Pensamento dominical
"A falsa modéstia é pior do que a arrogância"
Evangelho de São Ptolomeu
Por onde andas?!
A expressão banho de loja é uma mudança superficial. A
pessoa passa por esse processo e ganha uma nova aparência. No entanto,
internamente as mudanças são mais difíceis. O banho de loja é simplório, logo,
a Rocinha precisa muito mais do que isso. Vamos lá, para resolver décadas de
abandono, injustiça social e exclusão, o
prefeito fugidio anunciou tal procedimento reducionista para ajudar a
comunidade. Em 2004, na guerra entre Dudu e Lulu pelo domínio da própria
Rocinha, algumas pessoas da sociedade civil foram ao local e promoveram o
"dia do carinho" na comunidade. Um morador crítico achou ótimo, mas
disse que a Rocinha também precisaria de um "dia do emprego", depois
do "dia do saneamento básico" e listou vários "dias" que a
Rocinha estava precisando.
Além de simplista, o anúncio de Marcelo Crivella foi tardio.
Apenas no dia 27 de setembro ele se reuniu com o Gabinete Integrado de Gestão
para tratar do tema, ou seja, cinco dias depois do clímax do terror na
comunidade na Zona Sul. Diante de tal demora, recorri à agenda do prefeito para
ver o que ele fez de tão importante para impedir que entrasse logo no assunto.
A consulta mostrou uma agenda cheia. No entanto, os compromissos parecem pouco
efetivos para as urgências da cidade.
O buraco é mais em cima. O Rio tem cerca de 1,2 milhão de
desempregados segundo números do IBGE no primeiro trimestre de 2017. Em um ano
o índice teve um salto de 50%. Espero honestamente que a prefeitura esteja se
ocupando com esses números, pois será necessário mais que um banho de loja para
resolver o drama das pessoas sem emprego na cidade.
No domingo passado, com o Rio fervendo por causa da mais
nova edição da Guerra da Rocinha, Crivella reinaugurou o Parque Radical de
Deodoro, por exemplo. Não vamos ser
injustos, no dia 22, pior dia da guerra, o prefeito enviou uma nota em que se
solidarizava com os moradores, e lembrava que Segurança Pública é
responsabilidade do Governo Estadual. Ok, no entanto, havia escolas municipais
fechadas na comunidade e as crianças nada podiam fazer. Teria a Prefeitura um
plano de contingência para reposição das aulas? Nada. No dia 27 Crivella se
voltou para a comunidade da Zona Sul e prometeu o tal banho de loja. Mas na
segunda, primeiro dia útil depois do terror na Rocinha, com as escolas
fechadas, o prefeito tratou de outro assunto: acenou com a diminuição de ISS
para empresas do setor de TI.
Na quinta-feira reabriu o Piscinão de Deodoro. Atenção, eu
não me confundi, no domingo ele reinaugurou o Parque Radical de Deodoro, quatro
dias depois ele voltou ao bairro para reabrir o Piscinão. Crivella disse que os
moradores da região precisam de opções de lazer. Perfeito, prefeito, mas vou
recorrer ao morador da Rocinha para lembrar alguns aspectos. É urgente que as
obras na Avenida Brasil terminem, que não seja um suplício chegar ao Centro do
Rio e consumir quase duas horas de seu tempo na via. Pois Piscinão e Parque
Radical só poderão ser aproveitados se os moradores dessas áreas tiverem tempo
para aproveitar. As idas ao bairro de Deodoro, parecem-me benfeitorias para
agradar eleitores, já que a região maciçamente votou em Crivella no pleito
municipal. No entanto, benfeitorias na lógica "banho de loja".
Na sexta, o prefeito participou da inauguração de uma
cooperativa da Zona Portuária com 16 costureiros e costureiras. Dezesseis!
Bem, prefeito, escolas no Borel, na Mineira e no Morro do
Urubu não abriram enquanto o senhor participava de inaugurações nessa semana.
Mais de 4 mil crianças ficaram sem aulas. Com todo respeito à cooperativa da
Zona Portuária, diante da efervescência da cidade, esse item caberia mais na
agenda de um candidato a vereador do que na do mandatário da cidade.
A demora para entrar efetivamente no assunto Rocinha pode
gerar especulações. O prefeito não deu a devida urgência por ter sido menos
votado na Rocinha? Outra opção é não saber o que dizer ou fazer, o que é muito
ruim também.
Em meio à tragédia urbana que o Rio de Janeiro vive, a
Prefeitura encontrou tempo de perguntar qual a religião de quem malha nas
academias ao ar livre da cidade. Acho que o prefeito ainda não aprendeu que
governa para todos os credos, todos os bairros e não pode ser prefeito de um
partido, ou de uma religião.
O Rio é Rocinha e Maré, Deodoro e Ipanema. Esquecer essa
pluralidade é pecado (por favor, com trocadilho). No Rio tem quem é de amém,
quem é de saravá, e quem não é de nada disso. E até primeiro de janeiro de
2021, prefeito, o senhor tem que cuidar de todos eles. Tem até que entregar as
chaves da cidade ao Rei Momo no carnaval. Não sabe brincar, não desça pro play,
no caso, não queira ser prefeito.