domingo, 31 de dezembro de 2017

Eu, FHC e Garotinho no Réveillon








Todo mundo tem pelo menos um Réveillon inesquecível. Eu tenho alguns. Mas hoje, vou contar apenas um deles. Será o erroneamente chamado de Réveillon do Milênio. 

As previsões mais catastróficas cercavam a data. Gente que entendia de informática dizia que os computadores não estavam preparados para a virada de 1999 para 2000. As grandes corporações, os bancos e as pessoas comuns enfrentariam uma hecatombe em suas máquinas. O apocalipse tinha nome: Bug do Milênio. 

Na verdade, nada aconteceu. Quem entendia de informática resolveu a questão e quem entendia de se vender ganhou uma grana fazendo consultoria. 

No entanto, esse texto não é sobre aventuras cibernéticas, é sobre histórias vulgares de um jornalista. 

Fui escalado para cobrir a virada do ano. A equipe precisava ser reforçada por conta de uma festa que aconteceria no Forte de Copacabana.

A corte republicana se mudou para o forte naquele dia. O carioca Fernando Henrique Cardoso passaria o ano em sua terra natal, ciceroneado pelo prefeito Luiz Paulo Conde, anfitrião do Réveillon do Milênio. 

Foi montada uma estrutura em cima da pedra na ponta do Forte de Copacabana. Aquilo não tinha como dar muito certo. O vento, alheio a qualquer reverência aos participantes da festa, insistia em se fazer presente. E de tanto insistir, fez um pequeno estrago. 

A cobertura da tenda começou a se soltar, um fotógrafo da sucursal de Brasília do JB foi registrar. Alguma boa alma do cerimonial gritou para um integrante da Polícia do Exército: “Não deixa”. Prezando pela “ordem” o PE não apenas tirou a máquina do fotógrafo, como o agrediu e o levou para um porão. 

Foi uma algazarra danada, jornalistas tentando impedir que o repórter tivesse o trabalho cerceado, empurra-empurra. Sobrou catiripapo para todo mundo. Além disso, um recado bem claro: era uma instituição militar. Não seria registrado o que eles não permitissem. 

Em pleno Réveillon do Milênio tivemos uma pequena amostra do que era registrar o indesejável num regime de “disciplina severa”. 

Para piorar, o telefone não pegava. Resultado, tive que passar um flash contando tudo na sala da assessoria, que ficava quase na entrada do forte de Copacabana. 

Ao voltar, a notícia mais desoladora. Fernando Henrique havia falado e eu perdera a entrevista. Quem já fez cobertura presidencial sabe avaliar o tamanho da encrenca que eu estava. 

Para piorar, eu não conhecia ninguém. Por causa da presença de FHC, os jornalistas eram de Brasília. 

O Réveillon do Milênio tinha provocado um bug na minha reportagem. Trabalhava na virada e com pessoas que não conhecia. Mas como escrevi um dia desses, tem dois tipos de repórter: o que derruba a matéria e o que insiste. 

No momento da passagem do ano aquela felicidade. Confraternização, cumprimentos pra lá e pra cá... Vejo uma oportunidade. Dirijo-me à assessora do Fernando Henrique e jogo a isca: “meu Réveillon só será feliz se eu falar com o presidente” Ela fechou a expressão do rosto. Deu-me uma reprimenda por ter perdido a entrevista. Naquele momento não conseguiria explicar os problemas com a telefonia em Copacabana. 

Ela se afastou. Um minuto depois escuto a frase: “Só a CBN pode passar”. Aproximei-me, cumprimentei FHC, fiz umas duas perguntas da pauta, pedi uma mensagem de ano novo (tive que abrir concessões, meu pescoço estava sendo salvo) e saí. 

No fim, a solidariedade de onde eu menos esperava. O governador Anthony Garotinho me ofereceu uma taça de champanhe na mesa dele. 

Meu Réveillon foi tão atípico que o governador Anthony Garotinho era a pessoa com quem mais eu tinha intimidade na festa. 

E para quem acha que um Réveillon ruim pode ser o prenúncio de um ano desastroso, uma mensagem de esperança. Em 2000 comecei a namorar a mulher da minha vida, com quem casei e tive dois filhos maravilhosos. 

Então, menos pressão no Réveillon. O resto do ano importa mais.

Feliz Ano Novo! 


sábado, 30 de dezembro de 2017

Porque eu virei professor (obrigado Wilton de Souza)






Acabei numa sala de aula por acaso. Estávamos em dezembro de 2001 e eu cobria uma pauta chata com algum ministro do governo FHC. Também no evento estava o querido fotógrafo Wilton de Souza, na época trabalhando no Jornal do Commercio. 

Já comentei aqui que uma das coisas que o jornalista mais faz na rua é esperar. Aquela pauta era uma delas e o Wilton aproveitou, se dirigiu a mim e perguntou: “Você já deu aula”? Levei um susto, nunca havia pensado na ideia. No entanto, assim que ouvi a pergunta, emendei: “Não, mas fiquei com vontade”. 

O diálogo prosseguiu; “minha mulher é coordenadora da Estácio e está procurando professor de rádio. Falei para ela que tinha alguém para indicar. Me passa seu numero”. Passei meu telefone, a mulher dele me ligou e fui contratado pela universidade. 

As aulas começaram em março, no mesmo mês aconteceu uma tragédia. Wilton chegava de uma pauta ao prédio do Jornal do Commercio. Bandidos em fuga saíram do túnel João Ricardo, entraram na Rua do Livramento pela contramão e atingiram o carro em que ele estava. 

Ele foi socorrido, mas não resistiu e morreu. O mais impressionante é que Wilton trabalhou em jornais onde cobriu tiroteios e manifestações. Como a vida é imprecisa, a tragédia lhe encontrou ao voltar de uma pauta para uma publicação que fazia pautas de gabinete. 

Falei com a viúva Margot e com o Wilton Jr., fotógrafo como o pai, a importância dele na minha vida. Aos 30 anos, o encontro com Wilton naquela pauta mudou o rumo da minha carreira. Ganhei uma segunda profissão por causa dele. 

E como foi bom começar a dar aula. Tive alunos muito legais naquela universidade. Nos seis anos seguintes foram muitas histórias que contei e aprendi. 

Vi nascer amores que já deram frutos: Thiago Teixeira & Lorena Cecília, André Lobão & Raquel Faillace, Leonardo Mululo Madela & Sânia Motta, por exemplo. Gente que continuo tendo contato por causa das redes sociais, como Flora Daemon, Djalma Oliveira, Rodrigo Mandarini, Thiago Lage, Márcio Ianacca, Cassius Leitão, Ana Claudia Rebello, Andre Luiz Borges e Heloisa Costa. 

Peço perdão aos que não citei. Não conseguiria falar todos os alunos da época da Estácio. Foram quase mil no tempo que fiquei lá. 

Tive a honra de ter colegas como Genilson Araújo, Nelson Moreira, André Balocco, Sandro Torres, Gutenberg Barbosa, Soraya Venegas e Élida Vaz, entre outros.

Na Estácio passei por uma saia justa engraçada. A escolha da figura de linguagem tem motivo. Entrei para dar aula no Campus Tom Jobim, na Barra. Dei a primeira aula, fazendo uma série de perguntas sobre atualidades e a turma acertando apenas algumas. No fim do encontro fui fazer a chamada. 

Enquanto dava a aula, identifiquei uma pessoa. No entanto, achei que na hora da chamada veria o nome e reconheceria. Ao acabar de ler a lista, fiz a tradicional pergunta se alguém não estava na pauta. A menina levantou a mão. Eu perguntei o nome e ela respondeu: Tais Bianca Araújo... Sim, era a atriz de TV. 

Senti o riso preso da turma. O professor marrento, que sabia o nome do ministro da Pesca, fora incapaz de identificar a atriz famosa na sala de aula. 

Um mês depois, quando as relações com a turma estavam mais tranquilas, dei uma aula sobre a importância de reconhecer erros e de ser humilde. Aproveitando o gancho, pedi desculpas para Tais por não tê-la reconhecido na primeira aula. Nesse momento irrompeu uma gargalhada na turma. Os alunos revelaram que eu virara piada. Não da parte de Tais. Na hora em que pedi desculpas, ela foi gentil e disse que eu não tinha a menor obrigação de saber quem era ela. 

Rimos muito na hora e a vida seguiu. Ela é gente boa e engraçada. No ano seguinte encontrei-a num camarote na Marquês de Sapucaí. Ela estrela da novela, eu o repórter caçando entrevistados às 4 da manhã. Quando me viu foi só sorrisos e muito simpática entrou no ar com todo carinho. 

Torço muito por ela, assim como torço por todos os alunos que passaram por minha vida. Mesmo com ela, que seguiu uma carreira diferente, fico feliz de ter feito parte de um pedacinho da sua trajetória. Esse é o barato de ser professor, ser o ponto de convergência de tantas aventuras legais. 

Ser professor é reconhecer que na vida a gente tem muito mais a aprender do que a ensinar. 


sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

O dia em que Cassia Eller morreu





Há 16 anos o Brasil perdia a incomparável Cassia Eller. Acho que nos últimos 40 anos, ela está entre as três ou quatros maiores vozes surgidas no cenário musical brasileiro. Foi no dia 29 de dezembro de 2001. Perdão por essa história não ser numa data redonda. Eu não tinha um blog no ano passado. 

Meu irmão Daniel dividia o palco com o cantor Milton Guedes num restaurante em Ipanema chamado Gig Saldas, um lugar sensacional, daqueles que existiam nos anos 80 no Rio. Daniel gosta de contar que uma vez a Cassia, iniciante e tímida foi ao bar. Acho que ela e o Milton Guedes se conheciam de Brasília. Pois bem, quando a menina tímida abriu a boca, todo mundo ficou chocado com a força dela. 

Eu fui a uma apresentação da Cassia no Jazzmania, outra casa maravilhosa que fechou as portas. Ela ficava em cima de onde hoje funciona o Astor. A Cassia hipnotizava qualquer um. Digo uma coisa, se você não assistiu Cassia Eller ao vivo, ficou faltando algo importante na sua vida. 

Vamos para o dia 29 de dezembro de 2001. Era plantão de fim de ano. Eu estava escalado para o Réveillon. Pedi uma lasanha para o almoço(estava em pleno processo de engorda), no entanto, nem comecei a comer. 

Ermelinda Rita estava na minha frente e me avisou: “Creso, nem comece, a Cassia Eller foi internada na clínica Santa Maria, em Laranjeiras”. 

Eu nem dei a primeira garfada. O quadro parecia ter pouca gravidade. Achei que iria lá e voltaria e minha lasanha nem iria esfriar. 

Ledo engano. Ao chegar à clínica, me identifiquei e pedi informações. O hospital não quis me falar nada. Olhei em volta e vi um homem muito nervoso. Como ele não parecia ter o perfil das pessoas que aguardavam na recepção, me dirigi e perguntei: “Você está com a Cassia”?

Ele se identificou, era Ronaldo Villas, empresário da cantora. Muito solicito, me disse que Cassia tivera uma indisposição estomacal, tomara um medicamento e estava no quarto. Existem dois tipos de repórter: os que gostam de derrubar matéria e os insistentes. Sempre fui a “mala” que insistia. 

Liguei para o meu chefe de reportagem, Luciano Garrido, e contei a história. Garrido me perguntou o que eu achava. Eu respondi que a história não me convencera. Apesar da firmeza das palavras, algo na expressão do Villas o atormentava. 

Amigos, temos que fazer todas essas análises em segundos. Não é dramatização posterior ao fato. Garrido concordou comigo e permaneci na pauta. 

No plantão em frente à casa de saúde estávamos eu, pela CBN, Ruben Berta, pelo Globo e Taciana Andrade, pela TV Globo. 

Tudo transcorria numa estranha calmaria, no entanto, uma mulher que esperava na recepção do hospital irrompeu num ataque de fúria: “eu quero que o hospital dê uma solução, quero visitar minha mãe no CTI e para tratar essa Cassia Eller eles fecharam tudo”. 

Incrédulo eu só repetia para ela: “CTI? CTI”? Os seguranças me tiraram do interior da clínica. Liguei para o Luciano e contei o ocorrido. Novamente ele perguntou minha opinião. Fiz a ressalva que o hospital não confirmava, mas acreditava que a Cassia se encontrava em estado grave. 

Entrei no ar. Foi a senha para que o público e os outros colegas de imprensa que não estavam no hospital corressem para lá. 

Depois de minha entrada no ar, o empresário da cantora veio falar comigo e reclamou. Eu expliquei que cada um estava fazendo seu trabalho. Ele defendendo a sua artista e eu ali para informar o público. 

Villas improvisou uma entrevista coletiva. E eu perguntei se Cassia se apresentaria dali a dois dias na praia. Ele disse que sim. 

Infelizmente sua declaração não se realizou.  Cassia Eller morreu às 7 da noite daquele sábado, 29 de dezembro de 2001. 


Acho que a grande lição que tirei deste episódio é que jornalista deve confiar na sua intuição e não desistir no primeiro não. Como escreveu uma vez mestre Geneton Moraes Neto, a gente deve ter sempre em mente a seguinte pergunta: por que esse cara está mentindo para mim?  Repórter deve ter como mantra: não há pergunta errada, errado é voltar para a redação com dúvida. 

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

A rádio que falta no mercado do Rio de Janeiro







Vou fazer mais algumas considerações sobre o mercado de rádio do Rio de Janeiro. As emissoras costumam entrar no que se chama “Triângulo das Bermudas” da audiência nos dois próximos meses. As pessoas mudam seus hábitos nas férias escolares. Acordam mais tarde, saem mais de casa e isso tem efeito direto na medição da audiência. 

Outra coisa que ocorre nessa época do ano é a mudança dos parâmetros do Ibope. De acordo com dados do IBGE, o instituto atualiza o universo pesquisado, padrões etários e de classes sociais. Essas mudanças também mexem com os números. 

Com essa queda na audiência, algumas emissoras  aproveitam para lançar pilotos, testar novas vozes e formatos. 

Na televisão não é muito diferente. Alguns dos especiais de fim de ano da TV Globo, por exemplo, voltam mais tarde como programas da grade. 

Vou voltar a falar de tempo médio e alcance, métricas usadas pelo Ibope para dizer quem tem mais audiência. 

O tempo médio é a quantidade de horas que os entrevistados informam aos entrevistadores que ficaram ouvindo a emissora. O ouvinte diz que ouviu e o entrevistador coloca na pesquisa. 

O alcance de uma rádio é medido pelo número de vezes que o entrevistado afirma ter ouvido a emissora. Nesse parâmetro o importante é fazer promoções e propagandas, ou seja, estar visível para o entrevistado do Ibope. A estratégia da Tupi, por exemplo, era ter outdoor em lugares de grande circulação como a Ponte Rio-Niterói e a Central do Brasil, “envelopar” trens e recorrer a busdoor.  Ancorada nos laços “sanguíneos”, a Rádio Globo fazia campanhas esporádicas na TV Globo, além de usar busdoor também. 

Cada emissora investe no que é seu forte. Atualmente a grande briga no dial do Rio é entre FM O Dia e Rádio Melodia. A primeira, calcada num repertório popular, com forte presença em bailes e casas de shows da Baixada e da Zona Norte. A FM O Dia aposta tudo no marketing e na visibilidade. Com isso ela tem o maior alcance entre as rádios do Rio de Janeiro. A Melodia é una rádio evangélica e tem o ouvinte literalmente fiel. O tempo médio da emissora é assustador para a concorrência. Números de julho de 2017 davam conta que o ouvinte evangélico fica em média 4 horas sintonizado na emissora, quase o dobro do tempo da FM O Dia. Para manter esse tempo médio alto, a Melodia investe numa “retroalimentação”. As promoções são de “produtos” evangélicos. As relações com igrejas e congregações são ressaltadas e o repertório é de grandes nomes do gospel. Neste segmento a Melodia tem a concorrência da 93 FM, atualmente no quinto lugar do ranking geral. 

A situação da Tupi é a mais confortável em termos de audiência. Terceira no ranking geral foi ajudada pela decisão da Rádio Globo de mudar a programação. Isso deixou a emissora dos Diários Associados correndo “sozinha”. Uma boa aposta é a apresentadora Isabela Benito, que pode ser uma versão moderna da Cidinha Campos. Pedro Augusto saiu queimado da votação que livrou de forma efêmera a quadrilha Picciani da cadeia. Não duvidaria de novos ventos nas tardes da Fonseca Teles. Isso é opinião, não é informação. Antônio Carlos e Clovis Monteiro formam um eixo de programação muito forte em audiência e comercial. Com isso, a Tupi se tornou a rádio talk popular mais relevante do cenário carioca. Resta saber se há anunciantes para esse segmento. Audiência existe, nunca houve dúvidas. A questão é o vil metal. Contra a Tupi pesa o passivo trabalhista, o calote dado em dezenas de famílias que não viram a cor do pagamento de vários meses no ano passado. 


Apesar da Paradiso e da JB estarem no mesmo segmento, percebo no Redação Online, comandado pelo excelente Sergio Gianotti, uma tentativa de fugir do tradicional toque informativo das emissoras musicais. O texto é editorializado, com opiniões no meio, tirando o toque impessoal. Ou seja, a Paradiso, uma  rádio musical, tenta dar a esse programa uma “pegada” mais talk. 

A JB tem um modelo vencedor. Absoluta em seu segmento e quarta colocada no ranking geral. Tem sua programação e seus colunistas bem definidos. Talvez ao tocar muitos artistas dos anos 70, pode pagar daqui a algum tempo uma conta chata: o envelhecimento do seu público. 

Uma explicação bem resumida para quem não é do meio. Você escolhe os flashbacks da emissora da seguinte forma. Eu quero que minha rádio fale com um público de 35 a 50 anos. Faço uma conta de quando meu ouvinte mais velho tinha 15 anos. Nesse modelo, voltaríamos 35 anos. Ou seja, a música mais velha que devo tocar é do ano de 1982. Alguns exemplos de artistas que são bem aceitos nesta emissora: Lulu Santos, Paralamas, Kid Abelha, A-Ha, Michael Jackson, Men at Work. As belíssimas Sailling, de Christopher Cross, e Linha do Horizonte, do Azymuth envelhecem a programação. As rádios musicais também estão sofrendo não é de hoje com outro problema. Atualmente cada um faz a sua playlist. Por isso existem alguns movimentos como o da Paradiso de tentar uma linguagem híbrida. O chamado “vitrolão” está em maus lençóis. 

Qual a rádio que falta no dial do Rio? Se eu tivesse essa resposta, a venderia por 2 milhões de dólares a algum empresário de comunicação


Eu tenho uma opinião. E é apenas a minha opinião, não é a verdade. Eu acho que há espaço para uma rádio com jornalismo, prestação de serviço e interatividade. Poderia tocar música e dar uma cara nova às transmissões esportivas. Uma emissora com comunicadores que tenham presença nas redes sociais e com repórteres na rua. Que rádio é essa? A Rádio Globo dos anos 70 adaptada para a terceira década do século 21. Qual o problema? É uma emissora cara. Precisa de gente para fazer. Terceirizar helicóptero, colocar um repórter no Centro de operações e uma pessoa para coletar informações na Internet e entrar no ar atende aos critérios de custo, mas artisticamente é comprometedor. 

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Vamos falar da Nova Rádio Globo






Dei-me uma quarentena de mais de 5 meses para falar da emissora que está de mudança da Rua do Russel. Esperei que não houvesse mais ninguém da minha época na linha de comando. Além disso, a nova grade foi lançada em junho, já se passaram seis meses da mudança, tempo suficiente para que o panorama comece a se desenhar. Então, agora, sinto-me à vontade para falar. A Rádio Globo foi lutar no segmento mais qualificado, mais em busca de êxito comercial do que de audiência. Os ouvintes que sustentavam a emissora do Grupo Globo não enchiam os olhos dos anunciantes, tanto pela idade, quanto pelo poder de compra. A carteira de clientes da rádio foi diminuindo ao longo do tempo e estava muito apoiada nos patrocínios de supermercados e remédios. O projeto da Rádio Globo precisa de um pouco mais tempo para ser avaliado. 

Como já escrevi neste espaço, aferir o sucesso de um produto na TV é muito mais rápido do que no rádio, principalmente por causa da metodologia da audiência. 

Para colocar todos os leitores na mesma página, a audiência do rádio medida pelo Ibope sai do cruzamento de duas métricas: tempo médio e alcance. 

O tempo médio é a quantidade de horas que os entrevistados informam aos entrevistadores que ficaram ouvindo a emissora. Veja bem, diferentemente da TV, em que os dispositivos eletrônicos informam se efetivamente a emissora foi sintonizada, no rádio, essa informação sai de uma pergunta sem “certificação tecnológica”. É quase como meu pai dizia, “no fio do bigode”. O ouvinte diz que ouviu e o entrevistador coloca na planilha. 

O alcance de uma rádio é medido pelo número de vezes que o entrevistado afirma ter ouvido uma emissora. Para crescer nesta métrica, o importante é fazer promoções e propagandas, ou seja, estar visível aos entrevistados do Ibope.

Feita esta explicação, vamos voltar a falar da Nova Rádio Globo. O êxito vai depender de quem olha. Para o antigo público vai sempre ser considerada uma tragédia. A resposta destes ouvintes se revela nas pesquisas de audiência. A Rádio Globo deve fechar 2017 com cerca de 30% da audiência que fechou em 2016. No entanto, esses números tem importância relativa para os gestores. Se a emissora fechar no azul e a sinergia com outros veículos do grupo ficar azeitada, o projeto será considerado um caso de sucesso. Logo, são inúteis quaisquer comparações entre Globo e Tupi. A Globo quer concorrer com a JB e a Paradiso, por exemplo.

Olhando de fora, acho que a aposta em Otaviano Costa correta. Vai ao encontro do que os gestores querem: “celebrismo”. Um nome conhecido e que sabe fazer uma emissora mais jovem. Tenho dúvidas se é para o público esperado pela Globo. Talvez ele atenda a uma faixa etária mais nova do que a dos 35 aos 50 que a rádio tem como meta. 

A faixa das 11h às 14h é a mais perigosa. Justamente por causa da forma que a audiência do Ibope é medida no rádio. Variar os apresentadores não cria o hábito, não é o melhor jeito para brigar pela audiência no atual modelo. 

A direção da Rádio Globo quer um jornalismo recheado de boas notícias. Quer ser uma alternativa otimista ao noticiário das outras emissoras. A Globo corre o risco de parecer alienada, tendo em vista o cenário caótico vivido em nossas cidades, com a ausência do Estado em áreas vitais como a Saúde e a Segurança Pública.

No esporte mantiveram as principais vozes, o que é bom, mas optaram por uma plástica mais para “baixo”, menos vibrante. Perdeu “malemolência”, na minha humilde opinião. No entanto, existe a busca por um novo ouvinte, que as pesquisam devem ter indicado, ser mais receptivo a esta estética. O perigo, é que a Transamérica pode ter chegado antes a esses ouvidos mais “novos”. Muitos dos tradicionais foram para a Tupi ouvir José Carlos Araújo e Washington Rodrigues.

Existe uma preocupação com as plataformas digitais, o que é fundamental para alcançar o público mais jovem. Ponto positivo do projeto.

A decisão da Globo é ousada. Saiu de um segmento que se mostrava deficitário, mas correu para um que está “engarrafado”. Não bastassem a poderosa JB e a Paradiso, chegou ao dial carioca a Alpha FM. O curioso na chegada da “paulista” Alpha é a tentativa de se “acariocar”, dando pinta que não vai priorizar a rede. Vamos ver até quando a economia vai permitir essa “ousadia”.

A Globo voltou-se para a rede. E tem mais, para funcionar, o projeto da emissora depende muito de como vai se sair em São Paulo. Quando transmitia apenas na banda AM, a Globo tinha números de audiência expressivos, mas a receita era baixa. A recente ida para o FM na maior cidade do país ainda não alavancou as vendas. E para deixar o quadro um pouco mais adverso, a audiência despencou na Paulicéia.

A Rádio Globo precisava se mexer. O fez de forma radical, vamos ver onde vai chegar. Dando certo, é mais mercado para os profissionais da área. Acho que os atuais gestores vão ter o ano de 2018 para acertar o que estiver errado. Em 2019, só recorrendo à Zora Yonara para saber.


terça-feira, 26 de dezembro de 2017

As cancelas nas ruas do Rio e a gula do Natal







A crise econômica tem alguns efeitos periféricos curiosos. Por exemplo, os números de Ibope na Rádio Globo mostravam uma tendência. Quando o bolso ia mal, “só Jesus na causa”. Quando as pessoas se viam em dificuldades financeiras, a audiência do Padre Marcelo Rossi subia. 

Durante os últimos 7 anos que fiquei na emissora, pude comprovar que os inventores da sentença tinham razão. É a tal história, quando o calo aperta a gente lembra e dá uma olhada no sapato. 

Acho que tudo na vida da gente seria facilitado se em vez de reagir, agíssemos. Por exemplo, a orgia natalina. 

Relacionar uma festa religiosa com orgia pode parecer heresia, para o pessoal que defende censura à exposição, por exemplo. A esses, peço calma, a orgia a que vou me referir é a gastronômica. 

Nesse momento escrevo auxiliado por um  Sonrisal. Já não tenho o metabolismo de outras épocas e a primazia dos olhos sobre a fome cobra seu preço. 

Em quando aquela dor que parece uma faca entrando um pouco abaixo do peito e chegando às costas, lembro que as últimas quatro fatias do tender delicioso poderiam ter sido evitadas. 

No entanto a ansiedade e a vontade de ter aquele pedaço da carne mais escura do pernil fazem com que você aja sem medir as consequências. 

Será um medo atávico de ficar sem comida? Em algum lugar entre as missões gaúchas e a migração sertaneja, posso ter tido antepassados que passaram fome e me transmitiram essa glutonaria. 

Aliás, herdamos uma série de glutonarias. Os muitos carros, os muitos sapatos, os muitos relógios são a prova disso. Esse acúmulo nos faz ter medo de perder o que temos. 

O medo é péssimo conselheiro. Ele nos cega. Então, nos lançamos em aventuras irresponsáveis patrocinadas por  quem espalha a política do medo. 

Vejamos o fechamento das ruas do Rio. Matéria publicada no Globo mostra que no último ano foram autorizados 54 fechamentos. O estado se sente incapaz de cumprir o papel de prover segurança aos locais. 

Os moradores preocupados com tudo de valor que construíram com o suor do seu trabalhão se organizam e contratam empresas de segurança... 

As cancelas de rua podem ser incubadoras dos ‘ovos’ da serpente miliciana. Os condomínios da Barra lançaram essa tendência de cercar com grades e cancelas os logradouros. O medo provocado pela ausência do estado faz com que essa praga se espalhe para outras áreas da cidade. 

Dois mil e dezessete vai ficar marcado como o ano que um bairro inteiro se gradeou.  Por ficar numa área violenta da cidade, os moradores de Vila Kosmos, um bairro de 18 hectares, resolveu restringir o acesso ao bairro. 

O fechamento das ruas pode criar aos poucos um código de posturas para o local. “Cuidado com o carro de insulfilm escuro”.  “Ô de boné e chinelo, aonde você vai vestido assim”? O nível de controle vai subindo e em algum tempo o diálogo vai ser assim: “olá, dona Maria, a senhora vai pagar no crédito ou no débito o ingresso para entrar em casa”?  

E tudo começa pouco a pouco. Primeiro você quer a proteção e se dispõe a pagar por isso. O tempo passa e você fica com mais medo e a empresa de segurança vai lhe proteger. Quando você perceber, vai depender dela...

Não é preciso ver Tropa de Elite 2  para saber onde isso vai parar. Bem, como não sou prefeito, nem secretário de segurança, vou cuidar de fazer uma detox. Essa semana tem churrasco no sábado e depois Réveillon e enterro dos ossos da passagem do ano. Ou seja, vou comer por 72 horas seguidas. Estou pedindo remédio na farmácia. Preciso aumentar o estoque de Sonrisal. Já que não vou conseguir agir fazendo a dieta, vou ter que reagir à comilança. 


segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Dia de abrir presentes. O meu foi de 30 mil








Esse texto é uma celebração. No dia 30 de setembro me dei de presente este blog. Estava atordoado com a saída da Rádio Globo. O blog e a tentativa de passar no mestrado preencheram o espaço que o fim de minha relação com a emissora tinha deixado. 

Ao sentir o termômetro dos números no primeiro mês, estipulei como meta chegar a 30 mil visualizações no blog em 31 de dezembro. Achei que era possível. Ok, uma meta ambiciosa, um tiquinho ousada, mas  fui em frente. 

Entendi que a frequência e a constância seriam elementos fundamentais no caminho. Desde o lançamento da página publiquei todos os dias. O texto de hoje é o 87º. Lá pelo sétimo, minha amiga Carla Rodrigues (um selo de qualidade) me parabenizou pela disposição. Ela me disse que essa seria uma forma de melhorar minha escrita. A objetividade radiofônica me causou uma atrofia para textos longos. 

Meu amigo Alexandre Carneiro, diretamente dos EUA, perguntou como faço quando a inspiração não vem. Bem, a solução é escrever sobre a falta de inspiração. 

A querida Angela Rego Monteiro (outro selo de qualidade) faz sempre questão de deixar algum comentário generoso, massageando as pretensões do escriba, muito mais eficiente aos olhos dela do que na letra crua da realidade. 

Minha mulher vive insistindo para que eu faça um banco de ideias. Ela é virginiana e organizada. Eu sou geminiano... Nossa! Como ela é paciente. Ana Cláudia brinca que eu sou capaz de mudar de ideia no meio da frase. 

Nessa aventura de escrever todo dia, constato que as palavras decidem para onde vão. Acho que um pouco pelo que minha mulher me diz, tomo decisões no meio de um passo. Esse estilo pode remeter à foto clássica do presidente Jânio Quadros, em que há uma total desarmonia entre os pés, as pernas e o tronco. Cada elemento tragicamente querendo ir para um lugar. Deu no que deu. 

Numa homenagem ao ex-presidente (talvez a única que ele mereça), a concepção deste texto se deu entre as consequências físicas da mistura insensata de uísque, espumante, cerveja e Coca-Cola (só para rebater). 

Trinta mil visualizações atrás eu achava que seria difícil o encontro com as palavras e o casamento das ideias. Não mudei de opinião, aliás, vi que é muito mais complicado do que levianamente supunha. Encaro cada texto publicado como vitória. 

Descobri que é muito mais legal escrever aqui do que fazer textão no Facebook. Como já expliquei em algum post, a ideia do blog nasceu da reclamação de uma aluna sobre meus textões na rede social. A Giovanna Rebello, de um jeito debochado, me sugeriu que criasse um blog e três dias depois, comecei a brincadeira. 

Ter este espaço desnuda o que há de melhor e o que há de pior em mim. A auto imposta frequência diária provoca apostas de risco a todo instante. 

Há lugares da mente mais confortáveis de visitar, no entanto há uma área esmaecida, que quando a gente coloca luz, fica inevitável chorar. 

E quando a gente chora escrevendo, sobe no trapézio sem rede embaixo. Tem que zelar para que o emocional não soe piegas e cuidar para que as frases não fiquem desaconselháveis para quem tem diabetes. Isso sem falar na revisão. Meu Deus, que sufoco!

“Então, se é difícil assim, não fique de mimimi e abandone o blog”, diria o entediado leitor que suspeita de excesso de drama nos parágrafos anteriores. A esses objetivos e impacientes, explico que escrever já me transportou aos braços do meu pai e ao colo da minha mãe. Fez, por exemplo, com que eu imaginasse cenários anteriores ao meu tempo na terra.

Esse blog é a união de diversos tipos de generosidade. Meu professor para além da sala de aula, Mauro Silveira, me disse sobre um texto: “estava bonito como sempre”. Generosidade de mestre. Meus talentosos amigos Glauco Paiva e Eduardo Compan também elogiam algo que encontram neste espaço. Generosidade do talento. Carolina Morand e Simone Lamim dizem que se emocionam. Generosidade dos sensíveis. Alexandre Caroli e Bruno Paixão me chamam atenção para os erros de revisão. Generosidade dos práticos. 

Como disse lá em cima, este texto é uma celebração. É o percurso em busca de uma beleza inatingível. É um caminho solitário entre a folha digital em branco e um tiroteio de ideias. Passo a passo, vou debochando dos perigos. Buscando na vulgaridade dos fatos algo que possa soar universal. Um texto insensato como a vida de um impostor que se pretende cronista. E para piorar, com uma ressaca descomunal. 

Obrigado pela paciência. Obrigado pelo privilégio da leitura. 

Bom renascimento a todos! 




domingo, 24 de dezembro de 2017

Feliz Natal







Olhava para o palco do auditório do Colégio de São Bento e muitas vezes a vista ficava embaçada. Os olhos não têm limpador de para-brisa. Deveriam, assim a gente não precisaria colocar tanto as mãos neles para rudimentarmente secá-los.

Filhos adolescentes emocionam. Os andares são desajeitados, naquela postura em transição da criança para o adulto. Em alguns momentos você vê aquele pequeno ser que lhe fazia andar envergado, mas logo depois percebe uma expressão diferente, um jeito único que evidencia o que eles podem vir a ser. 

Por mais que nos sintamos o arco, o voo da flecha é impreciso e incalculável. Nós fazemos a nossa parte, conversando e tentando passar nossos valores de justiça e bom convívio social. 

Como escrevi ontem, meu filho concluiu o Ensino Fundamental. Com todas as dores, delícias e anormalidades normais na idade. Como disse um dos professores homenageados, meu filho não está apenas terminando um ciclo, mas recomeçando. 

Nada mais apropriado que o recomeço seja na época do renascimento que o Natal provoca em nossos corações. 

Independentemente do credo professado por cada um, a data provoca reavaliação. Sempre tento fazer desta época meu recarregador de bateria, ficando junto de quem amo. 

Olhando meu filho concluir o Ensino Fundamental, lembro que o estudo como a vida é um prédio em construção. 

E como um prédio, a vida precisa de fundações, piso, paredes, revestimento e decoração. No entanto, a vida é uma obra em progresso. É angustiante e desafiador o fato de que o construtor não terá noção da obra acabada. 

Porque toda vez que a gente olha o edifício, falta alguma coisa. 
E a construção não é um fazer solitário. Tem os que fiscalizam, os que criticam, os que elogiam e os que moram. 

Moramos em nós mesmos e no afeto de quem amamos. E com os laços formados nesses primeiros anos organizamos nossos condomínios. 

Chegam novos vizinhos e o prédio continua subindo. Não podemos esquecer um aspecto: a capacidade de suportar as cargas vem da fundação. 

E nós, os pais, somos ao mesmo tempo, arco, pilar, esteio e financiador desta construção. Pais são completamente apaixonados pelo prédio. 

Natal é renascimento, Natal é reconstrução, Natal é recálculo de rota. Que a argamassa que preenche os tijolos dos nossos prédios esteja cheia de amor, saúde, compreensão, resiliência e força.

Do discurso de um dos professores vou tirar um fragmento para encerrar esse texto. Um fazendeiro tinha vários cavalos. Um dia o mais bonito deles caiu num poço bem fundo. O capataz perguntou o que fariam, porque a profundidade do poço impedia o resgate. O fazendeiro mandou que ele enterrasse o cavalo no fundo. O capataz não entendeu. Como o fazendeiro enterraria seu cavalo mais bonito? No entanto, cumpriu a ordem. E começou a jogar terra, mas o cavalo recusava deixar-se enterrar. A cada porção de terra jogada, ele se sacudia e tirava a terra de cima. Com o passar do tempo, o capataz foi percebendo que a terra que ia para debaixo do cavalo o suspendia. Passado algum tempo, o cavalo saiu do poço, com alguns arranhões, mas vivo;    

Que nós tenhamos a consciência da obra que somos e proporcionamos ao mundo. E que o não deixar-se enterrar possibilita a sobrevivência, mesmo que com alguns arranhões.


Feliz Natal!

sábado, 23 de dezembro de 2017

Carta para o meu filho





                         



Filho, quando você for bem velhinho e eu for presença apenas no álbum de fotografias de imagens amareladas, espero que você tenha aprendido uma coisa que eu vivia falando. A gente aprende na dor ou no amor. Que o seu aprendizado seja a maior parte das vezes no amor. 

Espero que por essa época você constate o que aquele cara que nesse momento é só saudade tentava ensinar: Não adianta o talento ser grande se o esforço for mínimo. 

Ser pai é aventura mais amorosa, angustiante e gratificante de nossas vidas.  Lembro o pânico que se instaurou em minha alma no dia 6 de abril de 2003. Você tinha nascido dois dias antes. Depois de ficar no ambiente protegido do hospital chegamos à nossa casa. 

Era um domingo e o Flamengo estava em campo. Eu devidamente instalado no sofá, você no meu colo, vestido com um macaquinho do Mengâo.  Vencemos o Bahia por dois a um, com dois gols de Charles. O gol dos baianos foi uma incrível trapalhada entre Júlio César e Fabinho. O goleiro foi repor a bola, jogou a pelota na nuca do volante e ela entrou na meta rubro-negra. 

No entanto, o pânico não estava relacionado ao futebol. Na verdade estava diretamente ligado ao momento que sua avó e seu avô nos deixaram em casa com você. Olhei para o seu rosto e pensei: agora é com a gente.

O início foi bem complicado. Você se acostumando ao fato de não ter mais alimentação compulsória e a gente tentando entender o “chorês”;

Nossa, que angustia! Aquele choro indefinido que a gente não sabe identificar. É um tal de umbigo que cai, dente que nasce e cólicas que faziam você estourar qualquer limite de decibéis. Pensando agora, me veio à cabeça a expressão que aprendi com uma amiga: saudade aliviada.

Com dois anos, você chorou, colocou a mão no ouvido esquerdo e disse: “está doendo”. Vai parecer paradoxal, mas senti um alívio danado naquele dia. Acho que apesar da doença dos filhos, quando vocês conseguem identificar a dor facilita muito o nosso serviço. 

Dando um salto no tempo, teve a vez que você se perdeu na praia em Arraial do Cabo. Foram cinco minutos que tiraram uns 10 anos da minha vida. Ao encontrar, lhe abracei e chorei. Você só olhava assustado. 

Digo isso, porque vou chorar de novo.  É inevitável. Você está concluindo o Ensino Fundamental. Nossa! Se eu fosse contar as vezes em que falei “vai estudar”, “levanta logo”, “você vai se atrasar” chegaria facilmente à casa dos milhares. Mas valeu a pena. 

Lembro cada momento. Você sentado na minha cacunda, colocando o dedo no nariz, na boca ou nos olhos, atendendo solicitações dos adultos. 

Agora é um galalau do meu tamanho, com a voz mais grossa que a minha e maníaco por rock’n roll e youtubers. “Tu é bichão merrrmo”. Ah, vai achar o “mó” mico se eu chorar.

Uma vez me perguntaram no que eu pensava ao me lembrar de você. Respondi que eu me lembrava da música Oração ao Tempo de Caetano Veloso: “És um senhor tão bonito, quanto a cara do meu filho, tempo, tempo, tempo és um dos deuses mais lindos, tempo, tempo, tempo, tempo...”





Espero estar aqui por muito tempo, para curtir cada conquista e para ajudar a segurar as ondas mais brabas que surgirem ao longo do trajeto. Confie no seu taco, mas nunca perca a humildade. A delícia está no caminho que a gente faz, a chegada é consequência. Depois de um breve período de comemoração, a gente não pode descuidar, pois a batalha mais importante é sempre a próxima.

E quando eu não estiver mais aqui, lembre-se do que eu dizia: só brigue as brigas que valem a pena, chore apenas o inevitável, procure a comédia que há por trás de tudo e entenda que uma opinião diferente da sua pode lhe fazer crescer.

Guarde esse texto para ler mais tarde, tal qual o Superman fez com as palavras do pai. Leia naquele momento em que as fotos estiverem amareladas. Se bem que fotos digitais não amarelam, a tecnologia tirou a poesia da imperfeição. Aliás, nunca perca a paciência para olhar uma foto, elas possibilitam que a gente reviva momentos e mate saudades.

Pedro, eu amo você. Que eu consiga ser para você pelo menos metade do que meu pai foi pra mim. Parabéns e curta a vida.