sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Quando a dor da saudade apertar

Decidi acordar bem mais tarde nesta sexta. Ao abrir os olhos, o hábito me fez consultar o celular. Meu grande amigo Marcelo Passamai me passou uma mensagem falando sobre as mortes dos meninos do Flamengo. A partir dali foi o dia inteiro zapeando por vários canais. 

A cada novo detalhe era impossível não chorar. Mas acho que a ficha só caiu quando o gari Sebastião Rodrigues deu entrevista em frente ao Ninho do Urubu. Ele era tio de Samuel Thomaz Rosa. Naquele momento o menino era o oitavo morto identificado. 

Seu Sebastião, com uma força que a gente não tem a menor ideia de onde vem, identificou o sobrinho e disse a data do aniversário. “Ele ia fazer 16 anos em 4 de abril”. 

A conta foi rápida. Samuel nasceu no mesmo dia e ano do meu filho mais velho. Se faltava alguma coisa para me colocar no lugar daquelas famílias, a entrevista de seu Sebastião me jogou de vez para dentro daquele drama. 

Samuel morava no Morro do Conceito, em São João de Meriti. Por não ter o dinheiro da passagem, ficou no alojamento, apesar de não haver treino na manhã da sexta-feira. O garoto que veio ao mundo no mesmo dia e ano que o meu garoto encontrou a morte porque não podia ir para casa. 

Quando meu filho  abriu a porta, depois de um dia inteiro na escola de classe média, dei um abraço prolongado nele. Ele me disse “eu te amo” e perguntou se estava tudo bem. 

Olhei para ele e disse que não. E contei a coincidência de uma das vítimas ter nascido no mesmo dia do que ele. Rezei para que os sonhos do meu filho fiquem Íntegros e passíveis de realização. Rezei para que as famílias desses 10 meninos encontrem força para resistir aos pedaços arrancados pela partida das crianças. 

E no meio desse mar de dor, é importantíssimo que todas as responsabilidades sejam apuradas. O que provocou um incêndio dessas proporções, com tantas mortes deve ser explicado. Já começamos a ver que há irregularidades no funcionamento do Centro de Treinamento do Flamengo. O clube chegou a ser multado 30 vezes. 

É bom também entender o motivo para que o clube tenha começado o processo para legalizar o funcionamento do local em 2010 e passados quase 9 anos o documento não tenha sido expedido. Insistir no funcionamento sem os laudos necessários é um erro grave, mas a não concessão de um laudo em 9 anos deve ser questionado também ao órgão fiscalizador, no caso, o Corpo de Bombeiros. 

Um clube com tanta capacidade de investimento não conseguir fazer os ajustes para a obtenção de uma licença é algo a ser investigado. Os CTs de Fluminense e Vasco também não têm o documento. 

Foi necessário haver uma tragédia inominável para que as luzes se voltem às condições da base e das licenças para funcionamento dos CTs. Infelizmente, o Flamengo não está sozinho nessa falta dos documentos necessários. Infelizmente, a vida desses meninos não voltará mais. A ferida aberta é incurável. 


Todos os envolvidos devem fazer as perguntas que possam evitar a perda de outras vidas inocentes e o destroçar de tantos sonhos. Agora, só nos resta abraçar nossos filhos e rezar pelas famílias para que elas tenham resiliência no momento que a dor da saudade apertar. 

3 comentários:

  1. Abrem-se feridas diariamente, o desafio é conciliar a dor com o crescimento espiritual de cada um. Belo e sensível texto, apesar do tema tão pesado.

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Raimundo, eu queria ter resposta sido co o eu mesmo, mas me enrolei e a resposta foi dada como sendo meu filho. Obrigado pela leitura.

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