, antes de matricular a criança nela. 

Muitos dos pais que vociferam contra os professores e suas teorias “esquerdizantes” são os mesmos que durante a semana chegam às 10 da noite de seus escritórios e não veem os filhos acordados. No fim de semana contratam babás para cuidar das crianças. 

“Em nome do amor e da liberdade, acabam com o amor e a liberdade”. A liberdade que a nova ordem prega é para alguns. Moradores de áreas periféricas continuarão sem liberdade. Continuarão a ser vítimas de um sistema que criminaliza a pobreza. Cidadania restritiva, cruelmente, é uma cidadania pecuniária. Quanto mais se tem, mais se é cidadão. Os comandantes da nova ordem “abrem enormes feridas no peito dos
 mais machucados”
 
A Bíblia anda mais valorizada do que a constituição. Muito se fala de reformas trabalhistas, políticas e previdenciárias, leis sobre o que não se pode falar, exibir e investigar. Não sei que Bíblia essas pessoas andaram lendo. Pois o princípio maior da Bíblia é Ama ao teu próximo como a ti mesmo. Na versão desse povo o mandamento foi atualizado. Odeie ao teu próximo se ele não for como você. 

A nova ordem nada mais é do que o velho reacionarismo espalhado pelos grupos de WhatsApp. O passado está sendo reescrito. O que era repressão virou ordem, o que era recessão virou austeridade e o que era ditadura virou democracia com governo forte. Por isso meus versos de três décadas atrás soam cruelmente atuais. 
I

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Antígona e o presidente da UDR

Antígona desafiou uma lei de Creonte para poder enterrar seu irmão. Atraiu para si o ódio real mas foi até às últimas consequências lutando pelo que acreditava.  Confesso que sempre achei a mitologia grega bonita, mas por absoluta falta de oportunidade, nunca me aprofundei no assunto.  Por causa do mestrado li as obras da trilogia tebana, de Sófocles (Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona). 

O professor Junito Brandao escreveu que Antígona representa a luta de um poder sem verdade e uma verdade sem poder. Acabo de ler a declaração do futuro secretário para assuntos fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia, sobre os assentamentos do MST. Disse o pecuarista presidente da União Democrática Ruralista:: “Haverá uma reforma agrária começando pela reestruturação do assentamentos que se transformaram em favelas rurais”. 

Garcia é bem explícito no que diz, a partir de agora o MST será criminalizado. Começará pelo MST, mas em alguns meses será assim com todos os movimentos sociais. O presidente da UDR quer que tudo seja dentro da lei. E quem faz o lobby e financia o poder legislativo? Os ruralistas. A lei natural em que todos no campo precisam de terra para tirar do solo sua subsistência se opõe à lei positiva de que as terras são de quem pode comprar. Essa oposição já está a em Antígona, escrita há 24 séculos. 

Outro aspecto da infeliz fala do ruralista é o termo pejorativo para se referir à favela. Em suas palavras estão implícitas as palavras extermino e erradicação. Favela deve ser integrada. É parte da cidade, onde moram pessoas que produzem riquezas para as cidades com a sua mão de obra, por exemplo. 

Todas as mazelas existentes em uma favela não estão lá por conta de quem mora e sim por quem não mora. Ou melhor, mora nos palácios e só aparece nela em época de eleição. Garcia disse que não haverá diálogo com o MST. Não há diálogo com moradores de favela. 

As manchetes daqui há alguns meses podem ser mais sangrentas e com falas menos estrepitosas. O massacre de El Dourado de Carajás correu em 1996 e deixou 19 sem-terra mortos. As mortes no campo nunca cessaram, mas correm um sério risco de se intensificar com o discurso da nova ordem. No campo e nas favelas, afinal drone e sniper podem atuar em qualquer lugar. 

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Os primeiros 25 dias do presidente eleito

Retomando as atividades do blog, resolvi pensar em algumas coisas sobre o que vem por aí. A despeito do meu voto, Jair Bolsonaro venceu as eleições presidenciais. Cinquenta e oito  milhões de pessoas escolheram-no. Outros 47 milhões de eleitores votaram contra. Os 40 milhões ausentes ou que anularam fizeram uma escolha de participação, o que é democrático. 

Dos jornalistas, a partir de agora, não se espera outra coisa, a não ser, jornalismo. Analisar, apontar acertos e erros na montagem do governo, por exemplo. Porque todos os governos acertam e erram na montagem da equipe. 

Na área econômica, o novo governo manteve a coerência da campanha. Deu carta branca ao “Posto Ipiranga”. Paulo Guedes está escolhendo para postos-chave nomes que teoricamente seguem o receituário liberal da Escola de Chicago. Haverá inclusive uma pessoa para cuidar das privatizações que o governo pretende fazer. Na mira para vender, “partes” da Petrobras, seja lá o que isso possa representar. 

Na Agricultura, escolheu-se a líder da bancada ruralista. Não se pode esquecer da expressiva votação que Bolsonaro conseguiu nos estado da Região Centro-Oeste. Obviamente, os grande proprietários fizeram intensa campanha para o presidente eleito, logo, é de se esperar que o “agronegócio” receba seu quinhão na administração que se inicia em janeiro. 

Para continuar falando do campo, a escolha de um pecuarista para tratar a reforma agrária mostra bem qual a ótica do novo governo. Poderia ter sido escolhido algum economista, técnico, que não tivesse apenas a visão do empresariado. No entanto, não foi bem isso que aconteceu. Isso sem falar no futuro chanceler que tem teorias econômicas exóticas. Afinal, ele declarou que a Revolução Francesa foi Marxista... 

A julgar pelas primeiras ações para montagem da equipe, o governo Bolsonaro vai ser muito parecido com o governo Temer na economia e muito parecido com o governo Collor nas relações com o Congresso. Nas pautas de costume se assemelha a Jânio Quadros. Espera-se que ele termine democraticamente seu mandato e passe a um sucessor escolhido pelo povo. Nenhum dos antecessores citados neste texto teve quatro anos de governo...