sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O G-20 do príncipe e do topetudo

Acho que temos o vencedor do prêmio “Dono do maior abacaxi do ano”. E ele não poderia deixar de ser o presidente da Argentina, Mauricio Macri. Nesta sexta-feira começa na milongueira Buenos Aires a reunião do G-20, grupo dos 20 países mais ricos do mundo. 

Macri esperava chegar a este encontro com o país em relativa estabilidade econômica. No entanto, sua agenda liberal não surtiu efeito e a terra de Gardel passa por um período sério de recessão e pobreza. O resultado é que Macri está desgastado e não terá uma campanha tranquila na tentativa de se reeleger em 2019. 

E o argentino vive realmente seu inferno astral. River Plate e Boca Juniors vão decidir a Libertadores da América, em Madrid, após a vergonha protagonizado por imbecis torcedores do River, que atacaram o ônibus do Boca no acesso ao Monumental de Nuñez. 

No entanto, Buenos Aires será palco de um derby internacional muito mais perigoso e explosivo do que River e Boca. Estados Unidos e China, responsáveis por 40% da economia mundial, resolveram fazer biquinho um para o outro. Resultado, os rapapés diplomáticos serão inócuos e a expectativa é que a carta de intenções produzida no G-20 não passe de um bilhetinho muito do fajuto com parcas quatro páginas. 

Trump decidiu no meio do ano taxar produtos chineses. Pequim contra-atacou sobretaxando produtos americanos. E enquanto esse G-2 monopoliza o G-20, questões como o aquecimento global vão ficar para escanteio. Afinal o topetudo presidente americano não acredita nas mudanças climáticas, logo...

E para aumentar a encrenca do anfitrião Mauricio Macri, desembarca em Buenos Aires o príncipe da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman. Vossa majestade do petróleo é suspeito de ter mandado matar o jornalista dissidente Jamal Kashoggi, assassinado na embaixada da Arábia na Turquia. 

O príncipe desembarca em terras portenhas com a proteção da imunidade dos passaportes diplomáticos. Como está em missão, nada pode ser feito contra o príncipe. 

E o pior para o presidente Mauricio Macri. A polícia de Buenos Aires que não conseguiu fazer corretamente seu trabalho num jogo de futebol, terá que ter um sistema sem falhas para proteger os 20 estadistas mais ricos do mundo. Fico imaginando a pressão em cima do responsável pela segurança do G-20. A falha em River e Boca resultou num mico de tamanho estratosférico. No entanto, se algum dos chefes de estado se der mal, a incompetência da polícia argentina poderá resultar em guerra literalmente. 


Oremos. 

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Encerrar ciclos

Pessoas cruzam e descruzam nossos caminhos. Não há nada de novo nisso. No entanto, há aquelas que mesmo de longe velamos por elas e elas por nós. É importante não perdermos essas de vista, mesmo que elas sejam só silhuetas distantes. 

Todo período na faculdade que se encerra é assim. Na última aula há pessoas que você vai ver pela última vez. O final das aulas é o fim de um relacionamento coletivo. Nunca mais, àquelas pessoas estarão reunidas naquele contexto. 

Não há tragédia nisso. É um ciclo natural. As turmas se reúnem e suas dinâmicas são únicas. Não há uma turma igual a outra. Elas não se repetem nem se daqui a algum tempo forem formadas pelas mesmas pessoas. 

Não sou a mesma pessoa que fui ontem. Ninguém é. A vida é longa-metragem, não foto na estante. Esta frase guarda um pouco de saudade prévia e melancolia, dissolvidas nas lembranças das risadas, dos momentos tensos e dos desafios. 

Não é fácil estar na frente de 140 alunos por ano, sabendo que nunca seremos exatamente o que eles esperam. Seremos diferentes, ungidos pela imprevisibilidade que as relações humanas despertam.

Nesse tempo na estrada, aprendi que não posso barrar uma ideia ou bloquear um caminho. Devo aconselhar, mostrar que há opções. Achar o delta da equação da vida não é exato. As operações dependem do que aprendemos e do que estamos dispostos a aprender. 

A vida nos desafia a não sermos um desperdício de nós mesmos. E amigos, numa sala de aula, com jovens que têm menos da metade da sua idade, esse desafio se mostra mais intenso. 

Eles são reflexo do que você já foi. Mas na verdade com rugas  a mais e cabelo de menos, você se encontra num momento irmão ao deles.  A vida é o correr de sangue pelas artérias. E nos batimentos do coração moram desafios a cada passo. Tenha você 5 ou 50 anos. As perguntas que fazemos não mudam muito, as respostas que esperamos, sim.

Então, sonhe para não perder tempo sofrendo. Deseje pois a vida é breve, independentemente da duração. Não tenha medo de amar. Ande com sapatos confortáveis. E de vez em quando, tome chuva  você pode pegar um resfriado, mas não inventaram jeito melhor para lavar a alma. 

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Escola sem partido e sem alma

Numa vida passada, pensei que poderia ser compositor de músicas. Foi mais ou menos depois de desistir de ser o Super Homem. Outro dia revirei uns cadernos para ver o que escrevia há 30, 35 anos. Sim amigos, desafio folhas em branco há mais de três décadas. Ler os textos do passado pode provocar vergonha ou orgulho, que não são necessariamente sentimentos excludentes sobre o mesmo texto. 

Em 1987 eu tentava uma letra que era assim:  “em nome da moral e os bons costumes, acabam com a moral e os bons costumes. Invadem torturam e esmagam vidas sedentas de amor. Em nome do amor e a liberdade, acabam com o amor e a liberdade e abrem enormes feridas no peito dos mais machucados. Inventam doutrinas e leis esquecendo que o princípio é amar, inventam doutrinas e leis esquecendo que o princípio é amar”. 

Perdão pela pobreza do jogo de palavras. Perdão pelo “compositor” de 16 anos que cometeu esses versos. Eu lembro até da melodia que tinha em mente para a “canção”. Não estou lembrado é se cheguei a mostrar essa letra para o Roger, meu comparsa nessas aventuras musicais. 

O problema do pueril texto de mais de 30 anos é que ele me parece atual. A nova ordem decidiu cuidar da moral e dos bons costumes. Se o jornal publicar uma notícia que os desagrada, organiza-se uma onda de boicote das assinaturas. “Não é “normal” existirem casais homoafetivos. Então, vamos dificultar que eles adotem crianças. Não é possível que uma união promíscua possa dar boa formação a uma criança”. E lá se vão os valores tradicionais a impedir que crianças abandonadas tenham uma família. 

“Ah, meu filho precisa ter liberdade de escolher suas ideias políticas, as escolas não podem fazer doutrinação”. E nessa visão curta, começam as perseguições aos professores pois afinal “Escola ensina, família educa”, prega o movimento Escola sem partido. 

Ao coagir escolas e professores para que seus filhos não tenham contato com um conteúdo “tóxico”, país estão acabando com a liberdade da docência. O que se quer é um conteúdo asséptico, sem alma. 

Não existe essa separação entre educar e ensinar. As duas coisas estão intrinsecamente ligadas. Famílias e escolas precisam estabelecer uma parceria. Os pais não podem se comportar como bedéis a vasculhar o que é ensinado na escola. Eles devem procurar saber qual a proposta pedagógica da instituição de ensino, antes de matricular a criança nela. 

Muitos dos pais que vociferam contra os professores e suas teorias “esquerdizantes” são os mesmos que durante a semana chegam às 10 da noite de seus escritórios e não veem os filhos acordados. No fim de semana contratam babás para cuidar das crianças. 

“Em nome do amor e da liberdade, acabam com o amor e a liberdade”. A liberdade que a nova ordem prega é para alguns. Moradores de áreas periféricas continuarão sem liberdade. Continuarão a ser vítimas de um sistema que criminaliza a pobreza. Cidadania restritiva, cruelmente, é uma cidadania pecuniária. Quanto mais se tem, mais se é cidadão. Os comandantes da nova ordem “abrem enormes feridas no peito dos
 mais machucados”
 
A Bíblia anda mais valorizada do que a constituição. Muito se fala de reformas trabalhistas, políticas e previdenciárias, leis sobre o que não se pode falar, exibir e investigar. Não sei que Bíblia essas pessoas andaram lendo. Pois o princípio maior da Bíblia é Ama ao teu próximo como a ti mesmo. Na versão desse povo o mandamento foi atualizado. Odeie ao teu próximo se ele não for como você. 

A nova ordem nada mais é do que o velho reacionarismo espalhado pelos grupos de WhatsApp. O passado está sendo reescrito. O que era repressão virou ordem, o que era recessão virou austeridade e o que era ditadura virou democracia com governo forte. Por isso meus versos de três décadas atrás soam cruelmente atuais. 
I

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Antígona e o presidente da UDR

Antígona desafiou uma lei de Creonte para poder enterrar seu irmão. Atraiu para si o ódio real mas foi até às últimas consequências lutando pelo que acreditava.  Confesso que sempre achei a mitologia grega bonita, mas por absoluta falta de oportunidade, nunca me aprofundei no assunto.  Por causa do mestrado li as obras da trilogia tebana, de Sófocles (Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona). 

O professor Junito Brandao escreveu que Antígona representa a luta de um poder sem verdade e uma verdade sem poder. Acabo de ler a declaração do futuro secretário para assuntos fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia, sobre os assentamentos do MST. Disse o pecuarista presidente da União Democrática Ruralista:: “Haverá uma reforma agrária começando pela reestruturação do assentamentos que se transformaram em favelas rurais”. 

Garcia é bem explícito no que diz, a partir de agora o MST será criminalizado. Começará pelo MST, mas em alguns meses será assim com todos os movimentos sociais. O presidente da UDR quer que tudo seja dentro da lei. E quem faz o lobby e financia o poder legislativo? Os ruralistas. A lei natural em que todos no campo precisam de terra para tirar do solo sua subsistência se opõe à lei positiva de que as terras são de quem pode comprar. Essa oposição já está a em Antígona, escrita há 24 séculos. 

Outro aspecto da infeliz fala do ruralista é o termo pejorativo para se referir à favela. Em suas palavras estão implícitas as palavras extermino e erradicação. Favela deve ser integrada. É parte da cidade, onde moram pessoas que produzem riquezas para as cidades com a sua mão de obra, por exemplo. 

Todas as mazelas existentes em uma favela não estão lá por conta de quem mora e sim por quem não mora. Ou melhor, mora nos palácios e só aparece nela em época de eleição. Garcia disse que não haverá diálogo com o MST. Não há diálogo com moradores de favela. 

As manchetes daqui há alguns meses podem ser mais sangrentas e com falas menos estrepitosas. O massacre de El Dourado de Carajás correu em 1996 e deixou 19 sem-terra mortos. As mortes no campo nunca cessaram, mas correm um sério risco de se intensificar com o discurso da nova ordem. No campo e nas favelas, afinal drone e sniper podem atuar em qualquer lugar. 

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Os primeiros 25 dias do presidente eleito

Retomando as atividades do blog, resolvi pensar em algumas coisas sobre o que vem por aí. A despeito do meu voto, Jair Bolsonaro venceu as eleições presidenciais. Cinquenta e oito  milhões de pessoas escolheram-no. Outros 47 milhões de eleitores votaram contra. Os 40 milhões ausentes ou que anularam fizeram uma escolha de participação, o que é democrático. 

Dos jornalistas, a partir de agora, não se espera outra coisa, a não ser, jornalismo. Analisar, apontar acertos e erros na montagem do governo, por exemplo. Porque todos os governos acertam e erram na montagem da equipe. 

Na área econômica, o novo governo manteve a coerência da campanha. Deu carta branca ao “Posto Ipiranga”. Paulo Guedes está escolhendo para postos-chave nomes que teoricamente seguem o receituário liberal da Escola de Chicago. Haverá inclusive uma pessoa para cuidar das privatizações que o governo pretende fazer. Na mira para vender, “partes” da Petrobras, seja lá o que isso possa representar. 

Na Agricultura, escolheu-se a líder da bancada ruralista. Não se pode esquecer da expressiva votação que Bolsonaro conseguiu nos estado da Região Centro-Oeste. Obviamente, os grande proprietários fizeram intensa campanha para o presidente eleito, logo, é de se esperar que o “agronegócio” receba seu quinhão na administração que se inicia em janeiro. 

Para continuar falando do campo, a escolha de um pecuarista para tratar a reforma agrária mostra bem qual a ótica do novo governo. Poderia ter sido escolhido algum economista, técnico, que não tivesse apenas a visão do empresariado. No entanto, não foi bem isso que aconteceu. Isso sem falar no futuro chanceler que tem teorias econômicas exóticas. Afinal, ele declarou que a Revolução Francesa foi Marxista... 

A julgar pelas primeiras ações para montagem da equipe, o governo Bolsonaro vai ser muito parecido com o governo Temer na economia e muito parecido com o governo Collor nas relações com o Congresso. Nas pautas de costume se assemelha a Jânio Quadros. Espera-se que ele termine democraticamente seu mandato e passe a um sucessor escolhido pelo povo. Nenhum dos antecessores citados neste texto teve quatro anos de governo...

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Nós e os macacos

O mundo é dos polegares. Devemos dar o nome correto ao atual mandatário de nossas desígnios. A razão ê simples. Nos celulares, os dois menores dedos são muito mais importantes que os outros 8! Um exemplo pode ser dado na forma como foi feito esse texto. Enquanto os outros dedos e as palmas servem para dar sustentação ao telefone, os dois polegares percorrem as teclas dando forma aos pensamentos tortuosos produzidos no cérebro.  É curioso como os indicadores perderam esse espaço. O polegar recuperou a relevância a partir do momento que os smartphones superaram os desktops. Nesta hora, foi restabelecida a hegemonia do polegar. 

Há teorias que apontam a oposição do polegar ao restante dos dedos como responsável por nossa diferenciação dos macacos. Desenvolvemos a habilidade de fazer uma “pinça”. Daí em diante, traçamos uma linha evolutiva diferente na família primata. Se não fossem os polegares, talvez estivéssemos em exposição num zoológico, visitados por ornitorrincos, que a essa altura seriam a espécie dominante. Obviamente, os indicadores não foram totalmente superados. As biometrias geralmente os usam. Mas no dia a dia, para desbloquear o celular, dar uma espiada no Instagram, ou mesmo, para trocar mensagens pelo WhatsApp, os polegares são hegemônicos. 


Em tempos de exacerbações bíblicas, o predomínio dos polegares alude a uma mensagem do livro sagrado. Os pequenos serão exaltados. Mas calma, pois a vitória não é absoluta. O reconhecimento da íris e o comando de voz estão aí para entrar nesta batalha. Logo logo piscadas e grunhidos farão nossa comunicação. E voltaremos a queimar toras de madeira para fazer sinais de fumaça. Ah, peraí, isso a gente já faz. Mas não é para se comunicar, é para acabar com a Amazônia e o pantanal. O agro é tudo. 

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Quem vai chorar por você?

A morte de Stan Lee, o criador do Homem Aranha (entre outros super-heróis) inundou as redes sociais com as manifestações de condolências. A morte de um dos deuses da cultura nerd me despertou uma pergunta fundamental: quem vai chorar por você na sua partida? Caso você não se chame Brás Cubas, dificilmente haverá resposta satisfatória para este questionamento. No entanto, com um bom exame de consciência, você encaminhará o fim da dúvida. 

Pense nas pessoas que seus comentários mesquinhos fizeram mal. Quantas vezes brincou com o estado de saúde de um colega que estava numa mesa de operação. Tenha certeza, se esse colega for depois de você, não haverá lágrimas da parte dele. 

Depois de descartar esse primeiro, lembre-se de todas as conspirações que você tentou se meter. O quanto seu espírito “napoleônico” trouxe degredo em vez de poder. Quantas vezes sua implicância trouxe mais irritação do que resultados benéficos a você. 

Sua lista aumentou. Tenho mais uma informação, ainda está longe do fim. Pense nas vezes que em vez de um simples “bom dia” cordial você ofereceu o rosto virado. Ou mesmo quando diante da impossibilidade de fugir do cumprimento, você praticamente grunhiu ao semelhante. 

Atente ao grau de inveja que você plantou na própria alma. O quanto do outro você quis. Sua arrogância cegou seu discernimento. O que pode acontecer está na mitologia. Com certeza, você conhece Creonte e Antígona. Os tronos são de quem os merece. 

O fel do seu ódio é indiferente ao objeto dele. Talvez o livrar-se da obrigação de trocar algumas palavras com você transforme-se em néctar para o outro. A riqueza e o poder podem até estar no nome, mas o que define como somos é o que carregamos no espírito. 


Então, depois do escrutínio da sua existência, você terá uma resposta bem aproximada de quem chorará na sua partida. Ainda há tempo de examinar a consciência. Mas se até o momento, o caminhar conduziu você até aqui, é caro leitor, poucos estarão na sua alcova, para segurar a sua mão e velar pela sua partida. Bem, sempre existe a possibilidade de criar vários super-heróis e deixar sua marca no mundo. Vou ser honesto, não dá não. Stan Lee foi um só. 

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Ir de bicicleta para a PUC é...

O ciclista é um pária. Depois de três anos, resolvi ir à PUC de bicicleta. São cerca de 3 quilômetros. Mesmo para um cardiopata, a distância não chega a ser um desafio. Meio ano após meu eventos cardíacos, estou fisicamente apto para a aventura. 

Minha bicicleta é de “pedalada assistida”. Em resumo, se eu colocar a bateria, faço menos esforço. No entanto, resolvi que a usarei “in natura”. Ou seja, ando como se ela fosse uma velha e boa bicicleta. 

Subi em minha magrela e fui à luta. Na cidade do Rio de Janeiro a metáfora transforma-se em literalidade. O ônibus vai pra cima de você, os carros são inclementes e ainda há outros ciclistas andando na contramão. 

Tirei as rodinhas da bicicleta há 40 anos. Posso dizer que sou um ciclista experiente. Conto nos dedos de uma das mãos as vezes que caí na rua nessas 4 décadas. A maturidade unge as almas com doses de medo. Os românticos dizem que este medo é prudência. Sentado na bike, passando nos buracos, não consigo diferenciar os dois sentimentos. 

Tenho duas opções. Seguir pela ciclovia da Lagoa e levar o dobro do tempo, ou ir pela Jardim Botânico, caminho mais rápida e mais cheia de carros. Na vida, a preguiça nos leva a opções perigosas... Há dois trechos da Jardim Botânico em que é possível evitar a faixa de rolamento dos carros. São os  calçadões em frente ao Parque Lage e ao Jardim Botânico. 

O Rio é um imenso buraco com calçadas e asfalto ao redor. Raizes levantando o calçamento criam uma pista de bicicross urbana. Acho que a solução seria ter uma mountain bike. Dessa forma os amortecedores estariam mais preparados para os aclives asfálticos. 

No calçadão do Jardim Botânico, a pista é compartilhada. Está escrito que a prioridade é do pedestre, logicamente, mas prioridade não é exclusividade. Resultado, quando você ultrapassa um deles, está sujeito a ouvir impropérios e sentir olhares de reprovação. 


Foi uma aventura. Sinto-me suado como um atleta após a maratona, vou repetir, mas não deixarei o capacete em casa, na verdade estou pensando numa armadura medieval para encarar a viagem. 

domingo, 11 de novembro de 2018

Asas fortes

Conversava há pouco com um amigo que sofreu um infortúnio profissional. Depois de algum tempo, ele deixou a empresa que trabalhava. Nosso diálogo foi curto, não quis saber detalhes de sua demissão. Acho que esse tipo de coisa só deve ser conhecido se o demitido quiser contar. 

Fiquei pensando nas vezes que fui demitido. A primeira sensação é a de falta de chão. Em nenhuma delas fui surpreendido. Sabia onde o cutelo estava guardado e que mãos o dirigiriam até o meu pescoço. Ah, apesar da cor da frase, retirem o drama dela, por favor. 

Os ciclos se encerram, voluntária e involuntariamente. Quando esse fim chega, a saída é pensar no recomeço que ele proporcionou. Diante do que parece definitivo, pense numa piada ou num sorriso. Ronald Reagan não está entre meus ídolos. Mas uma pequena história dele me fez ter alguma admiração. 

Ao descobrir que fora acometido pelo mal de Alzheimer, dirigiu-se ao médico e brincou: “Bem, agora farei amigos novos todos os dias”. Rir diante do que parece definitivo comprova o grau de seriedade que devemos dar à vida, ou seja, não levá-la à sério demais. 


Encerrei nosso curto diálogo digital desejando-lhe boa sorte. Meu amigo tem asas fortes que poderão  transportá-lo aos portos mais distantes. Como resposta recebi o diagnóstico que liberdade e leveza são indispensáveis na vida. Que a jornada guarde mais momentos livres, leves e alados ao meu amigo, a mim e aos meus. 

sábado, 10 de novembro de 2018

Gilberto Gil na PUC






Na terça-feira passada soube que Gilberto Gil encerraria o festival de Primavera da PUC. O evento é organizado pelos alunos desde 1999. Fiquei orgulhoso da iniciativa. Gilberto Gil é um dos maiores artistas de todos os tempos no Brasil. Ter a ideia de chamá-lo e conseguir foi um grande feito. Mostra a disposição desta galera. Daqui a alguns anos, esses jovens combatentes e militantes darão segmento às batalhas por justiça social e um Brasil melhor. E esse caminho passa inevitavelmente pela arte. 

Tal qual uma ancestralidade religiosa, Gil é da linhagem direta de Dorival Caymmi. O co-fundador da Tropicália usa de sua baianidade para tornar-se universal. O som dos acordes de uma canção “gilbertogiliana” ensina que a resistência não precisa ser estridente e nem a arte precisa ser hermética para ganhar este rótulo. 

A simplicidade, a sabedoria e a arte se encontram numa expressão: “aquele abraço”. Em duas palavras misturam-se empatia, ironia e protesto. Gilberto Gil está no Olimpo dos músicos brasileiros. 

São muitos os exemplos de artistas que o Olimpo não retira a humanidade, Gil é um deles. Subiu ao palco empunhando sua guitarra. Estava sozinho, o que não impediu a intensidade do encontro com a plateia, pelo contrário, até aumentou. O cantor vestia roupa branca, o que suscitou o comentário de um rapaz ao meu lado: “viu, nós da macumba estamos de branco”. É isso, Gil é tolerância e religiosidade. 

Confesso que vi o show com os olhos embaçados pelas lágrimas. Chorei da primeira à última música. Foi comovente vê-lo tocar para um público que em sua esmagadora maioria era composto por pessoas com idade de serem netos dele. 

Gil, uma guitarra e centenas de palmas para ritmar as canções. O eterno baiano colocou os meninos para cantar, dançar e  encher o ginásio da universidade de alegria. 

Minhas lágrimas não foram apenas pela música de Gil. Chorei pelo conjunto do que assisti. Jovens desfilando o guarda-roupa, a sexualidade e a atitude política. Irmanados por um profundo sentimento de respeito a um artista que antes deles trilhou um caminho de lutas pela liberdade de poder se expressar. 

Gil, um bisavô, de 76 anos, enchendo de juventude os jovens. Inspirando pelo exemplo e deixando claro sua receita. No intervalo de uma das canções, o menestrel nagô revelou um desejo: “Que a vida continue a estimular o menino que há em mim”. 

Que o menino que há  em mim continue a estimular a procurar exemplos como o de Gil. Envelhecer apenas por fora, posto que é inevitável, mas manter a mente jovem, libertária e sonhadora. Não inventaram um jeito melhor de viver a vida do que inventar a vida, compondo a melodia que siga o compasso do coração. 

Obrigado Gilberto Gil, por me fazer cantar, por me fazer chorar e por me perceber menino. 


quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Há seis meses, um infarto

Hoje faz seis meses que tive um infarto. Sou muito atento às datas, então é mais fácil entender porque passei a ver todo dia 7 como mais um grão na ampulheta. Há seis meses o árbitro mandou levantar a placa dos acréscimos na beira do campo. A diferença é que conto com a boa vontade da equipe de arbitragem para virar o jogo. 

Nesses seis meses de novo aniversário há coisas a comemorar e outras para refletir melhor. Vamos às boas: já subi as escadas do edifício Cardeal Leme, na PUC. Isso é um marco importante para mim, pois foi depois de encará-las que passei mal. Não entrei mais no bar dos funcionários para comer o “saudável” sanduíche de linguiça com queijo prato. 

Melhorei meu nível de atividade física. Isso é ótimo. Somente por esse motivo me  foi possível subir as escadas e não perder o fôlego. Ponto para mim. Para refletir é o problema de sempre: a alimentação. Não consegui ainda me libertar de todas as armadilhas gastronômicas. Como menos do que antes, mas ainda não consegui ter a consciência alimentar necessária. Levo broncas da minha mulher e da minha filha por causa disso. 

Dei um tempo com bebidas alcoólicas. Há alguns meses, por me sentir todo pimpão, dei-me ao luxo de tomar um pileque. O triste resultado foi parar no hospital com a pressão 18x9. Foi um sustaço. Quem acompanha este escriba sabe que minha bebida preferida é Fanta Uva. Então, diminuir, ou até mesmo eliminar a cerveja, não é o maio desafio do mundo. 

Nesses seis meses ganhei um “cardlife”. É um papelzinho na carteira com as minhas informações e o contato da minha mulher. Vai que eu passe mal na rua. Alguém precisa avisar....

Sim, nesses seis meses redefini as configurações de imortalidade. Já não há ilusões a respeito dela, a certeza da inexistência da eternidade joga um balde de água fria na cara. 

Além da rotina de exercícios, ganhei uma coleção de remédios para tomar. São 5 para os mais variados problemas. Eles mantêm meu colesterol em níveis aceitáveis e minha pressão como a de um menino de 12 anos. Em compensação, a dificuldade em decorar os horários e os nomes denota a passagem do tempo. 

Além disso, tenho que guardar as caixas. Não consigo guardar os nomes. Acho que meu HD está com uma falha de memória seletiva. A verdade é que não há jeito de fazer com que os nomes entrem na minha cabeça. Apenas um ficou guardado. 

Fui à drogaria comprar minha farmacopeia. Na hora de comprar um dos remédios, tive que dar meu nome para cadastrar no laboratório e assim conseguir um desconto de 23% (amigos, remédios para não morrer estão pela hora da morte). O remédio se chama Crestor. 

A vendedora pergunta o meu nome, então comecei a soletrar C-R-E-S ... Fui interrompido: “o nome do remédio eu sei, preciso do seu”. Ri, e disse: “o remédio é Crestor, mas o meu é Creso”. A moça ficou muito sem graça, pediu desculpas e terminou o cadastro. 


Se não for para mais nada, sobreviver ao infarto me possibilitou tornar um remédio que é parecido com meu nome. Ah, ele serve para controlar meu colesterol, mas não se trata de jabá, é só informação mesmo.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

O jornalismo, a lanterna e o WhatsApp

Estava numa palestra sobre lei e ética. Era um evento interessante e me chamou tanta atenção a primeira parte que passei a anotar para não perder nenhum detalhe, revivendo um pouco minha época na reportagem. Pensando bem,  não existe ex-repórter, tendo em vista que a função é intrínseca ao jornalismo. 

Ao final, os palestrantes abriram para perguntas. Em tempos polarizados, este momento é o mais perigoso. Tiro e queda. Uma pessoa se levantou, sacou o celular do coldre e disparou: “um absurdo. Onde está a ética dessa gente? O Jean Wyllys vai dirigir um video em que Jesus vai ser homossexual “. 

Tinha decidido que minhas tretas ficariam restritas às redes sociais. Na verdade, a decisão é mais radical - acabar com as tretas. Mas foi inevitável. Meu espírito de “botar o dedo na tomada”, assim definido pela minha querida amiga Carla Rodrigues, falou mais alto. 

À velocidade de um clique, desmenti a história. Levantei a mão e pedi a palavra. Apresentei-me. Sou jornalista profissional há 22 anos. Não poderia ver a profissão ser vilipendiada na minha cara. Li o desmentido, mostrei a fonte e disse que é uma irresponsabilidade, além de ser um ato leviano, passar essas histórias. 

Deixei a pessoa que divulgou a história sem graça. Ela pediu desculpas, disse que estava avisando à fonte que a notícia era falsa. Ela disse que dali em diante se preocuparia em confirmar antes de repassar. 

Essa poderia ser uma história pedagógica e com final feliz. Mas não acredito que o episódio vá mudar a conduta daquela pessoa. Pelo simples fato de que ela quer acreditar na informação falsa recebida e porque ela não era jornalista profissional . 

Na verdade, o jornalismo profissional é mais necessário do que nunca. É dele que pode vir a informação responsável, antídoto ao império da mentira. As pessoas devem estar mais dispostas a dialogar e a ouvir o contraditório. 

O episódio da semana passada, quando Jair Bolsonaro impediu a entrada dos jornais O Globo, Folha e Estadão numa coletiva mostra o desprezo pela mídia tradicional. Ele quer esvaziar a representatividade desses veículos. 

Só há uma saída para os jornais: fazer jornalismo, ser o espaço da informação independente, da formação da opinião, da lanterna que joga luz no escuro. O presidente eleito e seu séquito já deixaram claro que será uma relação de hostilidade da parte deles, agora é ser profissional e manter o foco na apuração e na prestação de serviço . 

Passado o período eleitoral, a justiça deve se dedicar fortemente a desmontar a máquina de mentiras nas redes sociais, mais notadamente, no WhatsApp. Essa terrível máquina de desinformação pode implodir o sistema político. A maioria dos eleitores de Jair Bolsonaro acredita na mentira sobre o kit gay. E como combater isso? Com a palavra os nobres magistrados. 


O jornalismo é umbilicalmente ligado à democracia. Os dois crescem proporcionalmente e morrem unidos. Se você preza suas liberdades e o combate à corrupção, defenda o jornalismo. Se há alguma coisa que pode ajudar a sociedade é um jornalismo crítico, livre de cooptação. Um jornalismo que, por ser incômodo, faz o governante pensar duas vezes antes de roubar e cometer desvios antidemocráticos. O jornalismo é bússola, posto que indica a direção. O jornalismo é barco, já que nos leva a um lugar. O jornalismo é destino, pois só com ele é possível combater o fascismo, a desigualdade e o império da mentira. E numa convicção quase cívica exclamo: viva o jornalismo e à liberdade. 

sábado, 3 de novembro de 2018

O desencontro do tempo na novela das 9h

Segundo Sol está nos momentos derradeiros e há alguns desafios que o enredo faz ao telespectador. Karola ser filha de Laureta é a mais acrobática concessão que o público terá que fazer à fantasia da trama. A saída de João Emanuel Carneiro foi tentar “infantilizar” o personagem de Débora Secco. 

A personagem perdeu os cabelos longos e as roupas deixaram de ser luxuosas. Tudo para tentar diminuir a sensualidade dela e deixá-la mais distante do mundo de Laureta. Desta forma, o autor preparou o caminho para a revelação do parentesco das duas. 

Em uma época que se pede cada vez mais representatividade, Segundo Sol estreou com críticas ao fato de haver poucos negros ocupando papéis de destaque na trama, que se passa em Salvador, capital do segundo estado com maior número de negros em sua população. 

A importância de Roberval no enredo aumentou para tentar compensar essa ausência de negros na novela. Zefa também teve a função de atenuar a falta de representatividade. 

A trama de Maura, Selma e Ionan também acabou ficando mal resolvida. Entende-se que o autor quis dizer que amor independe da identidade sexual do ser amado. No entanto, diante da onda conservadora, em que é aventada a criação de um Ministério da Família, sugerir que a personagem gay pode viver um amor hétero não é bom para causa. Suscita-se que pode haver a “cura gay”. 

A Laureta de Adriana Esteves acabou ficando numa frequência parecida com a Carminha de Avenida Brasil. Os traumas da infância que fizeram com que a outra personagem tivesse desvios de caráter reapareceram na atual composição. Colocar Adriana Esteves como alguém que sofreu torturas durante a ditadura é uma forçação de barra na cronologia. Só se a novela se passasse nos anos 90, o que não é o caso. 

Leticia Colin deu conta do recado, mas a trajetória dela sofreu algo ainda não bem explicado. Rosa parecia se transformar numa Cinderela, no entanto, virou a linha dramática e se tornou volúvel e vilã, nesta reta final volta ao time “dos bons”. A moça é muito boa atriz, mas sofreu um pouco por conta da indefinição do autor com o papel. 

Beto e Luzia não tiveram química. Emilio Dantas e Giovanna Antonelli desempenharam bem seus papéis, mas não houve um encontro explosivo na tela. Faltou mais um aspecto: não é possível que uma DJ famosa e um cantor de sucesso consigam viver todas as desventuras da novela e a trama ser comum. João Emanuel Carneiro deveria ter tentado colocar também o papel da mídia em acompanhar a trama, quase fazer uma outra novela dentro da novela. 

Doenças autoimunes podem acontecer com qualquer um. No entanto, achei óbvio demais que Rochelle tenha sofrido Guillain Barre. Isso pode dar a impressão que a doença acomete as pessoas com falhas de caráter, que o problema é uma punição divina. 

Mas tudo vale a pena quando Dulce entra em cena. Renata Sorrah está roubando a trama com a personagem. O desempenho é tão arrebatador, que há cenas em que Vladimir Brichta parece não aguentar e rir de verdade da companheira. 

E novamente, apesar de toda expectativa, João Emanuel Carneiro não conseguiu o êxito de  dramaturgia que conseguira com Avenida Brasil. Essa novela ficou aquém de A Favorita e a Regra do Jogo. 


Não é fácil encarar o desafio de fazer uma novela no horário mais importante e emprestar vitalidade a um gênero que há mais de 60 anos entra nos lares brasileiros. Só por isso, João Emanuel Carneiro é um herói. Ops, não estamos em tempo de exaltação de heróis. 

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Para os que vão à praia em dias de chuva

Esse é o quadragésimo sétimo dia de finados que presencio. Cresci ouvindo que  a possibilidade de chuva era certa. Gostaria de um levantamento para saber em quantos destes foi confirmado o tempo chuvoso. Diz a lenda que é o céu chorando pela falta de tantas pessoas amadas. 

Assim como aconteceu diversas vezes comigo, a chuva frustrou os planos de praia do meu filho. É bom aprender a lidar com derrotas. Chove insistentemente. Ele olha para a janela, pragueja a ruína do seu programa e pensa no que fará como opção. 

O que para ele é mau tempo, para muitos é uma chuva ansiosamente esperada. Porque com tanta gente no mundo, não é possível que todos odeiem ou aprovem a chuva. “Toda unanimidade é burra”, escreveu Nelson Rodrigues, que era tido como representante da direita, mas dado o revisionismo histórico, ainda acaba filiado PCO. 

Logo, conversei com meu filho que os dias chuvosos passam e a gente pode ir à praia. Ele quer ir mesmo assim. Tem os que acabam indo mesmo com chuva. Nesses dias, a praia fica mais vazia. Em muitas oportunidades, a água do mar fica até quentinha. Estabelece-se uma relação de cumplicidade entre quem foi à praia. 

Quem passa pela orla e vê na praia as pessoas têm pensamentos diversos. Há os que enxergam loucos. Outros chamam de desocupados. E tem quem inveje à disposição pela opção diferente. Alguns passam a considerar ir à praia em dias de chuva, porque não estarão sozinhos. 

Combater a chuva ou os moinhos de vento exige um pouco de loucura. Ajuda a manter o espírito aguerrido. Quando vamos à praia em dias como hoje a chuva fina e fria desanima. Mas abre opções e joga longe a opção binária- choveu, fica em casa - abriu o sol, vai à praia. 

Além disso, presenciar a chuva no dia de finados é sinal que você está por aqui. Tendo em vista, que sob a minha perspectiva, passei pela possibilidade de ser homenageado, acho que é um lucro danado passar por dias chuvosos. 

E por falar nisso, só tenho a agradecer pela onda de carinho na qual fui envolvido após um comentário nas redes sociais ter levantado a ira de alguns. 

Para que não fiquem dúvidas: é muito difícil ir à praia em dias de chuva. Mas a gente vai. Só tem que tomar cuidado, porque, dependendo da tempestade, os raios podem até matar. 


quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Eu gosto de uva passa no arroz

Ideias ruins são as que eu não tenho. Errado é o que eu não penso. Feio é o que eu não gosto. E lá vamos nós na espiral de intolerância. Por exemplo, está chegando o Natal. Eu gosto de passas no arroz. Estou tentando antecipar os debates que valem a pena no fim do ano. Acho que as passas tiram do arroz o gosto da rotina. Eu como arroz o ano inteiro. No entanto, quando sinto as passas, afetivamente lembro-me do Natal. 

O ser humano é esquisito. Eu odeio panetone, justamente pelas passas e outras frutas cristalizadas. Isso quer dizer que é possível a mesma pessoa gostar de passas e não gostar de passas. Isso não é esquizofrenia. Simplesmente, passas, palavras e ideias dependem de contexto. No contexto do arroz, as passas para mim fazem sentido. Já no contexto do panetone, não. 

Devo então defender a extinção das passas? E do panetone? Penso que não. Justamente porque temos que pensar nas pessoas que sentam à mesa pensando em comer essas iguarias. 

Outro dia, ouvi uma amiga reclamar da comida que serviram numa festa. Vegana, ela reclamou que a dona da casa não se preocupou em colocar opções no cardápio. Minha amiga disse que quem convida deve deixar as visitas à vontade. 

Ouvindo o lado da anfitriã,  percebe-se que ela pensou na maioria dos convidados. Os outros convivas não tinham restrições alimentares e por isso, ela não se preocupou com a amiga de hábitos diferentes. 

O que o bom senso recomenda nesses casos é ter comida para a maioria e para minoria. Tentar conciliar os interesses. Não deixar que o grupo em minoria, no caso os veganos, sinta-se abandonado e sem cuidado. 

Como não sou vegano, quando chego às festas não percebo se há uma comida especial para quem tem uma dieta diferente. Não é uma questão para mim, então confesso não me ligar. Minha mulher também não é vegana, mas quando organiza eventos, se preocupa com as possíveis restrições alimentares de quem foi convidado. 

Logo, minha mulher tem uma alta dose de empatia alimentar. Sempre foi uma preocupação dela, mas talvez minhas restrições a frutos do mar e a chocolate tenha tido o efeito de aguçar ainda mais este cuidado. 

Também não gosto de cravo no tender. Mas, como a maioria gosta, me sujeito a comer. Discretamente, separo os cravos, assim como faço com as frutas cristalizadas do panetone. Porque enquanto estiver por aqui, continuarei almoçando e jantando. Preciso manter minha alma leve a convivência pacífica com os meus. 

Mas mesmo essa conciliação gastronômica tem limites. Não dá para comer bife de fígado e jiló. Aí, não há entendimento possível. Há linhas divisórias que devemos estabelecer e dizer: daqui não passo.