quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Os socos no ar e o sequestro

A imagem do pai de uma refém consolando a mãe do sequestrador da Ponte me deu alguma esperança que este caso traga algo positivo. De diferentes maneiras,TODAS as pessoas dentro do ônibus foram vítimas. 

Os 37 reféns são as mais óbvias e visíveis. Saíram de casa para trabalhar, estavam num horário que quem encara sabe da dificuldade. Acordar de noite, caminhar por vias escuras até o ponto e pegar a condução. Diariamente, a batalha acontece. 

Ainda com sono, ao alvorecer, um homem subverte a rotina e anuncia um sequestro no ônibus. Medo, tensão, incerteza se a vida vai continuar depois do episódio. Os reféns entram nesses casos como as piores das vítimas. Foram surpreendidos e quando percebem são atores involuntários de uma cena trágica. 

Mas e o sequestrador? A leitura rápida e fácil é a de se tratar de um perverso vilão. No maniqueísmo nosso de cada dia, não há diferentes texturas na personalidade. Amarelo é bom, vermelho é mau e laranja não existe. 

William Augusto da Silva tinha 20 anos. Havia saído recentemente da adolescência. Era pobre, negro e morador de uma área periférica da Região Metropolitana do Rio. Entrou no ônibus com uma arma de brinquedo, uma faca e uma arma de choque. 

O rapaz sofria de depressão. No entanto, os pais provavelmente preocupados em colocar comida na mesa, não conseguiram dar atenção quando o jovem teve um surto psicótico no começo do ano e começou a ouvir “uma voz”. 

Um dos únicos luxos de William deve ter sido o celular, porta de entrada no céu do consumo e das informações   Porta de entrada no inferno das teorias conspiratórias, exemplos de publicidade sobre o que não terá e divulgação de atos violentos. As mensagens recebidas serão entendidas a partir dos mediações que somos capazes de fazer. 

Em William, com a depressão a contaminar a alma , as mensagens foram ingredientes para um coquetel megalômano e trágico. Durante o sequestro, ele dizia que iria fazer história, que pararia a cidade e coisas assim. Ninguém escolhe ter depressão e essa doença determina a forma de agir. 

Alguns ficam aprisionados em casa, como se estivessem acorrentados ao pé do sofá. Outros se matam. A de William se manifestou de uma forma que quase ocasiona a morte de 37 pessoas e, que  ao fim e ao cabo, levou sua própria vida. 

O pai de uma refém, que poderia estar com a alma ainda mais adoecida de ver a filha vítima inocente do ato de William, teve a empatia de consolar a mãe do quase algoz de alguém tão querido. A polícia agiu para que os inocentes, envolvidos passivamente no surto psicótico de Willian saíssem vivos. 

Daí a sair dando socos no ar, como lamentavelmente fez o governador Wilson Witzel, ou esbravejar nas redes sociais que bandido bom é bandido morto vai uma diferença do tamanho que tem o poder de um governante e a condição de fragilidade social de pessoas como Willian. 

Depressão mata e precisa ser olhada sem preconceitos. Uma política pública de saúde séria e a acessível poderia evitar que jovens como Willian chegassem a tal estágio de gravidade no quadro. Com informações de que alguns traços de comportamento são sintomas da doença, país poderiam intervir antes de ver pela TV o filho ser morto. 

Dentro do ônibus, eram todos vítimas. Fora do veículo, continuaremos sendo se não for tirado do episódio o aprendizado. Obrigado Paulo Cesar Leal por seu gesto, por entender que  havia dor de todos os lados. Por saber que não há nada a ser comemorado. 

4 comentários:

  1. "O ideal seria que todos saíssem vivos, mas infelizmente tivemos que optar entre a vida do sequestrador e o risco da vida de vocês". Disse o Governador após ter percebido o papelão que fez ao comemorar a morte de uma pessoa.

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  2. Infelizmente, comemorar foi a reação mais comum. Abs

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  3. Acho muito mimimi...só faz problematização social de tudo quem não vive o problema. Por essa linha de raciocínio, um pedófilo ou um feminicida também são vítimas de uma sociedade malvada. Acho esse governador bem fraquinho, mas por outros motivos. No caso, ele fez muito bem em comemorar, como fizeram a maioria dos presentes na cena e milhões que assistiam a distância.

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    1. Dois pontos. O primeiro, acho que vc não entendeu absolutamente nada do que escrevi. Comparar os diferentes tipos de crime que você citou com o caso trata-se de uma leitura deturpada do que eu quis dizer.

      2) no seu perfil não aparece identificação. Mas gostaria de agradecer por ter lido o post. Mesmo que seja para discordar, vc estava aberto a ler uma opinião diferente da sua. Nesses tempos, já é uma grande coisa.

      Abs

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