quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O que a gente tem que levar na mala para uma boa viagem


Meu amigo e mestre Giovanni Faria fez o caminho de Santiago de Compostela algumas vezes. Ele me explicou que uma das primeiras lições do caminhante é sobre o que se leva na mochila. 

Se não estou enganado a bagagem deve ser de 10% do próprio peso. Mais do que isso, a jornada que é árdua, fica mais complicada. 

Então, a busca é para que você viva com o estritamente necessário naqueles dias em que empreende a caminhada rumo ao âmago do seu pensamento. 

Estamos cada vez mais empanturrados de sapatos, calças e aparelhos eletrônicos. O importante é ter. Uma amiga, assumidamente consumista, contou a reprimenda que levou da mãe. Minha amiga enchia a filha de presentes. A sábia senhora lhe puxou a orelha e disse: “você nem espera a sua filha desejar”. 

Desta forma passamos aos filhos nossa ideia de “bagagem em excesso”. Outro dia vi um programa a em que uma celebridade abria o guarda-roupa e havia 77 calças e 102 pares de sapato. 

E o que é pior, não é necessário ser uma celebridade para ter números absurdamente altos em seu guarda-roupa. 

E nessa toada, vamos de carro a todos os lugares e temos três blusas praticamente iguais no armário. Acho que o pior sintoma desta síndrome é quando você se depara com uma peça de roupa que nem lembrava ter adquirido. 

As redes sociais estimulam esse comportamento. Aqui não vai nenhum clichê sobre o desapego. Mas vejamos  você tem 400, 500 amigos no Facebook. No momento de tomar aquele chopp, conversar sobre um problema, com quantos destes 500 você pode mandar um “inbox” ou mesmo ligar e falar (essa coisa tão ”velha guarda”)? Se você tiver sorte, 30 destes 500 são amigos desse tipo. Os outros 470 fazem parte da sua rede, são integrantes do seu “networking”. 

Você pode acabar se decepcionando se quiser levar esses 470 na “mochila”. O transporte deles pode deixar a jornada mais pesada. 

Um dos problemas que essa rede pode fazer para deixar a mala mais pesada é a mania de dar opinião e criticar o que você pensa. Aqueles 30 farão isso para ajudar, os outros 470 darão opiniões inconsequentes, pois afinal, você é apenas um peso a mais na mochila deles. 

Há um velho filósofo, chamado São Ptolomeu. Ele tem um evangelho perdido e de vez em quando saco alguns de seus pensamentos para nortear a minha caminhada. 

Hoje me despeço com uma das passagens de seu evangelho encontrado há 47 anos em Creta. A frase é a seguinte: Sorrir, sorrio com muitos. Chorar, choro com poucos. 


Então escolha o que você vai levar na bagagem. A jornada fica mais fácil se a gente entender o peso que deve levar. 

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

O que deveríamos aprender com o vídeo de Cristiane Brasil


O vídeo de Cristiane Brasil num barco defendendo o indefensável é de dar vergonha alheia. Muito ruim alguém postulante ao cargo de ministra do Trabalho questionar a Justiça do Trabalho, ainda mais estando errada. A deputada federal diz que qualquer um pode pedir qualquer coisa na justiça. Ela jura que não sabia que tinha que pagar direitos trabalhistas aos empregados. A filha de Roberto Jefferson parece abusar da nossa inteligência. 

Cristiane Brasil foi escolhida para pasta por causa do loteamento de cargos do Governo Temer (o que não é exclusividade dele). A indicação mostra que Roberto Jefferson, que já “puxou uma etapa” na cadeia por causa do mensalão, tem relação de proximidade com o ocupante do Planalto. 

A fala de Cristiane Brasil é péssima, mas o vídeo ganhou notoriedade por algo que nem deveria estar em discussão. A deputada aparecer num barco, cercada por homens sem camisa. 

Isto foi o suficiente para quebrar a Internet e se transformar no grande obstáculo para que ela consiga ocupar a pasta do Trabalho. Amigos, não nutro simpatia alguma por Roberto Jefferson e seu clã. Mas é um absurdo que em pleno século XXI o fato de uma mulher aparecer num barco com homens sem camisa durante um passeio seja elemento determinante para o desenlace de uma crise política. Há 69 anos o deputado Barreto Pinto foi cassado por aparecer numa foto de casaca e cueca. Agora Cristiane Brasil pode perder a batalha que trava para ser ministra por estar de maiô. Só uma coincidência histórica: os dois foram eleitos pelo PTB. 

Integrantes do PTB, que não quiseram se identificar ao jornal o Globo, disseram que ela não soube se preservar, ou respeitar a liturgia do cargo de ministra. Cristiane Brasil está sendo atacada até por mentir a idade num site de relacionamentos. Honestamente, se ela o faz, nem deveria ganhar notoriedade. Essas fontes do jornal que não quiseram se identificar usaram o velho discurso do “eu não vejo problema, mas é que pode pegar mal”.

E a situação da filha de Roberto Jefferson pode ter ficado insustentável por uma razão periférica, mas que diz muito sobre a nossa sociedade. Infelizmente, estamos no país em que a falsa moral é mais importante do que a ética. A nomeação de Cristiane Brasil foi mais uma concessão política lamentável de Michael Temer em busca por votos para aprovar as reformas na Câmara. A fala de Cristiane Brasil foi trágica, sem fundamento. Foram argumentações cínicas e sem profundidade. O problema é que todo mundo só vai falar do fato que ela estava num barco com homens sem camisa. 

Se você é contra a nomeação de Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho, critique-a pelos motivos certos. Ela estar num barco, cercada por homens não tem a ver com a causa. Olhar a questão por este aspecto só mostra que temos muito a evoluir.

A pergunta que me faço é a seguinte. Se Bob Jeff estivesse na situação da filha, ou seja, num barco cercado de mulheres de biquíni ou maiô, seria “bombardeado” ou ovacionado?


Acho que sei a resposta... 

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Dar exemplo aos filhos


Há mais de dez anos ouvi a frase na visita a uma dentista. Ela disse que deveríamos pensar cuidadosamente no que nossos filhos comem, já que modificar hábitos alimentares é mais difícil do que parar de fumar. 

Meus filhos não são gordos. É só se manterão assim se tiverem um exemplo próximo para seguir. Transmite-se ao filhos o que é bom e o que é ruim. Eles escolherão por afinidade ou repulsa o que vão imitar. Mas a danada da comida em excesso não é recriminada como o cigarro e a bebida. 

Se o filho de 14 anos toma um copo de cerveja ou põe um cigarro na boca, certamente haverá algum tipo de repreensão. Mas se comer demais no rodízio, brinca-se, diz-se que é um “fenômeno”, que comer faz bem, ruim seria se não comesse. Aliás, levar os filhos a um rodízio já é uma heresia.

Comer em excesso é tão ruim quanto não comer. A explicação é óbvia. São dois extremos e extremos são excessos. 

Dentre os inúmeros padrões de comportamento que tenho andado preocupado em transmitir para os meus filhos é o da alimentação. Sou exemplo muito ruim neste campo, infelizmente.

Sentar à mesa numa churrascaria para mim traz alegrias e angústias quase na mesma proporção. Primeiro, o privilégio de ter comida no prato. Esquecer-se que há milhões de pessoas que não têm esse direito básico obscurece a vida. Meus delírios alimentares só aumentam naquela profusão de costelinhas, cupins, picanhas, linguiças e etc. 

Com meia hora de “jogo” começa a fase da angústia. A carne vem, sei que não devo comer, mas continuo. Ao fim do “primeiro tempo”, já comi mais carne do que qualquer comensal. 

Qual seria a melhor opção? Pedir “pra sair”, dar um tempo, reconhecer o excesso. Eu consigo resistir à primeira, à segunda, à terceira rodada de espetos, mas aí vem o garçom com a costela de boi no carrinho... Não tem jeito, recomeço a sanha frenética.  Nunca termina bem. Engordar faz com que meu fôlego diminua e minha lombar fique sobrecarregada. 

Acabo de encerrar uma bateria de 20 sessões de fisioterapia por causa da sobrecarga na minha coluna. Então essa questão de comer o necessário está deixando de ser uma necessidade utópica. Na prática, preciso fazer algo. 

Não bebo, não fumo, mas como muito. Preciso encontrar em mim a fronteira do que é fome e do que é gula.  A frase que se ouvia na quinta série “comer muito não significa comer bem” saiu dos livros escolares e se materializa nas taxas sanguíneas de um homem que caminha para a meia idade.

Talvez comer em excesso esteja ligado ao desenfreado consumo de nossos dias. Compramos muitos sapatos, muitas calças e muitos carros. Comemos muitos bifes...  

Acho que meu ciclo em churrascarias acabou.


domingo, 28 de janeiro de 2018

Ainda é possível um programa como o de Haroldo de Andrade no rádio?






Um amigo me perguntou se ainda havia espaço no rádio atual para um programa como o de Haroldo de Andrade. Fiquei algum tempo ruminando para dar a resposta.

Para ter o programa, é necessário ter o apresentador. Recorro ao futebol para a primeira parte dos meus argumentos. A seleção de 70 se daria bem hoje em dia num futebol que prima pela força física, com uma velocidade estonteante e marcação implacável? Eu acho que sim. Aquele time tinha um talento acima da média. Com e a preparação física de hoje, seria um time adaptado aos nossos tempos.  Bem, as circunstâncias do universo fazem com que essa pergunta só possa ser respondida no campo teórico, mas mesmo assim, cabe pensar nas respostas. Olhar o passado é uma das formas de transformar o futuro. 

Haroldo de Andrade talvez tenha sido o apresentador de rádio que mais se aproximou do que hoje chamaríamos de “influenciador digital”. Seu programa foi um fórum de discussões pelo qual passaram juízes, advogados, jornalistas, artistas e malandros. Os temas tratados nos debates populares pautavam as discussões nos anos 70, 80 e 90 no Rio de Janeiro. 

Antônio Carlos, José Carlos Araujo e Washington Rodrigues são da geração do Haroldo e continuam em plena atividade. Então, talvez isso responda uma parte da pergunta do meu amigo. Haroldo era um talento único, logo, “jogaria” em nossos dias. 

E o formato sobrevive? Se você olhar direitinho para o Encontro com Fátima Bernardes, vai entender que é possível. A atração, com adaptações televisivas, tem na essência o espírito do Programa Haroldo de Andrade. 

A grande questão de um programa como o de Haroldo de Andrade é o custo. Para levar a atração ao ar havia um exército de produtores, redatores e repórteres exclusivos. A grana para pagar tudo isso foi para a televisão. Hoje em dia, pela realidade financeira das rádios, o produtor é redator, prepara as matérias e auxilia o comunicador no estúdio. 

Temos uma geração de profissionais mais versáteis, o que de forma alguma é ruim, mas a falta de braços prejudica capacidade de produção. 

Outro aspecto a ser ressaltado atualmente é como esses programas vão chegar ao público. É inviável pensar rádio hoje em dia sem levar em conta a plataforma de distribuição. O rádio é imediatista por excelência. Quando um caminhão derruba uma passarela na Avenida Brasil, ou um helicóptero cai em Recife, o público mais antigo sintoniza nas emissoras. O problema é que os mais jovens, (estou falando de pessoas de 40 anos) já procuram as plataformas digitais, como sites. Facebook, Instagram e WhatsApp. 

Logo, o caminho para a sobrevivência dessas emissoras é investir na pegada digital, o que a maioria já faz sem estratégia, diga-se de passagem. Uma nova oportunidade de negócio talvez fosse um grande “Netflix radiofônico”.  Um super distribuidor de programas por demanda. 

A produção de programas de rádio é menos trabalhosa do que a de um programa de TV. Um programa de rádio fica “transmissível” com muito menos recursos do que uma atração visual. 

Qual seria o melhor alicerce para esse renascimento do rádio? Se eu tivesse a resposta exata, venderia por uma boa grana. No entanto, acho que esse movimento só seria possível se um nome gigante, tipo o velho Haroldo, se propusesse a fazer a migração para esse “Netflix radiofônico”. 

O que fazer com os canais de AM e FM? Abrir espaço para vários núcleos de produção, responsáveis pelo conteúdo e pela comercialização. As emissoras estão perdendo o fôlego. Deveriam ceder seus horários e abrir esse espaço. Poderiam ter portais e abrigar essa produção feita pelos parceiros associados. É bom que se diga que algumas já fazem, alugando horários para igrejas, entidades filantrópicas e ONGs. O problema é que essa venda de horários precisa ser regulamentada e criteriosa. As emissoras  carecem da consciência de que é necessário deixar orgânica a relação do que vai ao ar com o que está na WEB.  

Há uma frase que sempre se diz a respeito do veículo: rádio é hábito. No entanto, usamos a sentença pelo lado conservador. Talvez a melhor frase seja, rádio cria hábitos. Mas para criar esses hábitos deve chegar às novas gerações.

Nesse exercício de futurologia, com muitas perguntas e poucas respostas, imagino o grande Haroldo de Andrade na atualidade.

Ele seria hoje um influenciador digital, com milhões de seguidores. Locaria espaço numa emissora com sua equipe, comercializaria o programa, estaria neste “Netflix radiofônico”, faria um Podcast de seus papos com artistas, outro com os debates e um terceiro com seu “Bom dia”. Talvez trocasse a trilha sonora do quadro. Em vez da versão de Ray Conniff do Concerto Nº 1 para Piano e Orquestra, de Tchaikovsky, tocasse uma canção do Olodum. Vai saber.


sábado, 27 de janeiro de 2018

As algemas de Cabral e o passaporte de Lula


Fiquei em dúvida se deveria escrever sobre o tema que vou tratar no texto de hoje. Não quero consagrar este espaço como um fórum de tretas. Sinceramente, acredito que opiniões contrárias devem conviver. Quem me conhece há muito tempo sabe minhas opiniões políticas. Por ter trabalhado num veículo de comunicação em que a isenção era necessária, adquiri o costume de tentar ser discreto neste Fla-Flu que as discussões políticas se transformaram no país.

Após esse parágrafo de apresentação, vamos às reflexões: a justiça estabelece que um condenado ao ser transferido entre unidades prisionais seja algemado nas pernas e nos braços? Se estabelece,  não é ilegal que Sergio Cabral tenha recebido este tratamento.

Acredito que Sergio Cabral seja o maior criminoso da história do Rio de Janeiro. De sua negociata gigante no Palácio Guanabara saiu a bomba tóxica que corroeu todos os setores da administração estadual. Acho que ele deve ficar preso por muito tempo, sem regalias e sem privilégios. No entanto, fiquei contrariado com a cena dele com punhos e tornozelos algemados. Pareceu-me “justiçamento”. Não basta prender, tem que humilhar.

O ódio a Sergio Cabral é compreensível. Os servidores estaduais sofrem com os crimes hediondos praticados por este cidadão, mas as pessoas podem odiar. O Estado não. A Polícia Federal é do Estado. Para alguns vai ser duro ler essa frase, mas a verdade é que agradando-nos ou não, o Estado é responsável pela integridade física e moral de um preso. Cadeia não pode ser depósito humano.

Outra decisão judicial que me fez refletir foi a apreensão do passaporte de Lula. A pergunta que faço é a mesma. A justiça estabelece que um preso condenado em segunda instância tenha o passaporte apreendido? Se estabelece, não há ilegalidade na decisão do juiz do DF que deu a ordem.

A partir daí, peço a atenção do leitor para alguns pontos. Lula deu uma entrevista logo após a condenação dizendo que seria candidato à Presidência e que lutaria para isso. Desde que começou o processo ele nega peremptoriamente os crimes dos quais foi acusado e condenado. Pedir asilo no exterior seria quase uma confissão de culpa.

Ao ex-presidente resta apenas uma arma. Sua alta intenção de votos para aproxima eleição. A única chance que tem de escapar da cadeia é fazer a campanha, ser eleito e tentar reverter a decisão no Supremo.

Pode-se acusar Lula de várias coisas, menos de burro. Fugir do país quando jura por tudo que é mais sagrado a inocência é burrice.

Apreender o passaporte de Lula para que ele não peça asilo na Etiópia parece uma medida extrema. Uma forma de “justiçamento”, que na essência se encontra com as algemas de Cabral.

O magistrado que mandou apreender o passaporte de Lula deu mais munição para a defesa do petista, que vai insistir na tese de perseguição política.
A medida parece ter sido tomada com a sutileza de um elefante fazendo compras numa loja de louças finas. Foi tão inábil que o relator do processo que condenou Lula disse que a decisão foi despropositada.

A questão é que vivemos tempos com as luzes do discernimento apagadas. Esse cantinho está tentando ser uma vela. Você que leu e ficou com raiva, não sopre a vela. Lembre-se, não lhe considero inimigo por ter opinião diferente da minha.

E nesse tempo de trevas, a opinião que não busca o conflito tem que ser dada com justificativas. O perigo é que esse é o primeiro passo para a censura. Procurar o caminho da conciliação é dos maiores desafios da nossa desventura atual.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Por uma defesa do jornalismo II







Uma amiga me disse que está muito angustiada com a situação do Rio. Ela segue uma página no Facebook sobre o seu bairro e relatou que fica apavorada com a situação de violência. 

Ouvi seu lamento e dei um conselho: "Não veja a página". O leitor desavisado vai me chamar de alienado. Que estou “tirando o sofá da sala” e colocando uma “lente cor de rosa”. 

A esses leitores, peço compreensão e um tempo para que eu defenda meu ponto de vista. A cidade tem milhões de habitantes. Estamos em tempos loucos, em que as pessoas querem andar armadas, não dão bom dia, não pedem por favor ou agradecem. Diante dessa realidade, é tristemente natural pequenos conflitos, pequenos furtos e alguns fatos lamentáveis. 

Essas páginas tipo Conchinchina agora, Caia Prego agora e que tais colocam uma lente de aumento nesta realidade. Surgidas como um alerta aos moradores, correm risco de se transformar em fiéis depositárias de nossos medos. 

Numa ocasião estava no carro da emissora que eu trabalhava. Um motorista proativo ligou para a redação e disse que a Presidente Vargas estava toda engarrafada. Na verdade,  a nossa faixa estava engarrafada. Tinha acontecido uma pequena batida, passando dali, tudo ia bem. 

Este exemplo prosaico é para dizer que uma visão parcial e imediata pode resultar num relato assustador. Então, como em tudo na vida, temos que ter discernimento e bom senso na hora de ler essas páginas. 

Não quero brincar de contente e ter uma visão “Pollyana” da realidade carioca. Da janela da minha casa, nesta seta-feira,  contei 8 carros do Bope num comboio pela Zona Sul. Andar pela cidade mostra que o Rio precisa de cuidados. A Rocinha parece sangrar incuravelmente numa sequência de fatos violentos. 

No entanto, as mensagens por WhatsApp, ou as páginas feitas no Facebook alarmam e não apenas alertam os seguidores. Lembro que na época da invasão no Alemão, o Jornal Extra criou uma sessão É boato ou é verdade, tal o número de informações desencontradas e falsas que circulavam pela cidade. 

De domingo para cá escrevi  seis textos, dos quais três foram sobre o cuidado que se deve ter na divulgação das notícias. Precisamos de critérios. Fontes idôneas, bom senso e responsabilidade. 

Notícias desencontradas só acirram os ânimos, temperam nossa doença social com doses de medo e intolerância. E passamos a defender o “justiçamento” em detrimento da temperança da justiça.

Todo o assunto deve ser abordado, não há temas proibidos, no entanto, eles todos devem ter contextualização. Por isso, com medo de parecer repetitivo, defendo o jornalismo feito por profissionais. 

Aqui sim, posso estar sendo “Pollyana”, mas acredito que não chegamos ao fundo do poço, ou  que caminhamos para o fim, tal o grau de violência e degradação. Acho que o caminhar do mundo é cíclico. Hoje podemos ter a impressão de uma noite sem fim, mas amanhã, o sol teimará em nascer e outra alvorada vai renovar nossas esperanças. 

A cidade está numa fase ruim? Está.  Nosso prefeito parece mais preocupado com a função que sempre teve, em vez de gerir a cidade? Parece. No entanto o Rio já sobreviveu a tantas coisas, vai passar por mais esta. 


Pense nas ressacas que você teve e está aqui lendo este texto. A batida é essa. Como cantava Elis Regina: “nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Febre amarela: quem paga o pato é o macaco




Matar macacos com medo que eles transmitam febre amarela fala muito da doença humana. Essa doença a qual me refiro tem a ver com ignorância, maldade e intolerância.

Como nasceu essa notícia falsa que fez as pessoas confundirem o papel do macaco, que é vítima, com o de vilão? É a tal história, alguém ouviu mal, ou não interpretou direito alguma notícia. Aí a falsa informação começou a se espalhar pelas redes sociais. E no fim deu-se a matança de macacos. 

Diante de tal imbecilidade, é bom destacar uma sentença óbvia. O ser humano tem uma importância fundamental neste planeta. Ele deve proteger fauna e flora, além de proteger a si mesmo. No entanto, invadimos o espaço que era da natureza. Não usamos uma agricultura racional, queimamos plantações e derrubamos árvores.

Outro dia caminhando pelo Parque Lage, percebi a mudança de comportamento dos macacos do local. Antigamente, eles ficavam mais escondidos na mata por trás do casarão. Hoje, eles chegam até a porta do parque. Fiquei chocado, como eles comem plásticos, sacos de biscoito e reviram as lixeiras. Mudamos a dieta dos macacos. Parabéns a todos nós envolvidos no processo.

A febre amarela estava erradicada, no entanto, por uma série de descuidos dos controles de saúde, a velha conhecida voltou.  Aí o macaco, que não tem Ministério da Saúde, não tem ex-governador ladrão e nem deixa água parada em casa, leva a picada do mosquito e morre, já que não tem vacina suficiente nem para o bicho homem, quanto mais para o macaco.

O ser humano, desinformado vai lá e mata o macaco. Nesta história, quem paga o “pato” é o macaco, com trocadilho infame, por favor. Se ficar o mosquito ataca, se correr o homem mata. Tá feia a coisa para os símios. 

Nossa relação com os macacos é mal resolvida. Eles são primatas como nós. Tem gente que tem vergonha de qualquer possibilidade de parentesco. Numa boa, os macacos é que devem ter vergonha da gente. 

Do que adiantou aprender a ler, escrever, falar, andar ereto e vestir roupas? Não sabemos ler o que escrevemos e usamos as palavras para ofender e destruir. 

Essa matança de macacos é um caso clássico de dar pouco valor à vida. Antes de se informar melhor, o homem prefere matar o macaco à pauladas ou envenenando-o. 


Morre mais um pouco a humanidade, envenenada em seu desrespeito pela vida, sua ignorância e sua intolerância. 

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

O julgamento e as cartas na mesa





Advogados reunidos, plateia apreensiva, o clima de suspense parece exalar pela tela e contaminar todos os espectadores. O julgamento do personagem de Gloria Pires mobilizou todas as atenções na noite de terça-feira. A personagem fez uma revelação importantíssima para o desenrolar da trama, desmaiou e o julgamento foi suspenso.

É possível que já esteja em curso na Internet alguma teoria da conspiração. Houve uma coincidência de datas entre o julgamento da novela O Outro Lado do Paraíso e o do ex-presidente Lula, pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região, em Porto Alegre.

Eu acredito em coincidência, para não contribuir com os “conspiradores”. Mesmo assim, há alguns paralelos que podemos estabelecer entre o julgamento da ficção e o da vida real.

O mais evidente: são duas novelas. Mocinhos e vilões estarão frente a frente. O engraçado é que dependendo de quem está olhando, os dois lados se revezam nestes papéis.

O julgamento da novela não acabou. A personagem teve uma isquemia e a sessão foi suspensa antes que a sentença fosse proferida. Isso aproxima a arte da vida. Independentemente do que acontecer no TRF-4, o enredo da novela Lula vai continuar. Ainda cabe uma infinidade de recursos.

Duda não sairá incólume de seus erros na novela. Terá que administrar a frustração de uma filha abandonada. Lula, provavelmente, perderá o julgamento de seu recurso e os desembargadores gaúchos devem manter a sentença do juiz Sergio Moro que o condenou a 9 anos e meio de prisão no caso do tríplex do Guarujá.

Defesa e acusação têm argumentos que acham invencíveis na discussão. O que torna o julgamento de Porto Alegre um julgamento político, por mais que os magistrados queiram passar a ideia de uma sessão estritamente  jurídica.
Na novela estava em julgamento a dona de um bordel, acusada de assassinato. Em Porto Alegre estará o presidente mais popular do Brasil nos últimos 50 anos. A madeira do banco dos réus deve estar até envergada, tal o peso histórico de quem a ocupa.

Vivemos um momento em que pouco importa o que a justiça decidir. Os dois lados estão convictos de suas ideias. Caminhamos para um Brasil ainda mais dividido do que em 2014, em que a diferença entre Dilma e Aécio foi inferior a três pontos percentuais.

A despeito dos muitos recursos que ainda podem ser impetrados, é provável que a decisão unânime dos desembargadores sepulte a candidatura de Lula. Se o ex-presidente sobreviver à Batalha de Porto Alegre é favorito a vencer pela terceira vez a eleição presidencial. Empataria o número de vitórias e derrotas em eleições presidenciais. Poderia se tornar a única pessoa a vencer e perder três eleições para o cargo mais importante do país. Além de ampliar um recorde. Não me lembro de nenhum político que tenha se candidatado 5 vezes à presidência. Se concorrer em 2018, será a sexta vez. Por favor, se houver outra pessoa que tenha concorrido mais do que Lula, comente e corrija o equívoco do blogueiro.

Se Lula não estiver concorrendo, vai valer uma lei do carteado, “dá-se um tapa na mesa e embaralha tudo de novo”. Jair Bolsonaro é representante de um segmento. Se conseguir segurar a própria incontinência verbal, sobrevive.

Não queria ser o pragmático a colocar água no chope de quem acredita em renovação. No entanto, há uma questão a ser pensada. Quem é o candidato que vai aglutinar os caciques? Quem são os caciques? Sarney, Renan e Jader, ou seja, o PMDB. Esses três, se não se dividirem, serão cabos eleitorais fortíssimos, mesmo que não subam nos palanques.

Vitórias em eleições majoritárias dependem muito do empenho dos candidatos nas assembleias e na Câmara dos Deputados. Sarney, Renan e Jader são mestres nesse jogo.

Rodrigo Maia, que também entende dessa estratégia, já lançou seu nome na roda em busca desse apoio. Se convencer a trinca e o prefeito de Salvador, ACM Neto, que tem chances, pode até se tornar um candidato competitivo. Alckmin também está de olho nesses caciques.

Ciro Gomes, Cristóvam Buarque e Marina Silva brigam na mesma seara. O Collor, bem, o Collor é imprevisível.


Mas tudo passa por Porto Alegre, nesta quarta-feira. O Outro Lado do Paraíso acaba em maio, mas a novela da vida real pode terminar bem depois de outubro. 

Filhos encarcerados em nossas casas




Assistia à reportagem sobre o casal que mantinha 13 filhos aprisionados e desnutridos em casa, quando minha filha perguntou: “mas por que eles faziam isso”? A polícia tentou descobrir, mas Louise Anna Turpin e David Allen Turpin não souberam dar nenhuma resposta coerente sobre os motivos.

Este caso me trouxe à cabeça várias questões. A primeira, mesmo submetida a um tratamento cruel de quem o senso comum determina como alguém que a protegeria, a filha de 17 anos não se conformou, fugiu e salvou os irmãos. Pode ser contingencial, mas vi na atitude da jovem o inconformismo adolescente. Fico imaginando como ela esperou a chance de fugir, torcendo por algum descuido daqueles carcereiros.

Como era a dinâmica do convívio entre os irmãos? Provavelmente havia os conformados, os alienados e os que queriam se libertar. Para a sorte dos outros 12, a menina adolescente de 17 anos se rebelou contra a realidade cruel e abriu a janela, ganhou o mundo e salvou seus parceiros de cárcere.

Obviamente, o mais intrigante é imaginar como os pais foram capazes de fazer tal atrocidade com os filhos. Não se pode pensar de uma forma reducionista que é maldade, ou loucura. Há um método no que eles faziam. Alimentavam pouco, mantinham acorrentados, davam brinquedos que os filhos não podiam tocar.
Penso que na loucura deles havia também um intento de educar e preparar os filhos. Talvez seja a exacerbação do velho pensamento criticado por Cazuza na canção Um Trem Pras Estrelas: “Eu vou dar o meu desprezo pra você que me ensinou que a tristeza é uma maneira da gente se salvar depois”.

Na loucura deles, podem ter pensado que protegiam os filhos de um mundo perigoso lá fora e, no entanto, se transformaram nos maiores algozes de quem deveriam proteger.

Mais uma vez, minha filha me pergunta para provocar reflexões sobre este caso: “Por que eles levaram os filhos para passeios na Disney”? Essa conta não fecha se voltarmos a falar apenas em loucura e maldade. Talvez, esses passeios fossem uma recompensa no sinistro processo de “educação” a que os monstros submetiam os filhos.

Acredito que esse caso tenha aberto mais algumas portas de terror em nossos pensamentos. A loucura e a maldade têm um repertório vasto. Tão complexo, que às vezes ficam travestidas de normalidade. Em mim, ficaram algumas perguntas além das que minha filha fez.

Quantas vezes “encarceramos” os filhos em nossos sonhos? Quantas vezes “protegemos” nossos  filhos tendo como parâmetros nossos medos e não os deles? Por quais janelas nossos filhos vão conseguir escapar do excesso de zelo que às vezes os submetemos?


Não tenho respostas. Esse caso é tão complexo que pode ter sido praticado por um casal de loucos, que se reuniu e fez uma maldade inominável com os 13 filhos sem justificativa alguma.    

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Tragédias nas praias: hora errada, lugar errado






Um policial à paisana reagiu a um assalto na Praia da Reserva. Bandidos armados arrancaram seu cordão de ouro. O policial começou a perseguir os assaltantes. Em fuga, os bandidos atiraram e a bala atingiu uma estudante.

Larisse Isídio da Silva estava com o namorado. Por volta das 9h20m ela e o namorado ouviram tiros. Quando a confusão passou, o rapaz percebeu que a moça tinha sido atingida.

O policial à paisana que reagiu ao assalto teve a pior atitude possível. Ele é um profissional da segurança pública, melhor do que qualquer um, sabe de todos os riscos que a reação a um assalto pode resultar.

Segundo depoimento ao site G1, ele achou que a arma era de brinquedo, pois estava descascada. Os tiros foram provocados por sua reação ao assalto. E Larisse, uma menina cheia de sonhos, está num hospital gravemente ferida.
O caso da estudante de 21 anos não sai da minha cabeça. Sua juventude lhe torna um pouco filha da gente. Sou professor há 16 anos. Vejo a batalha de muitas “Larisses” todos os dias. O brilho nos olhos de quem coloca o sonho numa tela e tenta reproduzi-lo traço a traço na vida real.

Larisse é vítima numa história que começou com a precariedade da segurança no estado. As praias são um dos pontos mais sensíveis da cidade durante o verão. No entanto, a certeza da impunidade é tão grande, que dois homens foram de moto à praia para assaltar, com a certeza que iriam conseguir se safar. Larisse é vítima também numa trama que passa pela reação impulsiva de um policial a um assalto, sabendo que aquilo poderia resultar num caso mais grave, como de fato resultou. O policial, que foi vítima de um assalto, arriscou a vida dele e a de dezenas de pessoas por um cordão de ouro. O individual na frente do coletivo.

Nesse ponto, as tragédias das praias se encontram. O atropelador da praia de Copacabana, Antonio de Almeida Anaquim, sofre de epilepsia. Em um vídeo exibido pelo Fantástico, ele diz que não é assassino. O homem explicou que teve um ataque no momento do acidente que matou um bebê de oito meses e atropelou 15 pessoas. No entanto, Anaquim dirigia com a habilitação cassada e omitiu sua doença na ficha do Detran-RJ.

O homem pediu perdão à família. Costumamos ser autoindulgentes e minimizar nossos erros. No entanto, apesar de não ter a intenção de matar, o fato de dirigir com a carteira cassada e não informar o problema de saúde o fizeram arriscar sua vida e de outras pessoas. E qual foi o motivo? Anaquim foi egoísta e, por isso, acabou com a vida de uma família. Sua omissão e egoísmo provocaram a situação.

Diante disso, nos resta torcer para não estar no lugar errado e na hora errada, como estavam as vítimas. Que a Larisse vença a batalha que está enfrentando. E que a família do bebê e as outras vítimas de Copacabana possam se recuperar da tragédia na praia.

    

domingo, 21 de janeiro de 2018

Diário de bordo: uma defesa ao jornalismo


Quinta-feira chega às telas brasileiras The Post - A guerra secreta- de Steven Spielberg. O filme trata de um episódio que ficou conhecido como os papéis do Pentágono e conta a luta  que a dona do The Washington Post, Katharine Graham, e o editor chefe do jornal, Ben Bradlee, travam com a Casa Branca para divulgar documentos secretos sobre a Guerra do Vietnã. 

Spielberg deixa claro que o filme faz paralelos com a realidade atual dos EUA, quando Donald Trump tenta de todas as formas atormentar e censurar o trabalho da imprensa livre, sendo um ícone no uso das notícias falsas na internet.  

O filme mostra a importância de um jornalismo sério, preocupado com um bem maior que é a pluralidade de informações e a transparência. 

Apesar das inúmeras plataformas de divulgação de conteúdo, não inventaram nada melhor do que o jornalismo para contar a história dos nossos loucos tempos. 

Jornalismo, aquele ofício que dá um trabalho danado, que requer esforço, sacrifício e devoção. Um trabalho difícil que muitas vezes é menosprezado e até vilipendiado. “Jornalista é um fofoqueiro” e “A culpa é da imprensa” são algumas das sentenças empregadas pelos que se sentem incomodados com o trabalho desempenhado nas redações físicas (cada vez menores) e virtuais. 

Uma grande questão dos nossos dias é a pouca disposição em pagar para receber notícias, pois as redes sociais suprem o desejo por informação. Torresmo, bacon e feijoada matam a fome. No entanto, consumidos em excesso, entopem as veias. Esse jornalismo de notícias falsas entope as veias da democracia e da liberdade de expressão. 

Jornalismo é buscar o contraditório, é ser chato na aventura de colocar luz onde se quer a escuridão a todo custo. Jornalismo é feito com curiosidade e técnica. 

Isso diferencia um jornalista profissional de um colaborador jornalístico. Não dá para ser “repórter por um dia”. Repórter é repórter o dia inteiro, todos os dias. 

O jornalismo é um sacerdócio, com privações e dificuldades. Jornalismo é encontrar portas fechadas e telefones ocupados e fora de área. E mesmo diante disso saber o que ocorreu dentro da sala e o que falaram ao telefone. 

Sem o jornalismo jamais saberíamos o que ocorre nessas reuniões de portas fechadas. Jornalistas escrevem o evangelho dos nossos dias. Já repeti essa frase tantas vezes, mas ela continua a me valer quando vejo a profissão depreciada. 

A atitude do Facebook de pedir que usuários listem sites confiáveis pode ter dois efeitos opostos. O primeiro, valorizar os grandes veículos que fazem o chamado jornalismo tradicional. O outro, que para mim é o mais provável, fazer com que incontáveis sites que fazem mau jornalismo proliferem e abafem os veículos “profissionais”. 

Não sou ingênuo, as corporações jornalísticas tem seus interesses, minha defesa não é a dos veículos tradicionais. Minha defesa é a do jornalismo profissional. 

Por viver disso, o jornalista profissional tem noção das consequências do seu ofício. O jornalismo morre um pouco quando alguém acha que é jornalista porque tirou uma foto e postou no Instagram. O jornalismo é ferido de morte quando os donos de veículos trocam mão-de-obra especializada pelo “olhar de repórter” do espectador, do leitor e do ouvinte. Depois, não podemos reclamar da perda de relevância da profissão. 

A intolerância vem de não compreendermos o papel do outro. Supervalorizamos o que fazemos e achamos extremamente fácil o que a outra pessoa faz. 

Essa história de que todo mundo é jornalista me lembrou uma passagem do filme Os incríveis. O vilão, Síndrome, faz armas para que todos virem super- heróis. E num momento deixa explícita sua intenção: “se todos forem super-heróis, não existirão mais super-heróis...”