quarta-feira, 29 de abril de 2020

A pressa e o abacate

O abacate é verde na aparência. Logo, temos que olhar além da cor para saber se o fruto está bom para comer. Além do olhar, tem que usar o tato para avaliar se ele está mole. Eu acrescento ao processo uma sacudida, para ver se a semente está solta. 

Bom, queria tomar uma vitamina de abacate. Olhei para ele e fiz rapidamente o ritual descrito. Apertei o abacate e vi que ele estava começando a ficar mais mole. Sacudi e o “chocalho” estava mais preso. Minha vontade de tomar a vitamina decidiu que era hora de usar o fruto. Calculei a metade e meti a faca. A lâmina  não entrou numa superfície macia e percebi que talvez não fosse o momento de cortar o abacate. No entanto, insisti. 

A semente estava muito entranhada na polpa do abacate. A retirei, mas uma boa parte estava intimamente grudada nela. Liquidificador a postos, peguei a colher para raspar o abacate e colocá-lo no copo do aparelho. Em vez de um fruta tenra, retirei lascas de abacate. 

Naquele momento tive a certeza de que o fruto não estava maduro. Mesmo assim, pensei: “já cheguei até aqui, agora vou terminar”. 

Consumindo o dobro do tempo e do esforço, coloquei a fruta no copo do liquidificador. Adicionei leite e adoçante. Afinal, é impossível o abacate ficar com gosto ruim. Liguei o aparelho e processei minha vitamina. 

Notei que ela não estava cremosa. Ora, não estaria, pois o abacate não havia amadurecido. Mesmo assim, vitamina pronta, sorvi com expectativa boa, pois uma vitamina de abacate é das melhores coisas desse confinamento. No entanto, foi a pior vitamina de abacate que tomei na vida. Além de não estar cremosa, a fruta estava com o gosto mais amargo, pois não havia completado seu ciclo. 

Não era o momento de consumir o abacate e eu insisti. Fiz tudo como sempre faço, mas a matéria prima principal, o abacate, precisava de mais maturação. Por mais que você tente influenciar os processos, as coisas precisam de ciclo temporal. Serve para frutas, serve para os filhos e para toda natureza de relacionamentos que você empreende não vida. Respeite o ciclo das relações, ao querer antecipar algo que não está pronto por pressa ou ansiedade, você pode inutilizar a fruta e ficar com o gosto amargo na boca. 

sábado, 18 de abril de 2020

Qual foi seu baile da Ilha Fiscal?

O baile da Ilha Fiscal foi o último baile do império ocorrido em 9 de novembro de 1889. A festa ocorreu menos de uma semana antes do golpe da Proclamação da República. Alguns eventos, ao longo da história, foram ganhando o apelido de “baile da Ilha Fiscal” por anteceder alguma grande mudança. 

Diante da realidade totalmente nova e não esperada que se descortina, com isolamento e quarentena, fiquei pensando, qual foi meu “Baile da Ilha Fiscal”? Cheguei a conclusão que o meu foi no lançamento do livro sobre o caso Proconsult, escrito por meu querido amigo Mauro SIlveira. O evento ocorreu no dia 9 de Março. A quarentena começou no dia 16. No lançamento houve o congraçamento de várias gerações do jornalismo. Desde Pery Cotta, lúcido e ativo aos 80 anos, até os vários estudantes que ainda estão na faculdade. 

O mundo não será mais o mesmo, talvez seja essa a grande lição da pandemia. O beijo no rosto para cumprimentar, o abraço no amigo e as aglomerações serão vistos como reprováveis até depois que esses loucos e isolados tempos passarem. Nos distanciaremos fisicamente das pessoas. Se o mundo digital já esgarçava as amizades presenciais, o coronavírus as transformou em algo condenável. 

Mas mesmo assim, quem tem dinheiro, sempre arruma um jeito de ganhar mais dinheiro. As lives patrocinadas de artistas podem gerar muita receita para artistas, patrocinadores e para as plataformas que abrigam esses eventos. O trabalho em casa, o tal de “romófici”pode ser o caminho para precarizar de vez as relações trabalhistas. A pandemia vai passar, mas definitivamente,  não seremos mais os mesmos.