terça-feira, 31 de outubro de 2017

Sobre bicicletas, árvores e grades








Estava passando pela ciclovia do Humaitá. Para quem não conhece a geografia do local, a ciclovia vai do consulado americano até a altura dos correios na Rua Humaitá. É um trecho com desnível. Ciclistas de fim de semana às vezes podem ter problemas para subir. Mas esse texto não é sobre aventuras ciclísticas. Bem, pode até virar. Vamos ver no final.

Passava eu na ciclovia e reparei na estranha forma de crescer de uma árvore. A raiz obviamente saia do chão, mas o tronco se entrelaçava com a grade que separa a ciclovia da faixa de rolamento dos carros.

Um exemplo de como a natureza se impõe independentemente dos limites que a gente queira colocar nela. A árvore foi crescendo, encontrou a grade, se misturou com ela, ultrapassou e continuou crescendo. Uma das hastes da grade cedeu e a árvore continuou sua transformação, seu desenvolvimento.

Estou arrependido de não ter tirado uma foto para ilustrar esse texto. Confesso que fiquei com preguiça ciclística de ir ao local apenas para tirar uma foto. Em breve eu tiro e mostro, nem que a imagem entre como  p.s. num post futuro.

Na verdade, o crescimento da árvore em meio ao metal que a cerceava me fez pensar: o que é da natureza não se consegue aprisionar. Pode ser uma luta inglória, em que o desvencilha-se é doloroso, mas a transformação prossegue.

E quando chega lá na copa, já madura, a árvore nem se lembra da dor que sentiu quando era raiz se embaralhava com a grade hostil. A árvore cumpriu sua função, cresceu. E a grade? Acabou sendo partida pela força irrefreável do destino da árvore.

Na vida você é grade e é árvore, há coisas que durante certo tempo você pode limitar, mas depois elas seguem seu caminho. A gente tem que perceber em que momento tem que deixar de ser a grade. Quando a gente é árvore, é necessário ter a resiliência para cumprir a sina reservada.

Pensei nisso tudo enquanto pedalava na subida da ciclovia. Estou fora de forma e ficar olhando aquela árvore me deu a desculpa para tomar um fôlego e continuar a pedalada.

No mais, tente não ser grade, pois no fim a árvore cresce. E quando for árvore, continue, porque uma hora a grade cede.

É, o texto acabou não sendo sobre aventuras ciclísticas.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

A Reforma






Há 500 anos Martinho Lutero se dirigiu a uma igreja católica na Alemanha e pregou na porta 95 teses que marcavam o início da Reforma Protestante. Um delas criticava a cobrança de indulgências pelos padres católicos. Numa explicação rápida, os religiosos pregavam que para garantir um lugar no céu as pessoas deveriam comprar seu “bilhete” pra lá.

Eu sou batizado na Igreja Presbiteriana de Botafogo. Apesar da distância do cotidiano da igreja, ainda me defino como um presbiteriano. Tenho pessoas queridas que ainda frequentam a igreja. Meu casamento foi ecumênico, celebrado por um padre e por um pastor com quem joguei bola e me conhece desde que eu nasci. Fui batizado, inclusive, pelo avô dele.

Então, gostaria de dizer algumas coisas. Foi na Igreja presbiteriana que aprendi noções  de caridade e de busca por uma justiça social. Quem teve o privilégio de conhecer o reverendo Geraldo Nunes de Azevedo vai se lembrar disso.

Lembro-me até hoje de um sermão em que ele alertava “às vezes damos às pessoas o que achamos que elas querem, quando na verdade deveríamos dar o que elas pedem”.

Presbiteriano, aprendi a frequentar cultos  ecumênicos, entender que não há um só caminho. Crenças não são certas ou erradas. Aprendi o que é tolerância religiosa e liberdade de culto.

Dito isso, não me representam essas pessoas com a visão fundamentalista de censurar exposições, condenar formas de amar e impor limites e castigos ao corpo, principalmente o corpo feminino.

Cresci cantando Paula e Bebeto: “Qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer de amor valerá”. Na verdade, preocupa-me a segregação e a falta de diálogo religioso. Aliás, vivemos numa era “pós-diálogo”, ou pior, “anti-diálogo”.

A agenda obscurantista de censurar a arte e o saber vai nos levar à ruína. Os protestos contra Judith Butler, em São Paulo, e a invasão da sala de aula na Uerj para impedir uma aula sobre Revolução Russa estão parecendo o Comando de Caça aos Comunistas. Se rolar uma marcha da família, vou achar que entrei numa cápsula do tempo.

Quem sou eu para contrariar Karl Marx, mas acho que o Brasil de hoje embaralharia até o raciocínio do conterrâneo do Lutero. Marx dizia que a história se repete a primeira vez como tragédia e segunda como farsa. Longe de mim querer ser petulante por ter um ponto de vista diferente de Karl Marx, mas corremos o risco de repetir a história como tragédia novamente.

Se você quer falar em nome de Jesus, pense que ele impediu que os hipócritas apedrejassem a prostituta Maria Madalena e expulsou os vendilhões do templo.

A julgar pelo poderio econômico de alguns que falam em nome dele, Cristo vai ter que dar um pulo aqui de novo e reclamar de apropriação indébita da “trade mark”. Aposto que ele não aplicaria os royalties em templos suntuosos, mas daria comida para quem tem fome e não perderia tempo impedindo exposições e palestras. Ele sofreu na pele esse negócio de intolerância e preconceito.

domingo, 29 de outubro de 2017

O irresponsável das palavras





Quando a gente tem filhos começa a contar os dias, a primeira noite totalmente dormida e vários outros marcos que interessam apenas aos pais e a quem cerca o bebê. Apesar de só interessar ao ciclo restrito, a gente divide tudo com todos. Na era digital então, é uma festa, não há segredos ou discrições.

E tem uma instituição chamada mesário. No primeiro ano da criança, todo mês os pais cortam um bolinho, chamam avós, tios e padrinhos para comemorar mais um mês na vida do novo integrante da família. Fotos, snap, mudança de foto no perfil do Facebook, tudo isso faz parte do ritual tecnológico de nossos dias.

Como meus filhos já estão crescidinhos, resolvi fazer um mesário do blog. Sim, nesta segunda-feira, 30 de outubro, o Blog do Creso faz um mês. Diferentemente dos bebês, ele não é a “gracinha da casa”, mas pode tirar o sono do pai.

Nesses 30 dias em que me lancei nessa aventura insana de escrever, já descobri algumas coisas. A primordial, não é fácil ter assunto todo dia. Recorrer a metalinguagem, como estou fazendo hoje, é prática condenável se repetida muitas vezes.

Apesar de você construir sua história a cada dia, é pão que poucos assam transformar em um texto razoável qualquer fato banal do cotidiano. Então, você começa a olhar pessoas na rua para ver se a roupa delas, ou os trejeitos dão uma ideia. Se as nuvens do céu formam uma imagem diferente que sugira um mote. É, eu disse que a atividade era insana. Ah, tem o recurso de apelar para suas histórias. Convenhamos, por mais interessante que seja a sua vida, é difícil que ela tenha dias plenos de casos interessantes para dividir.

Como estou num exercício de virar os olhos para dentro, como se fosse uma ressonância magnética da página. Resolvi então nesse mesário falar um pouco de números. Foram mais de 8500 visualizações nesse primeiro mês. E experimentei a tal da globalização. As estatísticas do site mostram o fluxo de tráfego para o blog.

Tenho amigos na Espanha, nos Estados Unidos e no Canadá. Essas amizades internacionais estão representadas nas estatísticas. Elas me dão o privilégio da leitura e me enchem de alegria.

Mas a revelação da origem dos visitantes guardou surpresas também. Há acessos na Índia, no Paquistão e na Ucrânia. Ou seja, esse obscuro escriba atravessou oceanos e continentes com suas palavras e chegou a lugares que com certeza não visitará fisicamente.

Nesse período, já desnudei angústias, falei mal de uns, falei bem de tantos e até tive vergonha. Paradoxos da vida, as palavras blog e vergonha não deveriam estar na mesma frase. Bem, a revisão dos textos me tira o sono. Sempre entro e descubro algo que deveria estar escrito melhor. Às vezes deveria estar escrito certo e aí me sinto um completo imbecil.Quer saber, além de vergonha, ter um blog dá um medo! Não é apenas o exercício narcisista de alguém que acha que tem algo a dizer. É revelar o que vai pela alma, revela os dias pouco inspirados e se expor.

Se você pensar na força das palavras e do alcance que elas têm, você trava e não consegue nem dar bom dia. Então vou pensar que estou falando na sala de casa, para tirar o peso opressor da responsabilidade dessas palavras transnacionais.

Pensando bem, viver exige da gente muita irresponsabilidade. Boa semana!

sábado, 28 de outubro de 2017

Indo para a bandeja





                                                      


Escrevo nesse momento com uma compressa de gelo na panturrilha direita. Sim, a massa gorda que se solta no ar num arremesso na foto acima, sou eu. Ao aterrissar depois de alguns saltos e tentativas com o aproveitamento de 0,001%, senti a panturrilha, ou melhor a velha e boa batata da perna. 

Tudo começou assim: resolvi fazer “uma presença” e bancar o pai descolado e desportista. Depois de 52 dias conturbados, acordei cedo, tirei o adolescente da cama e disse, vamos nessa.

Tentei fazer com que meu filho Pedro fosse um amante do nobre esporte bretão. Dei bola, uniforme, coloquei para ver todos os jogos do Flamengo, mas ele se apaixonou pelo New York Knicks. Consegui que ele tenha uma torcida cordial pelo Flamengo, mas paixão mesmo ele tem por cestas, assistências, passes e tudo que diz respeito ao basquete. Mais especificamente à NBA. Quando saíamos de casa, comentei que um aluno, o Gabriel Queiroz,  de 21 anos, também torcia pelo Knickcs. Meu filho me disse: “Até agora não sei porque escolhi o Knicks”. Para quem não sabe, o Knicks é uma espécie de Botafogo do basquete americano. Tem tradição, simpatia mas a maior relevância foi no passado, tanto que o último título é de 1973. Pronto, agora vou despertar a ira desportiva. Tá bom, o Botafogo está fazendo um papel bonito este ano. 

Chegando ao clube pensei: “Não deve ser tão difícil. É só jogar a bola pra cima, mirar certinho que ela entra”. Ledo engano. Se você não começou a jogar basquete na infância/adolescência, dificilmente vai dar “pra saída” na pelada do basquete. Amigos como Carlos Eduardo Eboli, Glauco Paiva e Eduardo Compan são peladeiros de basquete e podem atestar o que estou falando. Aliás, nem sei se no basquete o termo é “pelada”.

Aí, para não ficar só naquele café-com-leite de arremesso, fomos fazer um contra um. Amigos, ele tem menos da metade do meu peso. Eu não conseguia nem ver por onde ele passava. Batia a bola por entre as pernas, fingia que ia para um lado e ia para o outro. Não tenho nem condições de dizer se ele joga bem ou não. Sei que ele joga e eu não.

Quando aquele garoto que com dois dias de vida estava no meu colo vendo um jogo do Flamengo, se transformou naquele cara do meu tamanho, de voz grossa e bigodinho começando a ficar proeminente? Convenientemente, melei a partida e nem sei de quanto a “ZERO” foi o “sacode”. Na parte final do “treino”, começamos a posar para fotos e saíram os instantâneos que ilustram esse texto.

O tempo passa e a gente perde a referência dele. Nessa construção de segundo a segundo que é a vida, a gente tem que dar um tempo para ver o que acontece com a gente e com aqueles que amamos e estão ao nosso redor. Nessa semana encontrei uma aluna que não me via há 5 anos. Ela me disse: “você não mudou nada”. Agradeci incrédulo, desconfiando que ela foi apenas  gentil. Na verdade, eu sei que mudei muito. Ela se referia à minha aparência. Talvez externamente tenha mudado pouco. Os cabelos rareiam e ficam brancos num ritmo obsequioso, o que pode disfarçar um pouco esse envelhecimento inexorável. Internamente, não sou a mesma coisa que ontem, imagina do que há 5, 10 anos.

O fato concreto é que não é fácil jogar basquete.  Não podemos ver algo que os outros fazem bem e achar com um reducionismo impressionante que a competência adquirida por uma pessoa vai ser absorvida por nós com um simples olhar. Há pouco fui fazer uma prova e me saí relativamente bem. Antes do resultado, eu preparava uma desculpa fácil para o fracasso dessa etapa e disse: “Só me preparei por 15 dias”. Minha tia Nelly, de 87 anos, lúcida inquieta e escritora  me corrigiu: “Você está se preparando há 46 anos”. Pois é, para prova sim, mas para o joguinho de basquete com meu filho não. Enquanto escrevia, a compressa de gelo perdeu o efeito. A panturrilha está doendo menos, mas o incômodo persistente me lembra das limitações e das dores como efeitos menos afetivos da passagem do tempo. Em compensação, o riso debochado do meu filho ao passar por mim como quis na pelada mostra-me como é bom que o tempo passe.


sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Tropeços e gargalhadas



Essa semana o jornalista Everson Passos morreu. Ele foi meu contemporâneo na CBN, apesar de nunca ter encontrado com ele pessoalmente, nos falamos muitas vezes quando eu entrava no ar. Aqueles relacionamentos possíveis em emissoras em rede. Você conversa no ar, mas a rotina de trabalho inviabilizava o contato com os profissionais de outras praças. Everson ancorava programas em folgas e fins de semana. Uma das minhas “audiocacetadas” mais engraçadas teve o Everson como participante involuntário.

Transcorria a Bienal do Livro, salvo engano, no ano de 1999. O evento era grande, mas ainda se conseguia andar com calma e abordar os autores sem o esquema das assessorias. Andando pela feira, encontrei o escritor e jornalista Eduardo Bueno. Peninha, como é conhecido pelos amigos, estava lançando o terceiro livro da sua exitosa série “Viagens do descobrimento”, sobre os 500 anos da chegada dos portugueses à América.

O livro se chamava “Náufragos, traficantes e degredados”. Fiz aquele conversa prévia, dei uma apurada e me preparei para entrar com o entrevistado. No estúdio, Everson Passos comandava o CBN Brasil, substituindo o Hermano Hening, pois era feriado.

Vamos lá, era a CBN no fim do século passado. Ok, essa frase foi a tentativa de dar algum caráter clássico e histórico à vulgaridade do jornalismo. Mas digamos que era uma CBN mais engravatada, como se dizia na própria emissora. Mais rígida, com menos espaço para a informalidade.

Everson chamou: “Vamos ao Rio de Janeiro, o repórter Soares Júnior está na Bienal do Livro. Boa tarde Soares”

“Boa tarde Everson Passos, a Bienal do Livro está no dia x. Os cariocas estão aproveitando o feriado para vir ao RioCentro na Zona Oeste do Rio”. Atire a primeira pedra o jornalista que não teve que fazer matéria fru-fru e usou jargões batidos para compor seu texto. “E o escritor Eduardo Bueno conversa agora aqui na CBN. Ele está lançando o terceiro livro da série viagens do descobrimento. Esse volume se chama nrau..mrauf, nrouf...” Olho em busca de auxílio e encontro Eduardo Bueno prostrado na minha frente de tanto rir. Amigos, eu tinha caído na piada. Colocar um nome trava-língua no livro só podia ser piada e eu fui uma vítima nobre, errando ao vivo na maior rádio jornalística do país.

Recompus-me. Com galhardia reconheci a queda e não desanimei. Dirigi-me a Eduardo Bueno e emendei: “Eduardo Bueno, diante de minha total incapacidade, você poderia dizer ao ouvinte da CBN o nome de seu livro”.

Rindo, ele disse e a entrevista foi agradável, divertida e bem-humorada. Muito mais por ele, do que por mim, claro. No fim, para arrematar eu falei: “obrigado, Eduardo. Conversei aqui na CBN com o escritor Eduardo Bueno, que está lançando o livro...” coloquei o telefone para que ele dissesse “Náufragos, traficantes e degredados”. Rimos e encerrei.

Ao acabar, agradeci e me desculpei com o escritor que foi muito gentil e se divertiu por ter pego o incauto jornalista.

Conhecendo os bastidores de um estúdio de rádio, devo ter proporcionado boas gargalhadas ao Everson Passos. E numa entrada aleatória, de um repórter iniciante e obscuro, espero que, mesmo involuntariamente, tenha dado algum motivo para o Everson Passos sorrir. E daqui devolvo a transmissão para você, Everson. Siga dai, de onde você estiver.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Filosofias levianas II






“As merdas que a gente faz adubam a vida da gente”. Gostaria muito de ter escrito essa frase. Mas na verdade o autor dela é muito mais inteligente e famoso do que eu. Cláudio Besserman Viana no documento e Bussunda para os mlhões de brasileiros.

Irreverência, humor e sabedora colocados de um jeito cru. E você precisando ler Freud para encontrar respostas.

Fui reprovado no primeiro ano do científico, atual ensino médio, informação para os nascidos depois de 1990. Pois é adubei minha vida por ter feito isso. Por causa dessa encrenca, conheci grandes amigos que viveram comigo grandes aventuras. Uma das minhas amigas anos depois me apresentou minha mulher e o resto está nos álbuns de fotografia físicos e da alma. E tudo pela minha ineficiência com logaritmos, compassos e Movimento Retilíneo Uniforme. Para quem não entendeu fui reprovado em matemática, desenho e física. Tomei bomba em três matérias, naquela época já existia Fantástico, mas não rolava pedir música.

Não tive o privilégio de conhecer o Bussunda pessoalmente, mas graças a essa profissão, pude conhecer o irmão dele, Sérgio Besserman. Aliás, o bom humor e inteligência são traços da família.

Acho que com o Besserman devo ter batido algum recorde pessoal, juntando quatro programas especiais de eleição, ficamos cerca de 20 horas no ar, não me lembro de ter ficado tanto tempo assim com a mesma pessoa no ar.

Mas voltando aos adubos, pense em quantas vezes chegar atrasado salvou você, por exemplo. E nessa semana “filosoficamente leviana” fico pensando que a vida sem erros seria uma reta. E no retão a estrada fica monótona, você deixa o carro ir quase que por ele mesmo. Quando isso acontece, você deix
a sem efeito a razão de ser motorista: dirigir, subir e descer ladeiras, frear, desviar dos obstáculos e, se necessário, parar no acostamento.

Experimente dirigir pelas ruas do Rio de Janeiro, em que a manutenção do asfalto, se existir, é bem discreta. Depois disso você vai experimentar na prática a metáfora do parágrafo anterior.

Entre um adubo aqui, um arranhão na lataria ali e uma prova acolá, vamos passando de ano, em algumas matérias acima da média, em outras com a ajuda do professor. No entanto, vamos em frente que a escola não acaba, ou melhor, quando acaba chegamos ao cemitério.

Filosofias levianas








Digamos que estou numa semana “filosófica”. Por favor, coloquem mais aspas do que as que coloquei ao grifar o termo. Vou reformular, estou numa semana levianamente filosófica.

Digo isso, porque estou com alguma dificuldade de manter a proposição deste blog de escrever todos os dias. Outubro não tem sido fácil para manter os compromissos que estabeleci, mas o blog não tem nada a ver com isso.

Depois desse preâmbulo todo, vou ao assunto. Ouvi uma história muito triste durante uma aula. Um menino perdeu o pai num infarto fulminante. O homem estava dirigindo quando teve o ataque cardíaco.

O episódio marcou o rapaz que tatuou no braço um trecho da musica preferida do pai: My way, sucesso de Frank Sinatra. Ok, eu não gosto da música. Acho a letra desinteressante, a melodia repetitiva e marca de um Sinatra decadente. Mas a música tem borogodó. O Elvis também gravou.

Mas apesar de achar a canção chata, a frase símbolo que é “eu fiz do meu jeito" é inspiradora. Cada um encontra o seu jeito de seguir o caminho.

Se você é do rock, do samba, ou do funk, o que interessa é o jeito que você consegue fazer seu caminho.  Tem os que são organizados e sabem o que vão fazer em 17 de janeiro de 2019. Há outros que não lembram o que fizeram em 17 de outubro de 2017. Mas o que interessa é não ficar parado, como faz o técnico do Flamengo no banco de reserva enquanto o time joga mal.

A passividade antecede o fracasso em muitas oportunidades. A gente deve contar o tempo pelas coisas que fez o não pelas que deixou de fazer.

Prometo em breve deixar a leviana filosofia de lado e contar alguma história legal. É que por enquanto é o caminho que está dando para seguir.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

O que você vai ser quando crescer?









Cresci e não sei responder a essa pergunta. Perguntas podem ser cruéis. Os questionamentos fazem com que você caminhe e persiga algo, mas motivam a perda de algumas horas de sono. 

Na verdade acho que a pergunta fundamental é no que você está se transformando. A passagem do tempo traz mais transformações do que crescimentos. Nesse nosso mundo tão tomado pela necessidade de acúmulos, a noção de crescimento passa mais por coisas externas do que pelas que vão pela alma. 

Bem, realmente cresci materialmente. Ao pegar fotos antigas é inegável, fiquei mais alto e meu diâmetro efetivo aumentou, se vocês me entendem. Tenho uma família que amo, amigos e uma profissão. No entanto a pergunta persiste: no que estou me transformando? O mantra do Superman é “para o alto e avante”. Talvez essa ideia de altura contamine nossa noção de transformação. 

A sabedoria popular e as lendas vivem a nos alertar sobre os perigos do crescimento. “Quanto maior a árvore, maior o tombo”, nos ensinam os mais velhos. Na mitologia, Ícaro voou tão alto, seu sonho cresceu tanto, que a cera das asas derreteu e o depois do crescimento veio a queda fatal. 

Crescimentos pressupõem quedas. Transformações significam processos contínuos de mudança. Acho que a vida é uma grande caminhada. A cada passo o cenário se transforma. Nessa estrada há ciclos de crescimento, mas também de recolhimento. E nessa caminhada que é viver, a gente aprende que para preservar o laço, é importante entender a imperfeição da corda. 

Transformar-se é um processo contínuo, como foi dito acima, e interior. Crescer me parece ser uma obra finita. E como ensinam as parábolas matemáticas e os picos e vales das ondas, crescer é descontínuo. As curvas ascendem e depois descendem. 

As transformações levam a gente a perceber que às vezes não dá para fazer o necessário, mas o possível e que dependendo da necessidade, as coisas na sua vida se transformam de indesejáveis em úteis. 


Nesse momento brigo pra que meu peso decaia, minha barriga diminua e meu colesterol vá à níveis razoáveis para um bípede. Ou seja, quero me transformar no “muso fitness” do próximo verão. Faltando menos de dois meses, acho que não vai dar tempo.  Como se vê pelo meu diâmetro abdominal, nem todo crescimento é saudável. Talvez aí exista a semelhança, nem toda a transformação é para melhor.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Bola de segurança






Todo mundo precisa de uma bola de segurança. O conceito é importado do vôlei. Para quem não é afeito ao esporte, vou explicar. É aquele atacante que quando as coisas estão apertadas, o levantador aciona para que o time faça o ponto. Essa bola de segurança vai mudando ao longo da vida, nos diferentes campos em que o jogo se desenvolve. Por exemplo, em família. Talvez a primeira bola de segurança da vida seja a mãe. O primeiro lance, óbvio, é que sem o alimento que sai dela você não sobreviveria. Mas há muitos outros. Lembro sempre de uma vez que quiseram levar minha bicicleta na frente de casa. Fiz o que do alto dos meus 13 anos achei o mais sensato: agarrei-me à bicicleta e chamei minha mãe. Ela, com o seu 1,47 m, saiu de casa “armada” com uma vassoura e colocou o assaltante pra correr. Essa bola de segurança perdi há 16 anos, mas ainda sinto falta...

Outra bola de segurança é o irmão mais velho. Teve uma vez que me meti numa encrenca idiota. Um cara achou que eu estava olhando para a namorada de um amigo dele (eu não estava!). O cidadão era o protótipo do playboyzinho lutador. Surra na certa. No entanto, meu irmão, professor de luta-livre e músico, se apresentava no local. Num momento que fui ao banheiro, o cara me interpelou. Meu amigo Marcio, um desses irmãos que a vida dá pra gente,  sentiu que a barra pesara e avisou meu irmão de sangue. No momento que poderia ser o de um soco de consequências graves para o futuro dos meus dentes, meu irmão entra no banheiro e pergunta: “Está tudo bem, Junior”? E eu completo: “Tudo certo, irmão”. E completo olhando para o outro cara: “Ele é meu irmão”. Bem essa bola de segurança me rendeu um chopp de graça pago pelo meu quase agressor.

Uma vez reprovei uma aluna. No período seguinte ela fez a matéria comigo e passou. No fim do curso a turma teve a insensatez de me homenagear. A moça, que realmente eu não tinha nada contra, me apresentou à família. E disse: ”Foi ele que me reprovou. foi na primeira turma que ele deu aula. Na segunda vez, ele já tinha aprendido mais um pouquinho e aí, eu passei”. De bate-pronto minha mulher respondeu: “E você estudou mais um pouquinho”. Case-se com alguém que você possa ser e ter a bola de segurança.

O conceito de bola de segurança pode ser transposto também para o cinema. A gente pode destacar parcerias clássicas como as de Alfred Hitchcock e James Stewart, Martin Scorcese e Robert De Niro, Fellini e Marcello Mastroianni. Na TV, Janete Clair tinha em Francisco Cuoco e Dina Sfat as bolas de segurança dela. Gilberto Braga tem Malu Mader e Glória Pires, por exemplo.

Walcyr Carrasco na nova novela usa mão de duas bolas de segurança. Sergio Guizé, de Êta mundo bom, e Marieta Severo, de Verdades secretas. As bolas de segurança na dramaturgia servem para você direcionar as histórias quando as mesmas parecem emperrar. São aqueles personagens que muitas vezes o autor coloca na boca as palavras que queria dizer.

Na sua vida profissional você também tem e é bola de segurança. No entanto, ser uma bola de segurança requer uma visão que às vezes você não está preparado. Em muitas oportunidades, a bola de segurança se ressente porque a “jogada” só vai em sua direção quando há problemas. Em contrapartida, quem aciona a bola de segurança deve ter a sensibilidade de usá-la em outras situações que não as de resolução de encrencas. Caso contrário a jogada fica marcada e o ponto não vem.


Pensei em bola de segurança porque me lembrei muito da Elis Regina. “Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”. Acho que aprender o jogo seja o mais difícil da vida, aliás, é um aprendizado em progresso, sempre incompleto.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Só pode vender o que tem para entregar





Nesses tempos de transformações no jornalismo, vou fazer uma afirmação que pode chocar os puristas: no jornalismo você só pode “vender” o que tem para entregar. Sei que colocar o substantivo jornalismo e o verbo vender na mesma frase pode parecer uma heresia. No entanto, vou explicar melhor a sentença.

Uma vez ouvi do mestre Mauro Silveira que repórter não pode chegar na redação com dúvidas. Ele me disse isso quando perguntei em voz alta a grafia do nome do meu entrevistado. Era uma redação de rádio no começo dos anos 2000, mas não importa, Mauro estava certo. A gente tem que se importar com os detalhes, pois alguém já disse que o diabo mora neles.

Ser repórter às 6 horas da manhã é para fortes. Com o horário de verão, que faz com que você acorde mais cedo ainda e no escuro, é uma prova de resistência. Não consigo esquecer de cenas do treinamento do Bope em Tropa de Elite. Em muitas vezes você escuta uma voz interna gritando “pede pra sair” ou ainda “nunca serão”. Bem, sobrevivi ao curso.
Numa oportunidade fui fazer a suíte do resgate de um preso (para quem não é jornalista, suíte é o desdobramento de uma reportagem). Dirigi-me à Polinter, que ficava na rua Silvino Montenegro, embaixo do falecido Viaduto da Perimetral, numa Zona Portuária pré-olímpica. Os bandidos explodiram a parede da cadeia para resgatar um bandidão de um morro da Zona Norte, um “Sabiá” da vida.

O intrépido repórter que vos escreve se dirigiu ao Esquadrão Antibombas para saber como os bandidos agiram. Eles me explicaram e eu entrei no ar: Os bandidos usaram uma granada defensiva para explodir a parede da Polinter. Eles chegaram ao local por volta das duas da manhã...”

Fiz meu flash e fui para “social” com os coleguinhas que estavam na matéria. Poucos minutos depois, meu chefe de reportagem, Alexandre Caroli, me telefona. “Oi Creso, tudo bem? A entrada foi legal, mas temos um problema”. Mesmo sendo um chefe gentil como era o Caroli, ouvir do deu chefe que houve problemas   na sua matéria. “O Agostinho (diretor da CBN) estava ouvindo a sua entrada e perguntou o que é uma granada defensiva”. Pois é, eu também não sabia. Resultado, tive que apurar e entrar no ar novamente para explicar. Pelo menos descobri que uma granada defensiva explode lançando pinos e a outra granada explode aleatoriamente. O que importa é que se uma granada explodir ao seu lado, o resultado não vai ser bom.

Então a lição que tirei do episódio foi aquela lá de cima. No jornalismo a gente só pode “vender” o que tem para entregar.

domingo, 22 de outubro de 2017

Isso não é nome de gente, é de tranca de carro






Durante três anos na minha vida convivi no mundo musical. Estava sem grana, entrando na faculdade e precisando trabalhar. Minha grande amiga Bia Boechat cantava numa casa noturna que funcionava no Leblon e me indicou para lá. A casa se chamava People e abrigava shows de grandes nomes da MPB como, Nana Caymmi, Danilo Caymmi, MPB-4, Ângela Rô-Rô, Boca Livre, entre outros. A programação da casa era tocada pela dupla Elisa Ventura e Bebete Martins. Foi uma época de grana incerta, pouco sono, muita boemia e muitas, mas muitas histórias. Vou contar algumas ao longo da vida deste blog. Há casos que não posso tornar públicos, obviamente.

Adoro Tim Maia, quem não, né? Quase 20 anos após sua morte ainda não apareceu alguém que aliasse potência na voz, suingue e musicalidade como ele. Viveu escancaradamente seus excessos com comida, álcool, drogas e confusões. Quem quiser saber mais sobre Tim, tem em Vale Tudo, de Nelson Motta, leitura obrigatória.

Mas tenho com ele uma história acontecida uns 40 quilos atrás. Essa vida na produção musical me fez trabalhar a faculdade inteira. Os primeiros períodos foram tranquilos, pois as aulas eram de tarde. Meu fuso horário de ir dormir às 4, 5 horas da manhã era sob medida para a faculdade.
Eu tive problemas quando as aulas foram para o turno da manhã. Chegar à faculdade “virado” não era raro. Teve professor e matéria que eu simplesmente deletei da minha memória. Passei em todas as matérias, por incrível que possa parecer, mas em algumas disciplinas eu era apenas um corpo presente.

Diante deste relato, qual não foi a minha raiva, quando num dia que tinha oportunidade de dormir até mais tarde, minha mãe me acordou por causa de uma ligação.

Sonolento, atendi ao telefone. Uma voz estridente perguntou: “Por favor, o seu Crayson está?” Bem, já falei das confusões com o meu nome. Eu repespondi: “É Creso”. No que a mulher replicou: “Só um momento, que o seu Tim Maia vai falar”. Como já disse aqui, estou evitando palavrões neste espaço, mas apenas uma palavra de baixo calão para definir o sentimento que eu tinha pelo cidadão que me passava um trote naquele momento.

Enquanto tentava fazer um mapeamento mental de quem seria o autor da gracinha, uma segunda pessoa falou ao telefone. Agora era um homem: “Por favor, o seu Créuzon está?” Impacientemente respondi de novo; “É Creso.” E o segundo homem avisa: “Peraí, que o seu Tim Maia vai falar.”

Masoquista e curioso, esperei para ver onde aquele bullyng  telefônico iria parar. Foi quando aquela voz grave, inconfundivelmente carioca e cheia de maneirismos irrompeu no telefone: “Alooou, é o Creso?” Amigos, era o cara, o rei do soul brasileiro, me acordando, com aquela voz tonitruante do outro lado da linha. Respondi: “Sim, é ele.” Então Tim Maia começou a me explicar o motivo do insólito contato telefônico.

“É o seguinte: tô afim de mandar um levado para a Ângela Rô-Rô pagar um advogado”. Nota de esclarecimento: no dia anterior a Ângela tinha se envolvido em uma confusão com um oficial de justiça por não ter aceitado uma intimação. Ela tinha feito uns comentários sobre a Xuxa e a Marlene Mattos e estava sendo processada e o Tim queria pagar um advogado para ela.  Retomando o papo com o Tim: “Pôxa, Tim, não estou mais trabalhando com a Ângela, mas pode deixar que eu dou o recado a ela. Mas como você chegou ao meu nome?” Ele respondeu: “Teu nome tava na gravadora, aí eu entrei em contato, tu dá o recado pra ela?”. “Claro” respondi. E para arrematar o golpe final: “Mas vem cá, teu nome é Creso mesmo? Isso não é nome de gente é de tranca de carro, CresoLock”. E encerrou a ligação com uma gargalhada inconfundível. Aproximadamente três anos depois passou mal quando começava a fazer um show no Teatro Municipal de Niterói. Morreu poucos dias depois.

Já fui a muitos shows de artistas consagrados da MPB, mas nunca assisti ao Tim Maia. Meu contato com ele foi numa ligação telefônica em que ele se mostrou inteiramente “Tim Maia”. Solidário, ao querer dar dinheiro à irmã de alma. Errático, ao colocar dois assistentes para falar com uma pessoa que talvez o fizesse chegar à Ângela. E finalmente, irreverente, ao fazer a piada com o nome “exótico” de um interlocutor com quem tinha contato pela primeira vez.


Lendo a biografia dele escrita pelo Nelson Motta vi que fui incluído no rol das “vítimas” das ligações do cantor. Depois de passar as noites virado após um coquetel de TUDO que a gente possa imaginar, ele ligava aleatoriamente para s pessoas. Bem, para mim foi uma honra receber uma destas ligações. Meu caso não estava no livro, mas se O Nelson Motta conhecesse a história, provavelmente estaria. Claro, pelo nome da Ângela estar envolvido, não por minha causa.

Num texto próximo, conto outra das minhas aventuras no mundo musical.

sábado, 21 de outubro de 2017

A força do querer ser mulher









Termina a novela e começa o Globo Repórter. Ainda impactado pelo ritmo eletrizante do último capítulo, vejo a entrevista de Hélter Duarte com Dan Stulbach. Uma cena periférica me chamou a atenção. Raul Gazolla passa por trás e dá um abraço em Glória Perez. Há 25 anos os dois trazem uma dor inesgotável por causa da morte de Daniella Perez. Ele é viúvo da filha da autora. 

A vida seguiu. Depois de 1992, Glória escreveu sucessos como O clone e Caminho das Índias. Criou obras médias como América e coisas ruins como Salve Jorge.  A vida é assim, a gente se supera e segue em frente, errando ou acertando, mas caminhando. 

Glória acertou na mão em A força do querer e fez da mulher a grande força da novela. As mulheres foram para o centro da cena e cumpriram papéis que a semântica dramatúrgica reservava aos homens. 

Vejamos o exemplo de Jeiza. A heroína "viril" da novela.  Glória subverteu até o dicionário que usa o termo para se referir ao homem. No entanto, Jeiza se encaixa no ideário de virilidade. Teve uma porção de Capitão Nascimento, nas incursões ao morro. Se você tiver curiosidade faça uma comparação de trechos da novela com o filme de Zé Padilha.  

Glória deu à personagem características que antes eram destinadas aos homens. Jeiza foi a protagonista do que poderíamos chamar do núcleo "ação" da novela, sendo policial e lutadora de MMA. Tente se lembrar de alguma outra novela em que a mocinha romântica apareceu com o rosto sangrando e com o protetor bucal sujo.  Além disso, Jeiza fez parto, resolveu conflitos e mediou sequestros. 

Outras mulheres já foram personagens "viris", o exemplo mais rápido que me veio à cabeça foi o Pereirão, de Lilia Cabral, em Fina Estampa. No entanto Jeiza fez tudo isso e em nenhum momento foi "borralheira", aquela que precisava do poder de um amor para tomar um banho de loja e se transformar em princesa. Ela era a heroína do núcleo de "ação" e também ocupou o papel de mocinha romântica, ao se relacionar com outros dois mocinhos, Zeca e Caio. 

Lília Cabral deu sua contribuição no que alguns classificam de merchandising social da autora. Glória traz à tona questões como desaparecimento de crianças, tráfico humano, entre outros problemas, para falar da importância de ter cuidado com isso. Aliás, essa característica da obra de Glória Perez remonta ao teatro melodramático francês do século 18, quando a arte foi usada para "educar" o povo. Passou também pelo cinema e obviamente chegou na televisão. A diferença agora é que o papel de viciada em jogo coube a uma mulher. Os mais noveleiros vão lembrar da Heleninha Roitman que também tinha um vicio, só que em bebida. Mas Silvana enganou o marido, a filha, pegou dinheiro emprestado com agiota e sustentou a trama do vício durante a novela inteira. 

Em 1968, Bráulio Pedroso escreveu, Lima Duarte dirigiu e Luiz Gustavo deu vida a Beto Rockfeller. A novela da Tupi entrou para a história pela linguagem. O personagem de Luiz Gustavo, um tipo malandro e esperto ganhou a simpatia de todo o público. Em A força do querer, Glória Perez criou Ritinha. Leviana, seduziu dois homens. Deixou um deles no altar pra fugir com o outro. Estava grávida do primeiro, mas ficou com o segundo. Mesmo casada com Ruy, não parava de flertar e até mesmo transar com Zeca. Ritinha teve um comportamento geralmente reservado aos homens nas telenovelas. Fez-se de vítima, teve sucesso e conseguiu o que queria. Em sua última frase disse a Ruy e Zeca: "eu gosto muito de vocês, mas gosto mais de mim". Ritinha é mais um grande personagem de Isis Valverde. A sereia conquistou e enraiveceu o público. Talvez ainda não estejamos preparados para essa inversão dramatúrgica. 

Para onde você olha, vê mulheres fortes nesse universo de Glória Perez. A Bibi de Juliana Paes trocou o mocinho pelo vilão. E da maneira mais "vil" para um macho-alfa: colocou-lhe um par de chifres. Depois incendiou restaurante, pegou em armas e viveu no luxo proporcionado pelo dinheiro do tráfico. Bibi era possessiva e ciumenta, batia na rival e dizia: "o Rubinho é meu homem". Intensa, Bibi rivalizou com Jeiza nesse universo de mulheres poderosas desenhado pela autora. Glória Perez deu à Bibi a chance da "redenção". Depois de presa, escreveu um livro e acabou nos braços do primeiro amor ao som de Eu te amo, de Chico Buarque. 


Diante da força de tantas mulheres, a correta atuação de Débora Falabella ficou um pouco ofuscada. As veteranas Elizângela e Betty Faria roubaram as cenas em que apareceram. No último capítulo então, a mãe de Bibi arrancou lágrimas do público a cada aparição. Parabéns também para Mariana Xavier, linda e fora dos padrões consagrados pela ditadura da magreza. 


Donato, o motorista que à noite se transformava em Elis Miranda também foi outro golaço da autora. Eurico, na versão rediviva de Jesse Valadão, poderia cair no ridículo. Essa talvez pudesse ser a trama que deixasse a desejar. No entanto, Humberto Martins deixou-o caricato, mas verossímil. Martins acertou em cheio na sua difícil missão. É, a nova ordem deixa algumas pessoas atônitas mesmo. Além disso, Glória nos deu Elis Miranda, mais uma mulher na galeria inesquecível dessa novela e uma homenagem à querida Rogéria que nos deixou. 

A cena de Ivan tirando as bandagens após a cirurgia e vendo o resultado da retirada dos seios está na história. Vamos pensar na representação. O personagem retira o curativo e mostra o peito nu. Sem os seios, símbolo da feminilidade. Ivan foi forte quando quis deixar de ser mulher. E na sua cena final, mais um recado de Gloria Perez, sexualidade não tem a ver com gênero, Ivana gostava de Claudio, Ivan também. O casal celebrou o amor.

Se há 5 anos Avenida Brasil arrebatou o país por ter entendido o momento socioeconômico de uma classe C emergente, A Força do querer conquistou o público por ilustrar a “primavera” da diversidade e a ressignificação do papel da mulher na sociedade brasileira.   

Talvez a homenageada maior seja a própria Gloria Perez. A grande sucessora de Janete Clair, entre as autoras. Uma mulher que teve que juntar os cacos depois da devastadora morte da filha e seguir em frente, mostrando a força do querer continuar viva, a força do querer continuar forte.


quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Nem a Bibi, nem o senador mineiro











O clitóris das hienas-fêmeas malhadas é muito maior do que o pênis do gênero masculino da espécie. Demorei 46 anos para saber dessa informação. No entanto, tenho um filho de 14 anos em casa. Ele tem a mania de ler sobre qualquer coisa e brindou-me com essa curiosidade. Não vamos parar por aqui, as hienas-fêmeas da espécie malhada oprimem os machos. De acordo com reportagem da BBC, o ato sexual exige muita precisão do macho. Esse empoderamento sexual da hiena-fêmea permite que elas escolham o parceiro com quem querem acasalar.

Resolvi dividir essa informação com meus alunos. Achei injusto que eles demorassem tanto quanto eu para descobrir. Encurtei o caminho deles, afinal, professores servem para dar acesso a informações importantes.

As pequenas pérolas surgidas depois que o assunto veio à tona merecem registro. O primeiro disparou: "se você acha que sua vida sexual está uma m., pense na da hiena- macho". Uma menina adorou a informação e recorreu ao Google para ver uma imagem da hiena-fêmea. Ao olhar exclamou: "Vou trocar a foto de capa do meu facebook. Adorei"! Rindo, ela completou: "se soubesse disso há mais tempo, tinha tatuado uma hiena. Acabei de mandar a foto para a minha mãe".

E prosseguimos no tratado social "hiênico". Um dos alunos falou: "ih, então por isso que no filme Rei Leão, as fêmeas são as líderes no grupo das hienas. A Disney não erra". Amigos, a foto que ilustra a pesquisa quando se procura na internet "clitóris da hiena" é de impressionar.

De posse de tal afirmação resolvi incendiar o debate na outra aula. Os olhares de resignação dos rapazes ao olhar a foto pareciam ter certa inveja. E quase enunciamos Freud durante uma piada na aula.

No período em que nos encontramos, momento da ressignificação da sexualidade, do gênero e de praticamente tudo, é um exercício interessante se colocar no lugar do bicho oprimido.

Aliás, essa atitude de pensar no papel do outro é a primeira que a gente deve tomar para deixar de ser opressor.

                                                                 ****

E por falar em papel do outro, quero falar de novela novamente. Cobraram-me sobre minha opinião da absolvição da Bibi. Acho que a Personagem de Juliana Paes deveria ser punida. Sei que para o arco dramático da novela, ela tem que se livrar para ficar com o Caio, deixando Jeiza livre para terminar com Zeca.

Da mesma forma que o sensível drama de Ivan/Ivana serve para tentarmos tirar o estigma dos transgêneros, a impunidade de Bibi pode passar uma mensagem ruim.

O que ela fez foi crime. Ela incendiou um restaurante. Ela provocou prejuízo a várias pessoas, não só ao capitalista dono do negócio, Atingiu também aos funcionários que tiravam seu sustento do estabelecimento.

Sem esse papo de "foi por amor". Isso é romântico, mas não pode atenuar o fato dela ter cometido um crime. Ela não se importou em ser sustentado pelo dinheiro ilícito do marido. Claro que a vida ensina que ninguém é só bom ou mal, ela tem devoção pelo filho, gosta dos amigos e é leal. Mas repito, sua absolvição para mim é um erro. Outra coisa, as seguidas agressões que ela faz à rival incitam a violência. Conflitos devem ser mediados, não resolvidos na base da pancadaria e da ameaça. Como escrevo antes do fim da novela, pode ser que o desfecho da trama a leve para a prisão.

"Ah, Creso, deixa disso", dirão aqueles que acham o politicamente correto chato, mas não posso deixar. Bibi deveria ser punida, numa proporção estabelecida no código penal brasileiro. Bibi foi perigosa na novela e isso não pode vir envolto em glamour.

Muito mais grave que a ficcional Bibi escapar, é o candidato derrotado em 2014 continuar senador. E dizem que a salvação do pescoço dele custou R$ 200 milhões ao Temer. Uma ova! O dinheiro usado pelo Temer é meu, seu e nosso.

                                                     ***

Trocando a toada

Rezemos pela Somália. Tantas vezes esquecida, a África sofre com mais essa indiferença. Não bastasse metade da população local viver um regime de insegurança alimentar, um ataque no último sábado deixou mais de 300 mortos. Espero que a comunidade mundial assuma sua porção de responsabilidade para remediar o problema. 

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Olhares amigos











Amigos, preciso de um editor. É sério, manter o compromisso de escrever diariamente é mais difícil do que eu esperava. As ideias até vem, mas nem todas merecem virar um texto. Algumas, no máximo um comentário no Facebook. 

Já fui felicitado pela iniciativa, amigos já me deram diversos toques de como melhorar o layout da página, ou mesmo de como melhorar a interação dos leitores com o blog. 

Todas essas observações são bem-vindas. No entanto,  há uma que é terrível e passa por um grande processo interno. A revisão dos textos. 

Deixe-me explicar essa rediviva atividade blogueira. Escolhi um momento conturbadíssimo para voltar a escrever. Nas outras oportunidades, acredito que não escrever todos os dias foi um dos motivos que levaram à morte meus outros blogs. 

No entanto, pelo menos para mim, a leitura de outra pessoa sempre foi essencial para evitar as escorregadas, no meu caso erros de digitação. Ainda bem que não grafei "caxorro", talvez o erro crasso perseguido por aqueles que gostam de rir da desgraça léxica alheia. 

No entanto, há mais um complicador. Uma dislexia galopante que se instala a cada dia no meu cérebro, somada ao maldito corretor de texto do celular. 

Nesse momento estou escrevendo esse texto no bloco de notas do celular, depois o passarei por e-mail e num desktop vou colocá-lo na plataforma do blog. 

Meus dedos são gordos, o teclado do telefone é pequeno e muitas vezes as palavras ganham vida própria. Até meu nome, muitas vezes é grafado errado. Outro dia quis escrever prestados e saiu preparados. Só consertei no dia seguinte, assim mesmo porque um paciente amigo me avisou e ainda me deu um puxão de orelhas: "Creso, os textos estão bons, mas você tem que tomar cuidado com a revisão". Tive vergonha, nem jornalista meu amigo é. 

Minha mulher também faz as vezes de revisora e me alerta com razão: “seus erros ganham mais amplitude por estarem no blog. Toma cuidado". 

Enfim, esse texto apela para a metalinguagem na tentativa de pedir desculpas e me justificar. Escrever todo dia, como disse lá em cima, é um desafio. 

Mas vou me guiar no que me disse uma grande amiga: "os professores de jornalismo dizem que a escrita se aprende pela prática. Parabéns pela disposição". É isso, estou com disposição e vou continuar a escrever. 

Espero que o blog seja mais um exercício de resiliência do que de teimosia. Aos amigos que criticaram com boas intenções, meu mais profundo sentimento de gratidão. 

Elogios incentivam, mas podem cegar. Críticas carinhosas e construtivas podem fazer com que a gente melhore. 

Como estou escrevendo no bloco de notas, vocês podem imaginar quantas palavras tive que reescrever para que esse texto tivesse menos erros. Nem sei se consegui, mas, por favor, continuem a ler. 

Até amanhã.