quarta-feira, 22 de maio de 2019

Quem você traria de volta à vida?



Uma aluna me fez uma pergunta que eu não soube responder na hora. Não era a fórmula da água, nem 7 X 8. Antes que me acusem de qualquer coisa, gostaria de lembrar que dou aula numa faculdade do campo das Ciências Humanas, então essas perguntas, que aliás tem respostas óbvias, não fazem parte do dia a dia da minha disciplina. 

Voltando ao questionamento da aluna, a indagação era curta, mas a resposta complexa. Ela me fez a seguinte pergunta: se eu pudesse ressuscitar um cantor ou cantora, quem eu ressuscitaria. Nunca havia pensado nisso, até porque, acredito que os artistas fazem parte daquele tipo especial de gente que não morre. 

Quando escuto Tim Maia, Cazuza, ou Renato Russo, não consigo tratar como passado. Acho que as obras são tão vigorosaos na minha memória, que eles ocupam um lugar perene. Estão na prateleira, vou lá, alimento a alma e os devolvo ao relicário afetivo. 

Alguns me acusarão de ter uma postura utilitária com esses artistas. Mas não vou negar, a música é útil na minha vida, assim como a arte em geral. Negar a utilidade da arte serve apenas ao discurso obscurantistas que grassa em nossas cidades atualmente. 

A arte é útil à alma. Assim como o são as lembranças e a saudade. Isso tudo é para dizer que não tenho resposta. Minha aluna foi mais assertiva. Ela perguntou já tendo a resposta na ponta da língua: Cassia Eller. De fato, seria um belo nome para ressuscitar. Eu vi um show da Cassia e foi maravilhoso. A diferença de idade entre mim e minha aluna, deu-me o privilégio de ver Cassia Eller ao vivo. Minha aluna estava na idade de ver Galinha Pintadinha quando a cantora partiu. 

Eu disse que era uma boa opção, mas de fato, não consegui encontrar outra resposta. Me toquei que não consegui desenvolver com nenhum artista tal grau de devoção a ponto de querer trazer da morte algum deles. 

Saí da aula pensativo. Agora, minha dúvida era sobre quem eu ressuscitaria para ter uma última conversa. E vi que é muito difícil. Obviamente, pensei na minha mãe, mas depois, me perguntei “e o meu pai”? Imagina se um sabe que eu preferi trazer o outro. 

Pensei que quem perdeu apenas um deles teria uma escolha mais fácil do que a minha. A natureza foi sábia de não dar esse poder ao ser humano. Trazer alguém de volta à vida poderia causar dano a outro mesmo depois que este outro tivesse morrido. Viajei mais um pouco e pensei em mais inconveniente de trazer alguém de volta para a última conversa. 

Eu não tive a chance de conscientemente dar o último adeus nem à minha mãe, nem a meu pai. Se tivesse a chance de trazê-los, teria que me despedir novamente deles. Dessa vez sabendo que aquela era a oportunidade derradeira. Nossa, a primeira despedida foi dura demais. Não gostaria de viver novamente aquilo. 

A verdade é que tudo tem seu tempo. Subverter essa lógica traria mais dor do que recompensa. E assim como os artistas mencionados no começo desse texto, quem amamos também ocupa um lugar mágico e atemporal na alma. Essas  pessoas ficam impressas na gente. Quando são nossos pais e mães, inevitavelmente nos assemelhamos em traços e gestos. Quando são amigos, repetimos expressões e hábitos. 

Brincar de Deus e ressuscitar alguém é perigoso. Escolher é um dom. A vida é feita de escolhas. Como sou jornalista, lembro que editar é escolher e concluo, a léguas da filosofia clássica e a dois passos da filosofia de botequim, que viver é uma grande edição. E chego ao final do texto sem escolher quem eu traria para o último agiu ou para a última conversa. 

Um comentário:

  1. Tenho a sorte de ainda não ter perdido pai, mãe ou qualquer parente que realmente tenha convivido intensamente.

    Mas sim, tenho um grande amigo que gostaria de trazer de volta.

    Alguém que se foi cedo de mais e faz uma falta danada no momento em que vivo.

    E te falo com segurança, valeria a pena traze-lo. Mesmo pesando as consequências de sua volta, eu o traria.

    Ah! Sobre brincar de Deus, entendo que tudo e todos somos parte de Deus. O Universo conspira a nosso favor, logo, estaria fazendo um favor ao universo que sou parte.

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