quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Noite de torcer pelo rádio


                        Edição Extraordinária 


Tenho dois bons motivos para torcer na noite desta quarta-feira. O Flamengo entra em campo para enfrentar o River Plate, na Libertadores. Se o Rubro-Negro foi o responsável por desapertar novamente o interesse na competição continental, em 1981, acumulou uma série de micos em edições posteriores. Mas este post não é para falar de Flamengo. 

Este texto é para registrar uma iniciativa ousada do site SRZD, do jornalista Sidney Rezende. Hoje acontece a estreia da equipe de transmissões esportivas com a narração de Evaldo José, comentário de Antônio Carlos Duarte e reportagens de Felipe Santos. 

Essa equipe era a base da transmissão esportiva da CBN, que buscava uma linguagem inovadora, com muita interação com os ouvintes. 

Sou suspeito, tenho uma amizade de quase 20 anos por Evaldo e Duarte. Estou torcendo descaradamente. O narrador que criou o “Que lindo” como grito de gol estava fazendo falta nas narrações de futebol. 

Tenho um carinho especial pelo SRZD, do qual fui chefe de redação há 10 anos. A Rádio SRZD é uma iniciativa empreendedora de Sidney, um jornalista que cria empregos para jornalistas e ainda acredita que essa profissão presta um enorme serviço à sociedade. 

A aposta de Sidney é ousada, mas é coerente, e na minha opinião, correta. É uma busca por um público mais jovem. A plataforma digital é o fórum onde vão acontecer todas as disputas por audiência, atenção e verbas publicitárias. 

Evaldo, Duarte, Felipe, Robson e Sidney, que esta seja a primeira de centenas de transmissões esportivas. A noite desta quarta será vitoriosa para quem torce pelo Flamengo, ou pelo rádio, ou pelos dois.

PS: acabo de saber que um dos meus mestres no jornalismo, Marco Antônio Monteiro, está coordenando a webradio garantia de qualidade jornalística. 

Melhor acordar antes de morrer de sede






A situação de desabastecimento na Cidade do Cabo me lembrou um filme de ficção científica. “Num futuro distante....”  O problema é que o futuro chegou. Diferentemente de uma mensagem publicitária positiva, o futuro chegou e mostra uma situação de extrema gravidade. 

Como recurso, as autoridades sul-africanas estão recomendando uma tática de “dedodurismo”. Pede que as pessoas fiscalizem seus vizinhos e impeçam que eles gastem água indevidamente. Para dar uma amenizada, recomendam que as pessoas não sejam agressivas e usem palavras amigáveis. 

No mundo de hoje, em que predomina o egoísmo, em que as pessoas “apontam o dedo” na direção das outras sem a menor cerimônia, é um risco o incentivo oficial a este tipo de atitude. Implementar uma fiscalização coletiva pode resultar na criação de tribunais paralelos. 

A reportagem de Sérgio Matsura, do jornal O Globo, informa que os moradores da Cidade do Cabo conseguiram reduzir o consumo nos últimos dois anos, mas mesmo assim, a medida ainda é insuficiente para evitar o colapso do desabastecimento. 

Engenheiros olham para o céu e torcem para que a chuva chegue. Os moradores do sertão brasileiro sabem bem qual é essa sensação. 

Na África do Sul são 4 milhões de pessoas se podem ficar totalmente desabastecidas em julho. O que a gente aprende com isso?

Continuamos a lavar calçadas com água potável. Na África do Sul é ilegal. Talvez fosse a hora de importarmos essa medida de lá. Além disso, deveria haver incentivo para que condomínios reutilizassem água. São Paulo já tomou um susto há 4 anos, o Rio deveria se preparar para evitar que o problema aconteça por aqui. 

Se você acha que as questões ambientais são algo distante, olhe para a Cidade do Cabo. Sem água potável, o ser humano morre. 

Não é absurdo pensar num cenário de pessoas quebrando casas, bebendo água das piscinas e matando por um copo de água.

E para piorar, os sul africanos enfrentam um período de instabilidade política, pois o ex-presidente Jacob Zuma saiu ao não resistir aos inúmeros escândalos de corrupção. Em seu lugar o vice-presidente, Cyril Ramaphosa, assumiu o governo.

O novo mandatário terá que administrar um país que a economia cresce pouco e está prestes a encarar um colapso social com a falta d’água numa das principais cidades do país.

E Ramaphosa não vai resolver a seca com uma intervenção federal. A solução é rezar para a entidade das chuvas dá uma força à população da África do Sul.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Uma tarde no salão de cabeleireiro






Sei que em pleno século XXI o que vou revelar agora pode resultar em bullying, mas vamos lá. Faço os pés no salão. Minha mulher fez com que eu adquirisse este costume. 

Eu adoro ouvir as histórias do salão. Parece uma terapia em grupo. É clichê, mas acho que o cheiro das tinturas de cabelo, a acetona e outros produtos funcionam como soro da verdade. 

Engraçado, parece que além de abrir as portas da sinceridade, fecha as do constrangimento. As coisas contadas naquele divã disfarçado de cadeira para tratamento capilar são impressionantes. 

Certa vez ouvi da mesma cliente duas histórias. Enquanto retocava a cor loira de suas madeixas, ela mostrou uma mensagem de WhatsApp da nora: “você acredita que meu filho largou a mulher para ficar com esta moça do trabalho”. Ela continuou: “foi uma mistura de tesão e de paixão”. A cabeleireira contrapôs: “mas não é tudo a mesma coisa?”

Aquela discussão me intrigou. Paixão e tesão são diferentes? Não tinha pensado nisso ainda. Talvez a cliente tenha separado desejo sexual de paixão. Em meados do século XIX, tesão deixou de ser sinônimo de tensão e passou a significar a disposição do homem para o sexo. A paixão é mais romântica, existindo até o termo platônico, para aquela que se opõe à paixão física. Em nossos tempos paixão e tesão tornaram-se quase sinônimos. 

Depois de fazer esta reflexão linguística, recorrendo ao dicionário, obviamente, voltei a prestar atenção na conversa da cliente e da cabeleireira: “eu coloquei meu marido para correr. Não tive medo. O relacionamento me fazia mal. Mesmo com filhos pequenos, terminei o casamento”, revelou a cliente.

Até aquele momento, evitara olhar a mulher. No entanto, a coragem dela aguçou minha curiosidade. Ela devia ter pouco mais de 60 anos. Fiz contas aproximadas. Se ela já tem filhos e netos, a separação ocorreu há pelo menos 30 anos. Ou seja, ela teve que enfrentar a barra de ser uma mulher separada com filhos pequenos na década de 80. Uma mulher corajosa, sem dúvida. Ela ainda completou: “não foi por falta de amor, foi porque me fazia mal e meus filhos sofriam”. 

No mesmo salão já soube da notícia falsa da morte de um mendigo querido no bairro, da rotatividade das empregadas de uma madame rica no bairro e da rotina de uma comunidade ocupada pela polícia.

No entanto, a disposição daquela mulher em interromper algo que lhe fazia mal, fez com que ela ganhasse um admirador. E o leviano exercício para matar o tempo, virou a base para um texto neste blog.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

O frio na barriga nosso de cada dia








“Navegar é preciso, viver não é preciso”. É melhor desenvolver o resto do texto antes que eu seja acusado de plágio. Quando li esta frase de Fernando Pessoa pela primeira vez, demorei a entender o duplo sentido da palavra “preciso”. 

Não saquei de primeira que não se tratava de alguém com desprezo pela vida e sim, um sábio que entendia as imperfeições do mar, muitas vezes metáforas da vida. 

Em muitos momentos você trava prestes a fazer algo que faz parte da sua rotina há tempos. Afastado da apresentação de um programa por cerca de um ano, fui mediar um bate-papo. 

Tudo certo. Conhecia o assunto e estava preparado. Na hora de começar, um pigarro insistente se instalou na garganta. As palavras demoraram a vir mais do que o habitual. 

Se eu estivesse com os batimentos cardíacos monitorados, como se fazia antigamente no Big Brother, eles registrariam um ritmo mais acelerado. 

Acho que só normalizei a cadência aos “15 minutos do primeiro tempo”. Depois senti que estava no meu lugar. 

Sinto a mesma coisa quando começa o período letivo na universidade. Principalmente no primeiro semestre do ano, por causa das férias mais compridas. 

Férias são uma benção, mas tiram o ritmo do professor. Então, até você tomar conta da situação, rola pelo menos uma semana de aula. 

Além da falta de ritmo, começar o semestre é sempre um desafio por causa do contato com os alunos. Você precisa reconstruir a relação com eles todo período. 

O bom relacionamento com a os alunos do período anterior serve de referência para quem chega, mas o relacionamento com cada turma é único. Tem uma dinâmica própria. 

Com o tempo você percebe o tipo de assunto que facilita o encontro com suas almas. Tem turma que gosta de falar sobre política, outras querem falar de filmes. Alguns grupos gostam de assuntos tipo “sofá da Oprah” (roubei o termo da minha amiga Tatiana Siciliano). 

No entanto, as incertezas, o frio na barriga e o temor de não acertar temperam as vitórias. O segredo é transformar em impulso e não em obstáculo. 

Quando tudo está fácil demais, tem alguma coisa errada acontecendo. A vida é mais feita de perguntas do que respostas. O desconforto faz a gente combater a acomodação. 

domingo, 25 de fevereiro de 2018

A volta do JB

                        Edição Extraordinária 



A volta do JB às bancas me trouxe uma sensação parecida com a ressurreição da Rádio Cidade, há uns 5 anos. As pessoas saudaram o fato de ter de volta ao dial uma rádio de Rock. No entanto, a empolgação passou e a Cidade morreu novamente. 

Vejo na volta do JB uma aposta parecida com a de um grande empresário numa fábrica de disco de vinil. Pode funcionar por uma aposta na memória afetiva das pessoas. A questão é fazer com que o público se renove. 

E, amigos, os três veículos fundadores da mídia enfrentam o mesmo problema. A renovação do público que os consome. Vi algumas manifestações como se o JB fosse “vintage”. 

No entanto, o diário vai ter que se manter competitivo. Globo e Extra nadam praticamente sozinhos há alguns anos. O Dia sobrevive quase heroicamente. Omar Peres faz uma aposta corajosa e na contramão do que os tempos lhe apresentam. 

Claro que olhar o JB mexe muito com a memória afetiva da minha geração. Cresci e me descobri com desejo de ser jornalista lendo Zózimo, Millor, João Saldanha, Zuenir, Carlos Castello Branco e Villas Boas Correia. Meu sonho de criança era trabalhar no JB. Minha vida me carregou para outro rumo. Então, estou torcendo muito para a empreitada dar certo. 

Não tive a oportunidade de ler o jornal de hoje, mas acredito que chegada do JB é boa para o mercado. A primeira página de domingo com o Redentor e o coração propõe levantar a autoestima. Está aposta é importante e pode ser o caminho para o êxito. 

Jornalismo é para buscar a verdade. Jornalismo não é para ser amado







Ontem eu escrevi um pouco sobre Ben Bradlee, um dos grandes nomes do jornalismo americano no século XX. Bradlee era o editor do Washington Post em dois casos emblemáticos da política americana - Os papéis do Pentágono e Watergate. 

O diário entrou em confronto com a administração  Nixon nos dois casos. E os jornalistas da publicação sofreram retaliações, perderam credenciais da Casa Branca, entre outras medidas. 

Richard Nixon tinha um governo extremamente popular e atacava o Post frequentemente. Bradlee  insistia numa cruzada quase solitária contra o esquema de Nixon. O governo tentava dizer que tudo era mentira e a população via o caso como uma perda de tempo. 

O papel da imprensa estava sendo questionado. Muito se falava que as informações reveladas colocavam em risco a segurança nacional. 

No entanto a descoberta dos grampos ilegais feitos por Richard Nixon virou o jogo e o presidente foi obrigado a renunciar. 

Ao ser indagado se a imprensa saíra desgastada do episódio, Ben Bradlee disse uma frase que pode servir na aula inaugural de qualquer curso de jornalismo: “a imprensa tem que cuidar do nosso negócio, que não é ser amado e sim buscar a verdade”. 

Para quem cursa a faculdade de jornalismo ou se interessa pelo tema, o documentário O homem do jornal -a vida de Ben Bradlee é essencial. 

O jornalista tem participação destacada em coberturas que mudaram os rumos da profissão nos EUA e no mundo. 

Ben Bradlee era amigo muito próximo de John Kennedy, o que lhe dava acesso a muitas informações. Ele foi acusado de falta de ética jornalística. 

Na voz do próprio Bradlee, a proximidade com Kennedy o fez repensar os conceitos de amigo e de repórter constantemente. O que realmente ele soube, nunca saberemos. O problema que essa relação próxima com Kennedy o deu dores de cabeça posteriores. 

O filme The Post, mostra o quanto Ben Bradlee e a dona do Post, Katharine Graham, foram fundamentais para defender a liberdade de imprensa. 

O documentário o Homem do jornal resgata o momento novamente. No meio do embate com executivos e advogados para publicar os papéis do Pentágono, Ben Bradlee explicou sua intransigência num momento tão significativo. Ele disse que não lutar para publicar os papéis do Pentágono deixaria o Post como instrumento de qualquer governo, independentemente de quem ocupasse a cadeira presidencial. 

Uma coisa que me chamou atenção no documentário é a quantidade de jornalistas que trabalhavam no jornal desde as décadas de 1960 e 1970. 

Bradlee explicou que seu talento era enxergar uma boa história onde muitos não viam nada. 

Um dos editores ouvidos no documentário disse que Ben Bradlee perseguia a história que provocaria a reação de espanto ou indignação na hora do café da manhã dos americanos. Esse tipo de matéria tinha o apelido de “puta merda”. 

Jornalismo transforma. É o evangelho de nossos dias. Responsabilidade e comprometimento são elementos fundamentais para esse ofício quase sagrado que é informar. Como consequência o jornalismo desperta, causa indignação e emociona

sábado, 24 de fevereiro de 2018

As lições de um velho jornalista de como corrigir os erros na profissão






The Washington Post era um dos jornais mais importantes do mundo em 1980. A entrada de Ben Bradlee no início da década de 1960 transformara o diário. Na esteira dos casos Papéis do Pentágono e Watergate, o jornal alcançara o Olimpo dos diários americanos. 

A repórter Janet Cooke emplacou uma história impressionante. Um menino de 8 anos injetava heroína em si mesmo desde os 5. O caso ganhou uma repercussão absurda nos EUA.

A repórter ganhou o prêmio Pulitzer por causa da matéria. No entanto, pouco tempo depois se descobriu que Janet Cooke inventara toda a história. 

O editor Bem Bradlee escreveu uma carta à fundação responsável pelo Pulitzer explicando que Janet não poderia aceitar o prêmio. 

Bradlee enfileirara inimigos importantes desde a década de 1960, entre eles o ex-presidente Richard Nixon e o ex-secretário de Estado Henry Kissinger. Aquele erro grave serviu para que seus detratores quisessem destruir sua reputação. 

Ben Bradlee procurou o ombudsman do Post e pediu que fosse feita uma grande reportagem sobre a “barriga”. A matéria sobre o erro no caso Jimmy teve a primeira página e quatro outras dentro da publicação. A reportagem mostrava tudo em 10 mil palavras. O editor preferiu explicar ao público como ocorrera o erro. Transparência total. O caso se tornou um exemplo de como podem ser perigosas reportagens com fontes secretas. 

A maneira como lidou com o erro mostra a coragem de Ben Bradlee. O nome do jornalista americano voltou à tona com o filme The Post, no qual ele é interpretado por Tom Hanks. 

Conversando sobre The Post com meu amigo/irmão Alexandre Caroli, ouvi uma frase que explica um pouco o ofício jornalístico: Ben Bradlee não viveu em vão. 

Num tempo em que vemos gestores fazendo cortes e as grandes redações se tornando cada vez menores, o exemplo do editor americano poderia inspirar um pouco as coisas por aqui. 

Logo que assumiu o Washington Post, Bradlee contratou cerca de 60 repórteres e mapeou onde estavam os bons profissionais para trabalhar no jornal. Ele entendia que os bons repórteres eram a alma do diário e que era importante qualidade e boa remuneração para que eles continuassem a trazer boas histórias e mantivessem a qualidade e a credibilidade do jornal. 

Havia quem questionasse os métodos do editor do Post, no entanto, ele se mostrou intransigente com algo vital para a democracia: a liberdade de imprensa. 

Ao desnudar os erros no caso Jimmy, Bradlee mostrou um profundo respeito pelo público.  Acho que a atitude mostrou acima de tudo um respeito pelo Jornalismo, assim mesmo, com letra maiúscula. Ben Bradlee não foi imparcial, ele defendeu até o fim o que acreditava. 

Amanhã vou falar mais um pouco sobre o jornalista. Quem quiser saber mais sobre o mítico editor do Post pode procurar o filme O homem do jornal: a vida de Ben Bradlee. 

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

As 50 mil primeiras a gente não esquece







Minha escrita depende do movimento. Admiro quem fica em casa, olha para o teto e um jorro de palavras parece descer do céu. Como estou explicando, este ofício para mim depende das histórias que ouço. Fragmentos que me ajudam a criar outras histórias. 

O Blog chegou a 50 mil visualizações. Não foi fácil. Precisei escrever mais de 150 textos em dias consecutivos para alcançar este número. 

Expus minhas dúvidas, errei bastante, mas também acertei ao longo destas 50 mil visualizações. O engraçado são as reações dos meus queridos leitores. 

Às vezes escrevo um texto que acredito ser de pouca receptividade e tenho muitas visualizações. Em outras oportunidades, acho que escrevi um campeão de audiência, mas o post tem menos acessos. 

No entanto, pra minha sorte, a generosidade de quem acompanha o blog é tamanha que não há dias com menos de 200 visitantes. Fico pensando na responsabilidade. Esse nosso mundo sem fronteiras faz com que os textos cheguem a lugares tão remotos, que tenho a certeza que não irei fisicamente a eles. Por exemplo, há leitores na Ucrânia. Menos de 1% veio de lá. No entanto, o que escrevo foi mais longe do que a minha voz sem amplificação poderia alcançar. 

Por isso é melhor não ofender. Para ficar claro, ofensa é diferente de crítica. Acho que meu estado e minha cidade estão pessimamente administrados. Temos que nos apegar às crenças para enfrentar os seguidos abandonos que presenciamos todos os dias. 

Em todos os textos que registraram marcas importantes, tentei fazer um balanço da trajetória do blog. 

Acho que desta forma posso aproximar as pessoas que leem dos bastidores da criação. Digo a vocês, não é fácil. Escrever pode ser arriscado. Apesar de acreditar piamente na sentença de Nelson Rodrigues, que toda unanimidade é burra, incomoda quando há críticas ao que você escreveu. 

Claro, os anos de janela fazem com que você assimile as críticas, mas quem disser que é indiferente ao que falam de si está mentindo, ou atingiu um grau de desprendimento da matéria que sei ser inatingível pra este geminiano vaidoso. 

Estou orgulhoso dos números do blog. Estou agradecido por tantas pessoas terem tido a generosidade de ler as mal traçadas linhas por esse escriba acidental. Passei minha vida usando a voz para me expressar. No entanto, a escrita vicia, agrava sintomas da alma e liberta sentimentos. 



quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Os pais e o dilema de abrir a porta da gaiola




Deve ser dureza ser o filho mais velho. Como sou caçula e temporão, nem sei explicar este lado da moeda. Vivo numa casa em que há três caçulas e um primogênito. Eu, minha mulher e minha filha somos os mais novos. Sobrou para o meu filho a dura realidade de ser o primeiro. 

Ouvi uma frase certa vez que ficou na minha mente. O melhor presente que se dá a um filho é um irmão. No entanto, por diversos motivos, às vezes este presente não é possível. Mas entendo a frase. Trata-se de alguém para dividir as pressões que os país colocam nos filhos. 

Depositamos em nossos filhos todas as esperanças de que eles não cometam nossos erros na idade deles. No mais velho, então, a carga é maior. Costumamos até ser condescendentes com o caçula, pois somos mais experientes e vamos aprendendo com erros que cometemos com o mais velho. 

O primogênito sofre com pais de primeira viagem, que confundem os ossos humanos com frágeis cristais. Um espirro a 20 metros se transforma numa potencial contaminação por vírus um raro. 

O primeiro filho é o primeiro falar, logo, é o primeiro a reclamar, primeiro a levar bronca, o primeiro a ter responsabilidades, o primeiro a encarar a selva impiedosa que é uma escola. 

Meu primogênito começou uma nova fase. Deixou o Ensino Fundamental II, que na minha época se chamava ginásio. Trocou o uniforme azul que usava, por uma camisa bege. 

Agora, ele vai começar a descobrir que a luta é dele. Essa percepção virá em coisas prosaicas. Um exemplo: não poderei ajudá-lo com matemática, física e biologia. Ele vai ter que se virar. Nas matérias de humanas, ainda posso tentar. 

Ir e voltar sozinho da escola, ele já faz há um ano. No começo, eu fiquei com medo. Hoje, estimulo. 

O problema para o primeiro filho é que ele acaba sendo a cobaia para os experimentos da paternidade. O caçula aproveita o caminho e vai conseguindo seu espaço espelhado no que o mais velho vai fazendo. 

Um dos grandes desafios da paternidade é não sufocar o filho. Não querer viver suas dores, seus amigos, seus amores e desamores. 

Eles nos dão vários sinais que querem liberdade. O primeiro ao engatinhar, fase em que a independência é embrionária, passa pelo começar a andar e por aí vai. 

Pensei na primeira vez que meu filho andou sozinho de elevador. Foram nove andares de choro entre eu despachá-lo no nosso andar e a mãe pegá-lo no térreo. Andar de elevador sozinho é um dos primeiros atos de autonomia. 

Depois começam as idas à padaria, o tempo passa e gente deixa na porta do cinema e busca quando o filme acaba. Surge a fase em que a bicicleta se transforma num meio de ganhar o mundo, encurta distâncias e facilita a liberdade. 

E nós, os pais, como ficamos? Pedindo migalhas de atenção. Clamando para que todos os passos sejam devidamente avisados. Há sempre a preocupação com a segurança, nenhuma grande cidade é amigável, sofrendo ou não intervenção federal. 

Mas sejamos honestos, a busca pelo monitoramento tem 50% de medo da violência, mas a outra metade é um medo de abrir a porta da gaiola. O passarinho pode descobrir as vantagens de sair e se recusar a entrar novamente, ou pelo menos, diminuir o tempo no cativeiro. 

O fato é que meu filho mais velho foi para o Ensino Médio. Agora, mais do que em qualquer fase da vida dele até aqui, a bola está com ele. Eu posso me revezar nos papeis de torcedor e de treinador. Mas fazer gol, ganhar e perder os jogos depende cada vez mais dele do que de mim. 

Boa sorte, filho, faz da sua vida o seu reino. Encontre seus caminhos, mantenha o celular ligado. A gente vai estar por aqui, para ajudar no que puder e no que você deixar. 

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Transformar a dor em legado é nobreza






As pessoas escolhem a forma de lidar com a própria dor. Essa escolha depende da força e das condições que cada um tem para reagir. Aos 15 anos participei do Comitê Pró-Monica. A iniciativa surgiu da dor dos pais que perderam a filha. Monica Granuzzo foi assassinada. O crime teve a participação de três homens. A menina foi atirada da janela do apartamento de um deles na Fonte da Saudade, um caso típico de feminicídio. Como conhecia algumas pessoas que estudavam com Mônica no colégio Princesa Isabel, participei do comitê. 

O que fazia os pais prosseguirem era a busca por justiça. Eles não teriam a filha de volta, mas fizeram o possível para alertar outros pais e denunciar a violência sofrida. 

Temos transformar a perda algo positivo. Minhas queridas Eliana e Simone Mendonça tomaram este caminho. Em julho do ano passado Daniela Furtado morreu por males decorrentes do Lúpus. Ela era filha de Eliana e irmã de Simone.

Daniela, ou Dé, sofria do mal desde os 15 anos. O nome da doença é tão feio quanto seus efeitos. O Lúpus Eritermatoso Sistêmico ainda é desconhecido, porém é cruel e fatal. 

Para tentar ajudar as famílias que passam pelo drama de ter alguém com esta doença, Eliana e Simone decidiram criar o Instituto Lúpus Care. 

O site www.lupuscare.com.br traz informações sobre esta doença autoimune. Simone ressalta que o diagnóstico rápido pode melhorar a qualidade de vida das pessoas que sofrem do mal. 

A dor de Eliana é daquelas que não gostaríamos que o pior inimigo sofresse. Há um clichê que chama a perda de um filho de “dor sem nome”. Às vezes os clichês são as melhores traduções de um sentimento. 

É uma dor sem nome e sem tamanho. Criar um instituto e buscar o conforto para as outras pessoas que sofrem do mesmo mal é um ato de duplo valor. Além de ser nobre, é generoso. 

A fundação é um legado que transborda das boas lembranças da família sobre a Dé e chega à sociedade. Em meio a tantas notícias complicadas, desamores e solidão, é inspirador o cuidado em fazer da dor o combustível para mudar um pedacinho da realidade. 


terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Os dividendos da intervenção federal




Os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes defendem a intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro. Com todo o respeito aos dois integrantes do Supremo Tribunal Federal, isso já deveria ser motivo para um olhar desconfiado em relação à medida. Estou tentando lembrar algum ministro do STF com taxa de impopularidade tão alta quanto Mendes. Sorte a dele que seu cargo não depende do plebiscito popular, se dependesse, talvez o nobre magistrado estivesse em dificuldades para mantê-lo. 

O ministro da Defesa afirmou no dia do anúncio da intervenção, que a democracia seria respeitada. Raul Jungman declara que vai pedir um mandado de busca coletivo por causa da situação urbanística cidade, ou seja, para entrar nas favelas. Depois o comandante do Exército, general Villas Bôas, disse que quer suporte jurídico para não criar outra Comissão da Verdade. Para quem não liga o nome à pessoa, a comissão apura crimes cometidos pelas Forças Armadas durante a ditadura militar. 

Apesar de falar em democracia, o ministro da Defesa começa a querer instrumentos para criar um estado de exceção, mesmo que em teoria não seja essa a sua intenção. Já, quando ironiza a Comissão da Verdade, o comandante do Exército deixa claro o que pensa parte da tropa sobre as investigações dos crimes da ditadura. Junte-se a isso a homenagem que Jair Bolsonaro fez a um torturador na sessão que votou o impeachment de Dilma Roussef e teremos noção do tamanho do monstro que o Governo Federal pode ter gestado na esteira da intervenção. 

A cada dia que passa, parece estar mais claro no horizonte que a medida foi calculada eleitoralmente. Michel Temer aposta que a intervenção militar provocará uma sensação de segurança na população, que pode lhe render dividendos políticos. 

Um dos áulicos civis do golpe de 64, o ex-governador de Minas Magalhães Pinto dizia: “política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”. O presidente mais impopular da história tenta sua ressurreição. Ou para um acordo com Geraldo Alckmin, ou para ele mesmo concorrer. Vai depender da força da picada da mosca azul no caso da estratégia se mostrar acertada. 

A Rocinha está conflagrada há 5 meses. E logo na hora que o governo teria que arcar com a derrota na votação da Reforma da Previdência, entra em cena uma intervenção que tranca a pauta do Congresso. Já não me iludo com as boas intenções de nenhuma pessoa citada neste texto. 

O Plano Cruzado serviu para eleição de políticos do PMDB em 1986, depois veio uma série de desgraças econômicas. As medidas desaguaram em hiperinflação. Se a intervenção federal for mais uma iniciativa eleitoreira, no que poderá resultar? 

E nesse meio tempo, o fim do foro privilegiado fica mais distante, já que não pode seguir sua tramitação no Congresso. Mais um agradinho do governo aos aliados na Câmara encrencados com a justiça. 

Para encerrar este texto, recorro a duas citações.  A primeira vem da música Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil:

“Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa”


A segunda é de Karl Marx:


“A história se repete a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. 


Para quem não entendeu a relação de monstro, tragédia e repetição, a música de Chico Buarque é de 1973.  




segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A ponta na sapatilha da bailarina







Minha filha botou “ponta” na sapatilha. Para quem não está habituado ao universo das bailarinas, “botar ponta” é um ritual de passagem. O calçado apropriado para a dança vem com uma ponta dura que garante estabilidade nos passos de balé. Ela fez 12 anos e desde os 10 o assunto é recorrente nas mesas de almoço e jantar: “quando eu fizer 12 anos, vou botar ponta”. 

Eu e a mãe fomos um pouco reticentes no princípio. Os pés das bailarinas são fortes e fundamentais, mas há um preconceito com a “feiura” que os seguidos exercícios de equilibro, destreza e força provocam na anatomia deles. 

Nossa bailarina é obstinada. E finalmente chegou o grande dia. A professora de balé levou as quatro novas sacerdotisas para experimentar a sapatilha e a almejada ponta. 

Descobri nas conversas, que antes das inovações tecnológicas, amassavam-se sacolas de supermercado e colocavam um esparadrapo para fazer a ponteira da sapatilha. Além disso, aprendi que as bailarinas devem andar com um kit de agulha e linha para costurar e descosturar as sapatilhas de acordo com as necessidades. 

As meninas, a professora, as mães e o pai presentes estavam ansiosos. Todas as provas de sapatilha foram devidamente registradas em fotos e vídeos. A professora quase chorava e zelosa, ajudava as meninas a colocar a sapatilha, amarrar, além de dar as instruções de uso. 

Depois do carnaval, o ano de 2018 começa animado em minha casa. Uma bailarina de ponta e um mancebo no Ensino Médio. Desafiador pensar que ainda há muito a caminhar e que os dois já estão ensaiando passos autônomos. 

Os amigos agora são deles, as histórias, eles começam a construir sozinhos. Ainda temos a ilusão do controle, no entanto, está cada vez mais ilusão e menos controle. É bom ser assim, apesar de não ser fácil.

A paternidade tem vários estágios. Meus queridos amigos Eduardo Christiane, por exemplo, estão no momento de expectativa e surpresa. Acabam de compartilhar com os amigos que as configurações da família foram atualizadas (para usar termos deles). E lá vão os dois montar quarto, enjoar, planejar e se preparar, pois haverá alteração nas configurações de sono também. 

Eles vão aprender que nunca mais se dorme da mesma forma e isso é adorável e angustiante. Filhos ampliam nossa capacidade de amar. Geralmente nos fazem mais compreensivos, porém, mais medrosos. 

Efeito colateral da explosão de carinho que sentimos ao descobrir a gravidez, que se amplia ao ver a ultrassonografia, que se renova a cada chute do bebê na barriga da mãe e se completa pelo jorro de lágrimas ao pegar a cria no colo pela primeira vez. 

E esse colo que a gente quer eterno, com o passar do tempo fica menos físico e mais emocional. O colo vira metáfora, mas o amor é bem real.

E o começo vem de varias formas, em vários tempos, na primeira ultrassonografia, na primeira ponta no pé da bailarina, no primeiro neto. Há sempre um primeiro dia. 

Que a gente ria muito, dance muito e chore mais de alegria do que de tristeza. Curtir a vida é transformar o trivial em emocionante,  entender o ritmo da caminhada e o equilíbrio da bailarina.