sexta-feira, 29 de junho de 2018

As misteriosas coincidências no dia de São Pedro

Amigos, vou contar uma historinha que se tivesse sido relatada a mim, diria que era mentira. Fui à igreja de São Pedro na manhã desta sexta-feira. Ao sair da cerimônia, eu e minha mulher íamos para lugares diferentes. 

Embarquei-a num táxi rumo a Botafogo. Passados 3 minutos peguei outro para casa da minha tia na Tijuca. Assim que entrei no veículo, o taxista atendeu um telefonema. Pediu desculpas e frisar a quem ligou: “estou com passageiro. Vou me atrasar, não posso falar agora”. A outra pessoa respondeu: “podemos marcar para duas horas”? O motorista que estava comigo disse que sim. 

A viagem prosseguiu e eu comecei a conversar amenidades com o taxista. Eis que na altura do elevado Oduvaldo Cozzi, tocou novamente o telefone do taxista. Ele colocou no Viva-voz para poder falar. A outra pessoas disse então: “estou saindo de Botafogo, vou pegar o Rebouças e esperar você lá”. 

Ao ouvir o diálogo, perguntei: “seu amigo é taxista? E ele me disse que sim. Ai pensei, será que é o mesmo que levou a Ana Claudia? 

Liguei para minha mulher e confirmei que sim. Ou seja, eu e Ana Claudia pegamos dois taxistas irmãos, que iriam se encontrar, mas tiveram que adiar o compromisso porque cruzamos o caminho deles. Eu e o taxista que estava comigo começamos a rir da coincidência. No fim, disse a ele uma triste estatística. Gastamos nossa possibilidade de ganhar na Mega-Sena. 

Eu não tenho nem competência matemática de armar a equação desta coincidência da vida. Se considerarmos 30 mil táxis no Rio de Janeiro, a probabilidade é uma em 450 milhões aproximadamente. 

Ou seja, a vida se revela misteriosas nos pequenos atos e nas esquinas do Rio Comprido. 

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Um ano de Nova Rádio Globo


As rádios do Rio de Janeiro fizeram alguns gols contra nesta Copa do Mundo. É lamentável que Globo e Tupi não tenham enviado locutores para Rússia. Os locutores estão no chamado geladão, fazendo a transmissão assistindo pela TV. Para se ter uma ideia, na Copa do México, em 1986, Haroldo de Andrade apresentou seu programa de lá. Uma Kombi fazia as vezes de carro de som e os brasileiros que acreditavam na repetição do triunfo de 70 se sentiam mais perto de casa.

Fundamentalmente, a Rádio Globo demonstrava pujança e relevância no mercado publicitário. Esta primeira fase da Copa coincide com o primeiro ano no ar da Nova Rádio Globo. E então, por dever de ofício de professor, decidi acompanhar França e Dinamarca pelo rádio. Fiquei impressionado com uma coisa. Não ouvi nenhum, isso mesmo, nenhum comercial na transmissão da Rádio Globo. Chamadas dos programas, um excelente quadro O dia na música, mas comercial não tocou. Coloquei na Bandnews. Se não perdi as contas, havia cinco anunciantes, ou seja, cinco cotas de patrocinadores.

Como o jogo era 11h, a Tupi manteve sua estratégia de não alterar a programação por causa das partidas. A exemplo do que fez em 2014, a Tupi escolhe quais jogos vai transmitir. Por isso, não pude comparar com a carga comercial da Globo.

Gostaria de entender como o mesmo produto, futebol, no mesmo veículo, o rádio, tem realidades tão distintas. A cadeia Bandnews/Rádio Bandeirantes conseguiu patrocínios e a cadeia Globo/CBN não. Podemos pensar em algumas coisas. O preço cobrado pelas cotas, talvez as emissoras da família Saad tenham jogado os preços lá embaixo e conseguido vender as cotas. Outro fator que pode ter favorecido a Band é o fato da força da empresa ser no mercado de São Paulo, mais aquecido do que o carioca em muitos sentidos, principalmente no comercial. (Nota, a Globo obedece uma determinação da FIFA que não pode ter anúncio durante a bola rolando. Como o intervalo é uma zona cinzenta, não é bola rolando, mas está no meio do jogo, talvez a emissora tenha optado por não colocar os anúncios. Feita aqui a observação, para não cometer injustiças, de qualquer forma a taxa de ocupação de breaks ainda prevê baixa). 

A Rádio Globo opera em São Paulo na frequência FM há menos de um ano. Os números ainda não se firmaram, logo, o produto pode não estar atraente para os anunciantes. Uma das âncoras da reformulação da Rádio Globo era a FM em terras paulistanas. A escolha da voz padrão da emissora, inclusive, parece ser proposital. Para quem não é do meio, voz padrão é aquela voz que faz todas as locuções institucionais da emissora. Dirceu Rabelo, por exemplo, é a voz padrão da TV Globo.

Depois de quase um ano do projeto da Nova Rádio Globo estar no ar, há pontos positivos a se destacar. Carolina Morand dá mais credibilidade ao Café das 6. Fernanda Gentil empresta muito carisma ao Papo de Almoço. Às vezes, ela esquece de fazer referência a quem está falando, mas é algo que a rodagem vai corrigir. O Pop Bola continua bom, mas a audiência no dial sofre problemas por causa dos números ruins do jornal das 5 da tarde, apresentado por Rosana Jatobá. O investimento do Pop Bola na Internet é interessante e acertado. O Globo Esportivo com Marcelo Barreto também é um bom programa.  

No entanto, percebo que o problema de poucos anunciantes na Copa se reflete no restante da programação. Não faço ideia dos números da empresa e em nome dos muitos amigos que tenho por lá, espero que a emissora tenha lastro para aguentar o que parece ser falta de verbas publicitárias. Acredito que um projeto deste tamanho deve ter recebido um voto de confiança dos donos. Não sei qual foi o prazo dado para que a reformulação comece a dar resultados. Um ano para mudar a percepção de outros 73 é pouco. Não sei se na frieza das finanças, essa desproporção temporal vai ser levada em conta na hora de decidir pela continuidade do projeto.

A Globo escolheu mudar de segmento por falta de resultados financeiros. Era necessário fazer algo. Trocou um segundo lugar, no qual às vezes beliscava o primeiro, para brigar com a JB, estabelecida como líder das rádios adulto/contemporâneas. Só o tempo, esse agente misterioso e insondável, será capaz de responder se o caminho foi o certo.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Pra frente, Brasil? É isso mesmo?


A chamada da TV Globo para o jogo entre Brasil e Sérvia me assustou. O texto tinha tons sensacionalistas, algo como “o jogo que vai decidir nosso destino”. Depois vinha uma frase do tipo “o time da Sérvia é mais alto do que o nosso, mas teremos que ser maiores do que eles”.  Se entrasse “Pra frente, Brasil” a viagem de terror no tempo seria completa.

A chamada da maior emissora do país soou algo anacrônica, mas perigosa também. A seleção brasileira é um time de futebol, não é o país. Gosto muito de futebol, vibro, comento, corneto e acho que sei falar de tática tanto quanto Tite e, até, quanto o Guardiola. No entanto, sei exatamente todas as caronas políticas que os governantes tentam pegar nos eventos esportivos.

Enquanto nos preocupamos com os nervos à flor da pele de Neymar, A justiça deu uma forcinha para a Samarco e a empresa deixou de correr o risco de desembolsar bilhões para a criação de um fundo de prevenção de desastres como o provocado por ela mesma. A empresa sairá impune por ter matado gente, rios, fauna e flora. Por mais que se explique que o acordo faz parte de um Termo de Ajustamento de Conduta, o que interessa é que o desastre ambiental deixou marcas indeléveis em Minas e Espírito Santo. A nós, resta na boca um gosto amargo de fel, ou melhor, de lama.

O Brasil que precisas ser maior do que a Sérvia, precisa aprender a respeitar as mulheres. A atitude de Frederico D´Ávila no programa Roda Viva entrevistando a pré-candidata do PC do B à presidência foi espelho do que pensa uma parcela, infelizmente expressiva, da nossa sociedade. O “entrevistador”, assessor do capitão candidato e ligado ao agro negócio, perguntou à Manuela d´Ávila se ela achava que a castração química era uma solução para acabar com o estupro. Ao tentar responder, Manuela foi ostensivamente interrompida pelo cidadão. O “entrevistador” não sabe conviver com a diversidade de ideias. E o programa, deveria se desculpar com Manuela. Jornalismo não deve ser contra ou a favor, mas deve ser cordial. Tudo que esse imbecil, perdão, não consigo encontrar outro termo, não foi.
Enquanto Tite decide quem será o capitão do time no próximo jogo, Bruna da Silva tenta catar estilhaços do coração. Ela sofreu a dor indizível de enterrar o filho de 14 anos, Marcos Vinicius, morto durante uma operação na Maré. O menino estava com uniforme escolar. O Brasil que precisa ser maior do que a Sérvia, jamais estará à altura da dor dessa mãe.

E por falar em crianças, o que dizer das 49 brasileiras que foram separadas dos pais, graças a mais uma medida do inacreditável Donald. Nesse meio tempo, o vice-presidente dos EUA vai a Brasília e diz ao morto-vivo que porta a faixa presidencial como deve ser o relacionamento entre Brasil e Venezuela. Ah, não faltava mais nada. Americanos vindo aqui e dizendo como devemos nos portar. Filme antigo, com trilha sonora de vitrola, imagens de TV em preto e branco com Bombril na ponta da antena para sintonizar melhor.

E lá vamos nós, caminhando para trás, querendo ser maiores do que a Sérvia, mas não conseguindo ser nem do tamanho que deveríamos. Desrespeitamos, mulheres, crianças e quem pensa diferente. Pra frente, Brasil?  


domingo, 24 de junho de 2018

Aínda sobre as lágrimas de Neymar

Aprendi um provérbio africano que, na minha modesta opinião, pode servir muito bem ao que pretendo discutir no texto de hoje: a mão que dá é a mão que dirige. Pragmaticamente, a frase explica as relações mercantilistas existentes no futebol em geral e na seleção brasileira em particular. Resolvi dar seguimento à história do choro do Neymar por causa de algumas observações que recebi de leitores/amigos em relação ao último texto. 

Um amigo que trabalha administrativamente com o esporte me explicou que as posições da Copa do Mundo são todas “bookadas “, ou seja compradas. 

Segunda minha fonte, foi provavelmente por isso que o Tino Marcos teve a oportunidade de estar perto do banco de reservas e ter acesso à chuteira do Philipe Coutinho: “ele pode ter pedido ao massagista, ou até ao próprio jogador. Mas a TV Globo comprou a posição e pode ficar perto do banco de reserva, qualquer emissora poderia comprar”.  O provérbio africano me voltou à mente: “a mão que da...”. 

Outro amigo, que tem memória de elefante, me explicou a passagem do Tino Marcos com a chuteira do Philipe Coutinho. Ele me disse que na Copa de 2002, quando o Ronaldo Fenômeno fez o gol de biquinho na semifinal contra a Turquia, o repórter fez uma passagem parecida. Trata-se de um caso de autorreferência. 

Um terceiro leitor, duvidou da sinceridade no choro do Neymar: “Creso, só você para acreditar. Só a sua pureza! Foram lágrimas de crocodilo”. Meu amigo cético disse ainda: “parece uma vez que o meu Fluminense se classificou num jogo difícil da Libertadores e o Renato Gaúcho se ajoelho no meio de campo do Maracanã. Ele sabia que todo mundo estava prestando atenção nele e fez o teatrinho”. 

Realmente não sei. Mas tenho que respeitar a tese de meu amigo, ele entende dessas coisas. Está há muito tempo no mundo do futebol exercendo cargos de direção e lidando com as estrelas.  Eu continuo achando que o choro do Neymar foi uma gota de humanidade, depois, a pessoa jurídica voltou a dominar a cena. 

Uma amiga me lembrou algo preocupante: “o Neymar vence os jogos e quer dar ‘respostinhas’. Em vez de comemorar, de ir namorar, ele fica dando ataque. Parece que mudou o técnico, mas o Dunga não saiu de dentro dele”. 

Quando ganhou a medalha de ouro olímpica, Neymar deu um recado aos críticos. Isso realmente é chato. Ele tem que ter a consciência de que seu dom para jogar proporcionou que ele estivesse onde está. No entanto, o que o mantém ali é o distinto público e a imprensa. Um exemplo de um cracaço sem mídia é o Rivaldo. Ele foi o camisa 10 num título mundial, no entanto, poucos se lembram dele. Em 1999, foi eleito o melhor do mundo pela FIFA, mas não soube ou não quis se tornar celebridade. 

Que o Neymar faça mais gol e que a gente aprenda a colocar cada coisa em seu lugar. Seleção é uma coisa, país é outra, futebol é uma coisa e política é outra, apesar da insistência, devemos evitar colocar tudo no mesmo pote.

Tem um filme de terror se avizinhando e ele se chama Alemanha, traz no letreiro um 7 a 1 flamejante, que nos piores sonhos volta como se fosse um looping com aquela voz conhecida: “ih, virou passeio”. 


sábado, 23 de junho de 2018

O choro de Neymar e a chuteira de Philipe Coutinho

Sou um chorão juramentado. Choro com apresentação de balé da minha filha, choro com trechos de livro, choro com textos que escrevo e choro com fim de novela. Choro, choro e choro. Ponto. 

Do alto de minha experiência lacrimejante, acredito completamente no choro de Neymar. Ando divorciado dos ídolos globais. Alimento ranço pelo Fenômeno, por exemplo, mas reconheço em superação atlética na Copa de 2002, uma epopeia admirável. Então, o pouco apreço pelas “pessoas jurídicas” desses jogadores não impede o reconhecimento de suas qualidades. 

Quem chorou no gramado de São Petersburgo foi  a “pessoa física”. Alguém agraciado por um talento raro. Sim, um cara que tem o mundo aos seus pés, mas que tem as aflições emocionais que qualquer pessoa tem. Se Neymar não acreditasse no que as pessoas  falam sobre seu talento, não estaria onde está. A questão é que de onde o olhamos, destituímos o humano e queremos o super herói. E amigos, Neymar é um rapaz de 26 anos, que leva o peso de um país nas costas. 

O choro de Neymar me assustou. Espero honestamente que ele não venha a sucumbir às armadilhas que seu talento, seu “celebrismo” e nós, o público, o colocamos. Em outros setores, vemos o quão eficaz  essa “máquina de moer gente” é. Michael Jackson e Amy Winehouse são exemplos extremos. 

Se o choro no gramado de São Petersburgo foi da “pessoa física”, o post de depois do jogo foi da “pessoa jurídica”, publicado pela 9ª maior celebridade do mundo nas redes sociais. Na publicação, Neymar dá a entender que tem inimigos, “falar até papagaio fala, mas fazer, poucos fazem”. Parece-me um inimigo amorfo, sem cara e sem nome. Inimigo que pode ser criado como estratégia para o jogo de  “pequeno príncipe heroico” X “Vilão Malvado que quer acabar com a felicidade do reino”. 

O fato é que Neymar é um jogador excelente, no qual se deposita uma expectativa de ser a recuperação da hegemonia brasileira no futebol mundial. Vejo nele, alguns traços parecidos com os de Rubens Barrichelo. Piloto excelente, em que mídia, torcida e ele próprio colocaram a pressão de ser o novo Ayrton Senna. Talvez se quisesse ser apenas o Barrichelo, teria sido campeão mundial e não viraria um personagem caricato das redes sociais. 

Enquanto as pessoas “física” e “jurídica” de Neymar travam um duelo, Philippe Coutinho vai resolvendo. Dois gols e duas escolhas como melhor jogador em campo. Os olhos já se voltam para ele. Espero que o jogador não entre no espiral midiático do camisa 10. O atleta, cria das divisões de base do Vasco, também é estrela no mundo da bola, mas não tem a dimensão do ex-santista. 

No entanto, algo me preocupou. O fora de série Tino Marcos fez a reportagem sobre o jogo do Brasil. Na “passagem”, aquela parte em que o repórter aparece com o microfone, ele segurava a chuteira de Philippe Coutinho. Não sei como o jornalista conseguiu a chuteira, mas fico pensando se outros jornalistas brasileiros credenciados para a Copa teriam acesso ao calçado do camisa 11 brasileiro. Acho que não. A chuteira de Philippe na mão de Tino Marcos me lembrou Fátima Bernardes no ônibus dos jogadores na campanha do penta. 

Reforçou em mim a constatação que a seleção brasileira tem outros “donos”, que não a CBF.  A chuteira de Coutinho na mão do repórter e o contrato que Neymar e a TV Globo tiveram durante um tempo mostram que o “sistema” pega os jogadores “pelo pé” e “pelo bolso”. 

A explosão de choro em Neymar tem um pouco de uma sensação, até inconsciente, que alguém é dono do seu destino. Ele foi capturado pelo bolso e pelo pé. Nessa situação, à alma, só resta chorar. 

domingo, 17 de junho de 2018

A última chance que darei à seleção brasileira

Em 20 anos, essa será a primeira Copa do Mundo em que não terei envolvimento profissional direto com a competição. Trabalhei poucas vezes no Esporte, mas Copa do Mundo mobiliza toda equipe de reportagem. De 98 para cá, já fiz muito povo-fala (entrevistas com populares nas ruas) no Alzirão, em bares da orla de Copacabana, ou centros tradicionais de colônias estrangeiras na cidade. 

Lembro que acompanhei Itália e Áustria em um clube italiano que ficava em Santa Tereza. O jogo estava 1 a 1 e teve um pênalti para a Itália. Roberto Baggio se encaminhou para a cobrança. Quatro anos antes ele jogara pelos ares as chances da Azurra e premiava a seleção brasileira. 

Não olhei para a televisão. Fiquei olhando para os torcedores. Baggio bateu com tranquilidade e a Itália venceu o jogo. Obviamente, perguntei a todos se tiveram medo. Naturalmente, a resposta foi afirmativa. 

Não sei se me divorciei da seleção, como disse meu amigo André Lobão, mas com certeza não é a mesma relação de 1998. Ela se desgastou muito desde 2006. 

Em 1982, a primeira Copa que tive consciência, chorei desesperadamente. Esperava que alguma notícia restituísse a verdade. Que o juiz marcasse um pênalti retroativo, referente ao lance que o Gentile ficou com a camisa do Zico na mão. 

Na Copa de 1986, o pênalti veio. Zico é que não era o mesmo. Frio por ter entrado há pouco no jogo, perdeu um pênalti que talvez não existisse se não fosse um passe de cinema que deu para Branco. Mais lágrimas. 

Não gosto do Maradona. Reconheço sua genialidade, mas acho que ele usurpou o título de 86 que poderia ser do Zico. Delírios adolescentes. 

Em 94, vi as cobranças de pênaltis da final ajoelhado e chorando. Já 2002, a decisão foi no dia que completava um ano de casado. Não tinha como dar errado. Mais lágrimas de alegria. 

Mas aí veio 2014. Aquelas arenas anódinas, aquele canto à capela do hino nacional, aquele “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”... Tudo me causava um certo ranço. No entanto, eu torci. 

Ah, Alemanha! Confesso que no quinto gol eu já ria na redação onde acompanhava o jogo. Lembro de uma brincadeira feita no Facebook pelo meu amigo Isidoro Kutno. Ele postou no intervalo: “vou colocar no History Channel, está passando um documentário da 2ª Guerra Mundial. Lá, a Alemanha perde”. Ri muito. Vamos pular Brasil e Holanda. De 1982 até 2014, foi a primeira partida do Brasil em Copas do Mundo que eu não assisti. 

Acho que a seleção foi usurpada por ladrões da pior espécie. Ricardo Teixeira, José Maria Marin, Marco Polo Del Nero representam tudo de ruim que o futebol brasileiro pode produzir. O coronel Nunes, interino que pagou o grande mico do futebol mundial, ao “trair” a candidatura dos EUA, México e Canadá,  que no código de ética dessa turma, dar a palavra não representa absolutamente nada. 

Um rapaz mimado que joga muito , um técnico meio pastoral e carismático e um time muito forte. Essa é a seleção que entra em campo hoje. O amarelo já foi vívido em meu coração, hoje é desbotado. Mesmo assim, vou sentar em frente à televisão e torcer. Talvez seja a última chance que darei ao garoto que chorou em 1982. 




quarta-feira, 13 de junho de 2018

Você está animado para a Copa?

Caramba! Já tem Copa do Mundo de novo?!  Os últimos 4 anos passaram voando. Não sei se eles passaram voando, mas é que quanto mais velho você fica, mais a passagem do tempo parece acelerada. 

O ano de 2014 parecia um ano com perspectivas melhores do que 2018! A Copa era no Brasil, as pessoas estavam animadas por isso. As cidades eram visitadas por gente de todo o planeta. Era uma festa. Mas a seleção da CBF era mais ou menos. E a constatação da qualidade do time ficou evidente com o filme de terror que foi a partida contra a Alemanha. 

Pesquisa DataFolha acaba de mostrar que 53% dos brasileiros não estão interessadas na Copa do Mundo. Acho que o problema ainda é a frustração causada pela derrota do futebol brasileiro em 2014 e do país como um todo neste quadriênio. 

Tivemos dois presidentes, em vez de um no período. O atual ocupante está numa situação tão ruim, que se houvesse 10 pessoas numa sala, não haveria uma que gostasse dele. Para ser correto, um terço de uma pessoa gostaria. Vamos dizer que nove não gostariam e uma, do joelho para baixo, aprovaria o governo. 

Em 2014 havia candidatos bem definidos, já em 2018, o panorama é turvo, com a imprevisibilidade dando a tônica da realidade política. 

Mas eu queria mesmo falar de Copa do Mundo. Esse desvio político foi causado pela “boca torta” dos últimos tempos. 

Nesta Copa, pesa contra para mim, um pouco de saturação com as trapaças e o atraso que se vê no mundo da bola tupiniquim. Os melhores jogadores indo embora cedo. Zico, que jogou mais do que esses caras todos, foi vendido aos 30 anos. Graças a isso, formou uma legião de rubro-negros, além de ter fundado uma “religião”. 

Numa entrevista ao Jornal o Globo, Vinicius Jr diz que ficou pouco tempo no clube disse que gostaria de ser ídolo na Flamengo. No entanto, como segurar jogadores quando um caminhão de dinheiro estrangeiro é direcionado  à contratação de um adolescente? 

Mas estamos de novo em período de Copa. Essa já está caprichando na quesito “ineditismo”. A favorita Espanha demitiu o técnico um dia antes do começo do mundial. Nunca vi isso. Outra coisa: vai ter árbitro de vídeo. Tenho medo das trapalhadas que podem acontecer. 


Esse post já tem sua dose de ineditismo também. Nunca comecei um texto com a palavra “caramba”. Depois de algum tempo na estrada, algumas amarras, talvez por conta do desgaste, vão se desprendendo. Por isso, espero que durante sua Copa do Mundo, haja mais “carambas” positivos do que “carambas” negativos. Eis que no fim, escrevi a palavra quatro vezes, ou melhor, cinco: caramba!

terça-feira, 12 de junho de 2018

O Shopping da Bahia e a infância roubada

O algoritmo do Facebook me lembra que há 4 anos eu posava numa foto com pessoas queridas para celebrar a Copa do Mundo no Brasil. Estávamos felizes e num momento “com o brasileiro não há quem possa”.  A Alemanha nos mostrou que há sim e enfiou um 7 a 1 sonoro e significativo. Um 7 a 1 tão simbólico que a cada dia o Brasil parece levar um novo gol. 

O mais recente “gol da Alemanha” aconteceu no Shopping da Bahia. O vídeo começa com um jovem discutindo com um segurança. O motivo: ele queria pagar o almoço para um menor de rua que estava no templo do consumo. A discussão foi surrealista. O segurança dizendo que ele não pagaria o almoço e o o jovem insistindo que faria. Mais algum tempo e chegaram outros seguranças para reforção  o bloco fascista de “não pode pagar”. 

O rapaz insistiu que pagaria. O supervisor do Shopping da Bahia “autorizou” e o menino pode comer. Há um cardápio de injustiças sociais nas imagens. O menino era negro e pobre. Em vez do acolhimento, a infância roubada em forma de preconceito. A culpa de estar ali, sem condições de se alimentar não é dele, é nossa. Não nos indignamos, apenas respaldamos o modelo político-social que colocou aquele menino em situação de fragilidade. 

Tratamos nossas crianças negras e pobres muito mal. Não nos importamos quando as escolas delas são fechadas por causa de tiroteios de traficantes. Viramos o rosto para elas nos sinais de trânsito.  Ficamos com medo da aproximação. 

A ação dos seguranças, até por se passar na Bahia, me lembrou a canção “O Haiti”, de Gilberto Gil e Caetano Veloso: 

“Quando você for convidado para subir no adro da Fundação Casa de Jorge Amado pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos, dando porrada na nuca de malandros pretos, de ladrões mulatos e outros quase brancos, tratados como pretos”. 

Alimentamos uma sanha obsessiva por consumo, mas o shopping, o “templo”, dessa religião, só pode ser frequentado por alguns. O mais curioso é que muitos desses lugares permitem a entrada de cachorros. Crianças pobres não são bem-vindas. 

A música sempre pode iluminar o caminho. Essa ultima frase me lembrou Eduardo Dusek dando um tapa em nossos costumes burgueses: “Troque seu cachorro por uma criança pobre”. 

O vídeo do Shopping da Bahia nos faz pensar o quão desafinada é nossa sociedade. E como se fosse um meme em looping, uma alucinação com gols da Alemanha em profusão. Com 518 anos levando gols, não há título da seleção da CBF que possa virar esse jogo. 

Se você tiver estômago, o video está no link abaixo. Eu aconselho a ver. Ajuda a refletir se você está fazendo a sua parte. O pior é pensar que hoje, o menino, provavelmente, não sabe o que vai comer. 



segunda-feira, 11 de junho de 2018

Globo e Tupi farão cobertura desbotada da Copa

Uma das características tradicionais nas transmissões esportivas no rádio é o uso do reverb. Se você não liga o nome à pessoa, é aquele efeito que dá uma ideia de amplitude na voz, aumenta o eco e, consequentemente, preenche espaços sonoros. 

Já ouvi opiniões respeitáveis contra e a favor sobre o uso do reverb. Como tudo na comunicação, depende da linha editorial adotada pelo veículo. 

O Show do Antônio Carlos, hoje transmitido pela Tupi, sempre usou. Roberto Canazio usava  Tino Júnior, por exemplo, não gostava de usar. 

O certo é que o reverb é um recurso muito usado em rádios populares e talk. O som do reverb sublinha uma época. Como disse anteriormente, depende do gosto do freguês 

Estava na rua no momento do jogo do Brasil. Decidi ouvir o que faziam as rádios Globo e Tupi. A emissora da Fonseca Teles escalou o time titular. José Carlos Araujo e Washington Rodrigues. 

Os locutores chamam o uso do reverb de “brilho da voz”. Enquanto na Tupi, o eco era usado “sem medo de ser feliz”, na Globo, se havia, era discretíssimo. Qual o resultado sonoro?

A transmissão da Globo era cool, era Bossa Nova, um clássico, como clássica e charmosa é a transmissão de Edson Mauro. A transmissão da Tupi era uma festa animada. O brilho na voz e a interação de Garotinho e Apolinho davam um ar muito mais animado na condução do jogo do time da CBF. Nada a ver com a qualidade dos comunicadores, todos craques,  e sim com a plástica das transmissões.

Entendo e não acho totalmente errado que a rádio Globo tenha abolido o reverb de sua plástica sonora. Da mesma forma, compreendo que a Tupi não é mais concorrente da Globo. No entanto, no futebol, por mais que o comando da Globo queria modificar o fato, a verdade é que as duas disputam o mesmo público. 

Deixar a narração quase “flat”, como fez a Globo no jogo da seleção, dá um ar de anticlímax à transmissão. O ouvinte acostumado com a transmissão radiofônica irá para os braços da Tupi. 

Quem pensa em rádio não pode pensar apenas no que é dito, mas como essa mensagem é plasticamente embrulhada. A plástica da Globo no futebol está o tanto quanto sem brilho. 

A música da Copa que a Globo lançou é um pouco chata. A rádio deu uma guinada para a sofisticação, mas na hora de escolher a trilha sonora para a Copa, fez a opção por uma melodia mais humorística. 

Então, há um conflito na transmissão esportiva. Uma plástica “flat” com a bola rolando e uma música “engraçadinha” como trilha da Copa. 

O fato é que pela primeira vez em muitos anos a emissora não terá locutores no país em que se realiza a Copa. A Tupi também não deve ter. Vou refazer o período anterior, talvez essa seja a primeira Copa desde 1950 em que a Rádio Globo não terá locutores no país em que se realiza a Copa. 

Isso é muito triste para quem gosta de rádio. Daqui a alguns anos, gestores vão entender que não vale ter locutores na rádio. É melhor plugar no som da TV e fazer uma só transmissão. 

Quando isso acontecer, será dado o tiro para acabar com as transmissões de futebol no rádio. O veículo será tratado como apêndice. Ainda sobrará o debate, pelo menos até que alguém, saído de algum setor burocrático, entenda que o debate também é caro.  Aí, nem isso vai sobrar.

domingo, 10 de junho de 2018

Um enorme sapo sujo de lama

Durante evento na Casa das Garças, na Zona Sul do Rio de Janeiro, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan se dirigiu ao ex-presidente Fernando Henrique e disse: por que você não sai candidato?” FHC descartou a candidatura. 

Para situar o leitor que não liga o nome à pessoa, a Casa das Garças é uma espécie de clube “de economistas com filosofia neoliberal”. Muitos dos pais do Plano Real frequentam os eventos que discutem os rumos da economia e da sociedade brasileira em geral. 

Uma das pessoas presentes ao evento disse que acha muito difícil que o ex-presidente se lance. No entanto, meu interlocutor disse que a conversa tinha um grau de formalidade, logo, seria realmente difícil que FHC admitisse concorrer. “Se fosse um papo de chopp e ele dissesse não, eu descartaria de vez. Acho muito difícil, mas não é impossível Fernando Henrique se candidatar”. 

O ponto é o seguinte: essa hipótese pode ser a décima opção tucana, mas é uma ideia que paira em alguns setores da sociedade. 
     
Muita água vai rolar até o começo efetivo da campanha, mas um fato é inegável: Geraldo Alckmin não decolou. As pesquisas o colocam atrás de Jair Bolsonaro, Marina Silva e Ciro Gomes. 

Nenhum dos três líderes, sem o nome de Lula nas pesquisas, é o nome dos sonhos da FIESP, do agronegócio ou das conglomerados de comunicação. Alckmin será provavelmente a escolha desses setores. No entanto, precisa parar de patinar. Essas pessoas não jogam dinheiro fora. Procurarão uma opção para o caso do ex-governador de São Paulo não se tornar um candidato viável. 

Existem dois PSDBs Num deles está Geraldo Alckmin e no outro Fernando Henrique.  As falas favoráveis a Alckmin só saem da boca do ex-presidente em declarações protocolares. Ele não consegue ou não quer apostar as fichas no ex-governador de São Paulo. 

Bolsonaro, Marina e Ciro têm pés de barro nessa eleição. Os dois primeiros carecem de máquina partidária. Campanha presidencial precisa de capilaridade, de diretórios fortes nos rincões do país. Ciro tem mais máquina que os dois, mas seu estilo causa dúvidas. Dos três, é a maior “raposa”. Com o irmão Cid Gomes na coordenação da campanha, pode conseguir as alianças necessárias para garantir uma ida ao segundo turno. 

Se o quadro de candidatos não sofrer alterações significativas, o provável segundo turno será entre Bolsonaro e Ciro. A falta de máquina de Marina pode provocar desidratação, como ocorreu em 2014. 

Esta disputa no segundo turno deixaria a Casa das Garças sem candidato. Até por ter sido tucano, os votos de lá poderiam ir para Ciro. Provavelmente, com um das mãos tampando o nariz e a outra digitando o número do candidato na urna eletrônica. 


Aqueles tucanos de plumagem “retrô”, com o velho espírito da Rua Maria Antônia ,sonham com FHC, aceitariam Marina e engolem Alckmin como um enorme sapo sujo de lama pelas relações “santas” durante o tempo que governou São Paulo.  

sábado, 9 de junho de 2018

Corrigindo e não aprendendo

Andei brigado com os textos do blog. A falta de tempo provocada pelo final do período no mestrado também ajudo e não publiquei nada desde o último domingo. 

No entanto, como havia um erro no último texto, preciso corrigir. O Curta é de fato um excelente canal a cabo. A questão é que o programa nas Nuvens, apresentado por Liminha é do Arte 1. Os dois canais são vizinhos na minha TV por assinatura é isso pode ter provocado minha confusão. 

Alertado do erro pelo amigo Guilherme Boisson, me vi na obrigação de dizer o certo. Pois bem, feita a correção, gostaria de falar de um programa, agora sim, do Curta. 

Trata-se do Documentário Imagens do Estado Novo. O filme de Eduardo Escorel tem nada comerciais 4 horas. Exibido nos cinemas, havia inclusive um intervalo para que o público esticasse as pernas. 

O Canal Curta prestou um grande serviço e exibiu-o em episódios. O filme traz imagens raras da Era Vargas. Não reclamem de spoiler. Vargas é deposto no fim, caso você tenha perdido o final do “filme”. 

No sábado de manhã, tive que percorrer pouco mais de 5 quilômetros entre a minha casa e a apresentação de balé da minha filha. 

Desafortunadamente, fica no Teatro Fashion Mall. Porque desafortunadamente? A guerra urbana do Rio está em curso. E a Rocinha está conflagrada há meses. Moradores reféns do estado de exceção causado pelos bandidos na comunidade. 

É bem ruim a sensação de insegurança. Aprisiona nossas almas. Olhei no GPS e o melhor caminho era a Autoestrada Lagoa-Barra. O trânsito estava ivre no Túnel Acústico, no Zuzu Angel também ia bem. Logo após a última curva, carros parados. Mantive a calma, mas a interrupção abrupta do fluxo de veículos causa sobressaltos no coração do carioca. 

O trânsito começou a andar. Eu achei melhor fazer o retorno por baixo e passar por trás do Fashion Mall para acessar o estacionamento . Ao sair da estrada principal, o motorista se depara com caminhões do exército, homens com roupas camufladas e tanques de guerra. 

Fico pensando que o dia em que eu naturalizar os meus olhos pela presença de um tanque estacionado no meio da rua, algo muito errado aconteceu com a minha sensibilidade. 

Estava com os vidros do carro fechados, trafegando numa velocidade baixa. No entanto fui parado por dois militares. Abaixei os vidros e ouvi o conselho para que continuasse o percurso com os vidros abaixados. 

Segui, cheguei ao teatro. Escrevo este texto antes da minha filha estar na ribalta. Espero que o próximo texto seja lúdico, como lúdico é o balé. Que as cenas do filme que vi na manhã de sábado no Rio, estejam num documentário daqui a 70 anos. 


Se estiver no filme, meus filhos bem velhinhos ainda verão. Espero que a geração deles tenha finalmente aprendido com as imagens do passado para evitar desmandos, tiranos e crises políticas. A minha, pelo que podemos perceber, não aprendeu. 

domingo, 3 de junho de 2018

Paula Toller e a máquina dos sonhos

O canal Curta! é um dos mais interessantes da TV a cabo. Nele assisti ao programa Nas Nuvens, apresentado pelo produtor musical Liminha, espécie de “quinto beatle” do Rock Brasil. Ele trabalhou com quase todas as bandas que estouraram nos anos 80, na esteira do primeiro Rock’N Rio. 

O nome do programa é igual ao do estúdio montado por ele e que se tornou o “Abbey Road” tupiniquim. No programa que vi, a entrevistada foi Paula Toller, musa do movimento, que tinha entre seus fãs ninguém menos do que Ruben Braga e Chico Buarque. 

Paula Toller talvez seja a cantora mais importante do Rock Brasil, nos anos 1980. Aliás, vou reformular, Paula era a única mulher no exclusivo clube do Bolinha das bandas de Rock. Fernanda Abreu e Márcia Bulcão faziam backing vocal na Blitz, mas o protagonismo era de Evandro Mesquita. Calma, Rita Lee é anterior e fundamental. Estou falando de Rock Brasil. 

O Kid Abelha era uma fábrica de hits. Se você for enfileirar os sucessos, preencheria umas 10 páginas de texto. A conversa entre Liminha e ela foi fascinante para quem gosta de música. Paula fala detalhes de seu processo de composição. Ela conta, por exemplo, que Fixação nasceu de sua observação sobre o homem que tentou matar Ronald Reagan porque era apaixonado por Jodie Foster. Em outra passagem, Paula diz que na época em que escreveu a letra de Garotos, achou que tinha exagerado e sido agressiva, mas hoje considera a música feminista. 

Lembrei muito de Paula Toller lendo o jornal de hoje, mais especificamente a reportagem de Sérgio Matsura na seção de Sociedade. Cientistas americanos inventaram uma máquina de controlar os sonhos. Em linhas gerais, a máquina é um robô que monitora o sono e faz perguntas ao paciente para que ele responda enquanto estiver naquela fase inicial do sono. Para evitar que as ideias se percam, as respostas são gravadas. 

A nova máquina poderia acabar com a angústia de Paula Toller descrita na música Espião: “ Ver você dormir, me corta o coração, o teu sorriso é sonho ou traição. O que você sonhou, eu nunca vou saber, me dá uma pista que eu possa percorrer”. A nova máquina pode ser um perigo para parceiros que não preconizam a fidelidade em seus relacionamentos. 

Na verdade, a brincadeira esconde algo de ruim nossos tempos. O sono é quase um elemento transgressor em nossos dias, como diz o escritor americano Jonathan Crary. Ao explorar essa última fronteira, você consegue o controle absoluto de corações e mentes. 

Num futuro mais próximo do que os filmes de ficção poderiam supor, máquinas como essas podem criar coisas como “índice de produtividade durante o sono”. Quantos problemas você consegue resolver enquanto dorme? Descobrir se o/a parceiro(a) traiu pode ser o menor dos problemas que a máquina de controlar sonhos pode desencadear. 

Não sou alguém avesso às novas tecnologias, mas elas abriram a bolsa de Pandora há muito tempo. O homem tem objetivos monitorados desde a hora em que acorda, até a hora de dormir. Com essa máquina, o monitoramento se espalha para um lugar até então inexpugnável. 

Uma palavra que me irrita no mundo corporativo é usar  “desligamento” em vez de demissão. Acho que além de pernóstico, é  a transformação do homem em equipamento. Pois bem, uma máquina que monitora os sonhos torna realidade a metáfora 

E nessa sociedade 24X7, para usar o título do livro de Crary, até sonhar pode passar a ter custo. Enquanto isso não acontece, vou continuar ouvindo Paula Toller. Aliás, adoro essa dobradinha dela com Chico Buarque na música Dueto.  

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Aprender é um ato de desprendimento

Se você tem um blog e se propõe a escrever nele todos os dias, tem que ter seus artifícios para preencher a folha em branco. O meu é caminhar pelas ruas. 

Eu sei, não é novo. Baudelaire já fazia isso por Paris. Então é assim. Sou um copiador que se inspira em Baudelaire. 

Claro que muito mudou entre a nobre pena do “flaneur” e o vulgar bloco de notas do pretenso escriba, que deita à lauta digital algumas palavras.

No entanto, mais que Baudelaire, eu queria ter herdado a precisão do olhar de Machado de Assis. Mas como o dom de bruxo não veio configurado em meus arquivos, fico só na pretensão. Na verdade, o parágrafo anterior tentou homenagear o escritor por meio do estilo. 

Ok, preciso voltar ao texto, ao objeto ao qual me propus escrever. Então, pus-me a caminhar às margens da Lagoa Rodirgo de Freitas. Todos aproveitando a beleza do dia de outono no Rio de Janeiro. 

Não domino a arte da fotografia. Mas meus muitos amigos que podem se orgulhar com a honraria de mestres no assunto sempre destacam que a luz outonal na paisagem carioca deixa os dias de outono deslumbrantes. 

Além de aproveitar a beleza, alguns se dedicavam ao sagrado exercício de se manter em movimento e bombear o coração. Caminhava eu, num misto de procura por inspiração e tentativa de bombear o coração, quando me chamou atenção uma cena. 

Uma moça, de não mais do que 25 anos, usava um skate. Ela colocava no chão, dava uns três impulsos, se equilibrava um pouco e depois perdia o equilíbrio. 

Ao retomar a manobra, se preocupava em não atrapalhar quem vinha em marcha atlética pela Lagoa. 

Pensei que aprender representa antes de tudo um ato de desprendimento. Significa sair da posição de conforto para descobrir algo novo em sua rotina. 

Aquela moça não se importava com o fato de que a maioria das pessoas que andam de skate aprenderam em idades muito anteriores às dela. Mesmo assim, ela foi para a Lagoa, um lugar particularmente inóspito em feriados, devido à superlotação de gente. Ela persistia na saga para se equilibrar em cima de quatro rodinhas. Ao cair, ela colocava o skate na pista, conferia se não atrapalharia ninguém e continuava a jornada. 

Quantas vezes a gente desiste pelo medo de cair, nem sobe no skate e já se julga incapaz de aprender. A queda precede o levantar. Ah, existe ainda a vantagem que de skate a locomoção ganha agilidade. Louvo a moça. Não tive a mesma disposição de aprender que ela demonstra. Até tentei andar de patins, mas acabei um esporádico ciclista.