terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Sobre cabelos, pochetes e ombreiras

Meu primeiro blog se chamava Clube dos Ranzinzas. Éramos três jornalistas com o firme propósito de preencher as folhas digitais em branco. Não rolou. Meus dois comparsas assinavam com pseudônimos. Eu era o único que colocava o “nome de batismo”. Acho que era pura vaidade mesmo. 

Resolvi reler alguns dos meus textos. Numa boa, ler textos escritos há mais de 10 anos provoca uma reação parecida com aquela de olhar as fotos com obreira dos anos 80. Você era mais jovem e talvez seja essa a única vantagem. 

Apesar do stent e dos muitos quilos a mais, não troco a pessoa de hoje por aquela que militava no Clube dos Ranzinzas. Aprendi a rir mais e não me levar tão à sério. Só por isso, acho que a passagem do tempo já me fez um grande serviço. 

Os textos eram de 2007, nessa época eu era o único dos três a ter filhos. Os meus eram bebês. Hoje, meus dois cúmplices têm seus bebês e eu tenho dois adolescentes. Um já foi ao bloco sozinho e eu, com o coração na mão, nada tinha a fazer, a não ser enchê-lo de hora em hora para saber o paradeiro. 

Tenho a impressão  que fiquei nostálgico porque minha filha cortou o cabelo. Ela resolveu aparar as madeixas e o lindo cabelo encaracolado que ia até a cintura agora está acima dos ombros. A decisão do corte radical foi dela. Com toda independência e empoderamento dos 13 anos foi ao cabeleireiro sozinha, conversou com a profissional que faria o corte e pronto. 

Talvez eu estivesse mais apegado ao comprimento do cabelo do que ela mesma. A mãe disse que apoiaria a decisão que ela tomasse sobre o cabelo. Quando a busquei no balé, ela já estava com o cabelo curto. Ficou linda. Mas foi mais um signo a representar a passagem do tempo. 


Aquela moça estava ali, com o cabelo do tamanho que decidiu, orgulhosa, se acostumando com as novas formas de pentear as madeixas. Como será daqui a mais de 10 anos quando olhar as fotos de seu novo corte? Impossível saber. Pelo menos ela não usa ombreiras e nem pochete. Só isso já vai garantir que sinta menos vergonha. 

O homem do tridente no Humaitá

Você vê que seu dia será diferente quando encontra um cara andando com um tridente na rua. Fiz um cálculo mental. Há dois dias aquele cara andando com aquele adereço nem me chamaria atenção. Daqui a três dias, ele estará totalmente inserido no contexto. Mas numa terça-nublada e abafada pelas ruas do Humaita, definitivamente, ele destoava dos demais. 

O tridente não era imponente como o do Aquaman, o rapaz também não era imponente como o Jason Momoa. Talvez mais estranho do que me deparar com um cara extemporaneamente portando um tridente, seria encontrar aquele cara com 2 m de altura vestindo um smoking rosa. 

Mas voltando ao rapaz do tridente,  fiquei pensando que ele não tinha traços para fazer cosplay de Aquaman. Olhando para ele rapidamente lembrei-me de outro personagem da ficção: o Mestre dos Magos, do misterioso desenho Caverna do Dragão. 

Aonde iria, por volta de uma terça-feira, em pleno transcorrer de um dia útil, aquele homem e seu tridente? Poderia ser apenas o tridente do baile de carnaval da festa do filho na creche. De repente era o encontro de uma sociedade secreta, uma galera que se reúne às terças-feiras para celebrar o Aquaman. Quem sabe essa suposta sociedade não se reúna às quarta para celebrar o Superman? Por via das dúvidas, vou prestar atenção se alguém passa com uma capa vermelha pela rua. 

Na verdade, o rapaz do tridente deveria receber uma salva de palmas. Pois diante da realidade que nos abalroa diariamente, com balas perdidas atingindo crianças, homens agredindo covardemente mulheres e confissões de roubos escabrosos pelo Cabral, ter o desprendimento de andar com um tridente fora de época é um ato de heroísmo. 

Quem sabe ele não era o próprio Aquaman e estava se dirigindo à Lagoa Rodrigo de Freitas com o objetivo de conversar com os peixes para eles correrem de lá, antes que parem de limpar o Canal do Jardim de Alá e eles morram às toneladas. 

Aliás, alguém sabe onde o prefeito vai passar o carnaval? O Rei Momo quer saber para não passar a vergonha dos outros anos. Como li em algum lugar, ele poderia pegar a chave da cidade, trocar a fechadura e não deixar o prefeito voltar. Talvez, só a Marcia sentisse falta. 


domingo, 24 de fevereiro de 2019

Algumas observações sobre o Oscar 2019

A Academia fez questão de dar alguns recados. O mexicano Alfonso Cuaron sair da festa levando 3 estatuetas é emblemático num momento em que o presidente Donald Trump quer construir um muro entre os EUA e o México. 

Os três Oscars para Pantera Negra, os prêmios para Mahershala Ali e Regina King como ator e atriz coadjuvantes e a vitória de Spike Lee como roteiro adaptados foram uma tentativa de apagar de vez o  #Oscarsowhite de 2015. 

Greenbook não era meu filme favorito. Achei Infiltrado na Klan muito mais arrojado, com uma trilha sonora sensacional e uma mensagem de alerta sobre onde a intolerância pode nos levar. Dar o Oscar ao bom filme Greenbook me deu a impressão que Academia fez como aquele atacante, que dribla toda a defesa, passa pelo goleiro e na hora de fazer o gol, coloca a bola caprichosamente para fora. Apesar de ser uma história sobre um músico negro rico que conquista a amizade de um homem branco pobre e racista, Greenbook é um filme sobre o relacionamento de um branco e de um negro pela ótica do branco. Por esse motivo, acho que a estatueta ficaria mais bem entregue ao filmaço de Spike Lee. 

Aliás o diretor vestido com um conjunto púrpura e uma boina da mesma cor também marcou sua participação na festa. A contundência de seu discurso foi emocionante. Ele lembrou do genocídio enfrentado pela população negra dos EUA e como foi necessário resistir e lutar pela igualdade de direitos. 

No Oscar marcado pela diversidade, Rami Malek levou o prêmio pela sua impressionante interpretação de Freddie Mercury e falou da importância dos imigrantes para a sociedade americana. Ele ressaltou que é da primeira geração de americanos de sua família já que seus pais são egípcios. 

A estatueta para Olivia Colman como melhor atriz também traz uma marca de nossos tempos. Sua personagem era uma rainha do século XVIII que vivia um triângulo amoroso lésbico. Aliás, o discurso da atriz britânica foi um dos mais engraçados da noite. 

Lady Gaga e Bradley Cooper arrebataram a plateia no dueto de Shallow . Gaga ganhou merecidamente a premiação de melhor canção original. 


O Oscar 2019 parece ter tido a preocupação de espalhar os prêmios por vários filmes. Tanto é que o maior vencedor da noite foi Bohemiam Rhapsody e o filme teve “apenas” 4 estatuetas. Roma e Pantera Negra tiveram 3. Dois filmes que decepcionaram foram A Favorita e Vice que levaram apenas um Oscar cada. 

Conversa ao pé da escada

Foram amigos por 7 décadas. Um homem e uma mulher. Muita gente achava que os dois eram namorados, tal era a cumplicidade entre eles. 

Um dia eles sentaram numa escada e conversaram. Aquele diálogo foi marcante, pois naquele momento ficou clara a razão para que o relacionamento de amigos não avançasse para um romance. Ele se dirigiu a ela e falou: “você seria a única mulher com quem me casaria. Mas tenho alguns hábitos íntimos que deixariam você infeliz”. 

Com o tempo ela deduziu que os hábitos íntimos eram simplesmente a homossexualidade dele. Isso era nos anos 1970 e assumir a homossexualidade era tudo, menos algo simples. 

O tempo foi passando e ela conheceu alguns dos amigos íntimos dele, mas no momento da cumplicidade maior eram dela os ouvidos para depositar segredos e confissões. 

Ela garante que nunca o olhou com desejo, mas confessa que com ele teve a relação mais cúmplice. Eles se entendiam no olhar. Riam daquelas piadas “internas” que só casais harmônicos compartilham. 

Há pouco tempo ela recebeu um telefonema. Era ele. Estava doente, internado num hospital. O contato já não era o de outros tempos, mas o afeto permanecia. A voz cansada e arfante ainda guardava elementos que para ela eram inconfundíveis. Com esforço, ele disse: “eu quero mandar um beijo pra você, viu”. Ela retribuiu o beijo telefônico. 

Aquela foi a última vez que se falaram. Depois do telefonema ele voltou a dormir. Jamais acordou. A última pessoa com quem falou foi com sua velha amiga. Não a tinha ao lado no leito, mas as almas estavam juntas. 


Encontrar bocas para beijar e corpos para tocar é imprescindível na vida, mas a comunhão de almas é algo mais raro, por isso resiste ao tempo e à distância. O encontro das almas sobrevive mesmo depois que uma delas parte em direção ao infinito. 

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Encontros e desencontros

Olhando pela janela, vi dois meninos brincando num balanço. No começo o movimento era desencontrado. Os dois só se cruzavam no centro da trajetória, pois enquanto um vinha o outro ia. 

O que estava à direita começou a ajeitar o balançar para ficar sincronizado com o companheiro. Por alguns segundo eles balançaram uniformemente. Iam e voltavam ao mesmo tempo, num movimento simétrico. Parecia uma bailado insistentemente ensaiado. 

O da direita, que antes ajustara o seu movimento, começou a balançar mais fortemente e então, ganhou mais altura. O da esquerda ficou para trás. Então, como se cansado de balançar e esperar o outro,  o menino da direita se soltou, caiu em pé e foi procurar outro brinquedo. 

O segundo menino ficou se balançando por mais um tempo. Tentou se lançar como o outro, mas não soltou as mãos da corrente do balanço. Resultado: caiu sentado no chão de terra do parquinho. Levantou-se, catou o resto de dignidade e foi atrás do outro menino. 

Eles saíram do meu campo de visão. Não sei se essa história teve outros desdobramentos. Não sei se eles já se conheciam ou se foi um relacionamento começado ali. 

Com um pouco de conversa e cooperação, os dois conseguiram por breves momentos uma sincronia perfeita no que faziam. Depois um deles se cansou. Se lançou ao desconhecido e conseguiu continuar. O outro perdeu o tempo da aventura. Quando quis se lançar ficou hesitante e se machucou. 

Os dois meninos vão continuar com as brincadeiras. Talvez juntos, talvez nunca mais balancem lado a lado. Talvez eles nunca mais consigam a sincronia com alguém como conseguiram naqueles poucos segundos. 

A gente tem que aceitar o fato que na maioria das vezes o balançar é desencontrado. No entanto, não dá para desistir da busca pela sincronia. Quando acontece, a gente tem que aproveitar porque pode ser por pouco tempo. Não depende só de um, os dois têm que querer. 


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Quando a dor da saudade apertar

Decidi acordar bem mais tarde nesta sexta. Ao abrir os olhos, o hábito me fez consultar o celular. Meu grande amigo Marcelo Passamai me passou uma mensagem falando sobre as mortes dos meninos do Flamengo. A partir dali foi o dia inteiro zapeando por vários canais. 

A cada novo detalhe era impossível não chorar. Mas acho que a ficha só caiu quando o gari Sebastião Rodrigues deu entrevista em frente ao Ninho do Urubu. Ele era tio de Samuel Thomaz Rosa. Naquele momento o menino era o oitavo morto identificado. 

Seu Sebastião, com uma força que a gente não tem a menor ideia de onde vem, identificou o sobrinho e disse a data do aniversário. “Ele ia fazer 16 anos em 4 de abril”. 

A conta foi rápida. Samuel nasceu no mesmo dia e ano do meu filho mais velho. Se faltava alguma coisa para me colocar no lugar daquelas famílias, a entrevista de seu Sebastião me jogou de vez para dentro daquele drama. 

Samuel morava no Morro do Conceito, em São João de Meriti. Por não ter o dinheiro da passagem, ficou no alojamento, apesar de não haver treino na manhã da sexta-feira. O garoto que veio ao mundo no mesmo dia e ano que o meu garoto encontrou a morte porque não podia ir para casa. 

Quando meu filho  abriu a porta, depois de um dia inteiro na escola de classe média, dei um abraço prolongado nele. Ele me disse “eu te amo” e perguntou se estava tudo bem. 

Olhei para ele e disse que não. E contei a coincidência de uma das vítimas ter nascido no mesmo dia do que ele. Rezei para que os sonhos do meu filho fiquem Íntegros e passíveis de realização. Rezei para que as famílias desses 10 meninos encontrem força para resistir aos pedaços arrancados pela partida das crianças. 

E no meio desse mar de dor, é importantíssimo que todas as responsabilidades sejam apuradas. O que provocou um incêndio dessas proporções, com tantas mortes deve ser explicado. Já começamos a ver que há irregularidades no funcionamento do Centro de Treinamento do Flamengo. O clube chegou a ser multado 30 vezes. 

É bom também entender o motivo para que o clube tenha começado o processo para legalizar o funcionamento do local em 2010 e passados quase 9 anos o documento não tenha sido expedido. Insistir no funcionamento sem os laudos necessários é um erro grave, mas a não concessão de um laudo em 9 anos deve ser questionado também ao órgão fiscalizador, no caso, o Corpo de Bombeiros. 

Um clube com tanta capacidade de investimento não conseguir fazer os ajustes para a obtenção de uma licença é algo a ser investigado. Os CTs de Fluminense e Vasco também não têm o documento. 

Foi necessário haver uma tragédia inominável para que as luzes se voltem às condições da base e das licenças para funcionamento dos CTs. Infelizmente, o Flamengo não está sozinho nessa falta dos documentos necessários. Infelizmente, a vida desses meninos não voltará mais. A ferida aberta é incurável. 


Todos os envolvidos devem fazer as perguntas que possam evitar a perda de outras vidas inocentes e o destroçar de tantos sonhos. Agora, só nos resta abraçar nossos filhos e rezar pelas famílias para que elas tenham resiliência no momento que a dor da saudade apertar. 

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Os dias chuvosos

A chuva atribui certa melancolia aos dias numa cidade que vive ensolarada. O súbito alívio, que faz o suor diminuir, cobra como pedágio reflexão. Ao barulho do trânsito, soma-se a trilha sonora dos pingos. Eles caem inevitavelmente na rua e deixam as vias escorregadias para os motoristas. A água empoçada é mais um desafio: carros e ônibus passam e o pedestre desavisado pode ficar ainda mais ensopado. 

A vegetação que cobre os morros parece absorver a água como um homem sedento na aridez do deserto mais severo e então, aproveita o refrigério. As árvores, a sua maneira, agradecem pela chuva e pelo fato dela não ser suficientemente forte para despregar-lhes as raizes do chão e provocar deslizamentos morro abaixo. 

E a chuva vem do céu a distribuir melancolia aos habitantes de uma cidade quase sempre ensolarada. E nessa chuva acontecem despedidas. Há aqueles que partem em dias chuvosos, não necessariamente por causa da chuva. É nessas horas que quase dramaticamente, chuva e lágrimas se confundem nas mais reles das metáforas. 

Lágrimas podem ser alívio, emoções incontidas que se materializam em forma de água. Chuva é água, é precipitação que se forma no choque de massas quentes e frias. Nesse conflito de diferentes expectativas chora/chove o desencanto. Depois de chover deve haver um recomeço. Depois do chorar há de acontecer um recomeço. 


Mas tudo pode ser apenas um dia chuvoso que distribui melancolia aos habitantes de uma cidade que costuma ser ensolarada. Sentimentos escorregadios, quase úmidos que escorrem pelas faces da rua e do papel.