sábado, 14 de dezembro de 2019

Minha dissertação de mestrado foi sobre rádio, obviamente

Como muitos sabem, defendi minha dissertação de mestrado no dia 12/12. É um dia interessante. O calendário guarda mistérios neste dia. Por exemplo, os dias 4/4, 8/8 e 12/12 caem sempre no mesmo dia da semana. Se 4/4 cair numa quinta, os outros dois também cairão. Em 4/4 nasceu meu filho, Pedro. Em 8/8 nasceu a linda Aurora, filha dos queridos Paulinho e Patricia. Agora 12/12 também tem seu valor, é o dia que me tornei mestre. Foram 110 páginas que resumi em 20 minutos. Resolvi publicar no meu blog parte deste texto, pois há algumas coisas que resumem o que acho do jornalismo, do rádio e até da vida:

“Bom dia professoras Lilian Saback, da PUC, e Larissa Morais da UFF, gostaria de agradecer a generosidade de participar desta banca, tenho certeza que o trabalho enriquecerá com as observações construtivas que serão feitas ao texto.

Bom dia professora Patrícia Maurício, minha orientadora. Eternamente agradecido pelos conselhos e alterações que recomendou ao trabalho para que ele chegasse a bom termo.

Bom dia aos meus colegas que separaram um tempo nesta manhã de dezembro para prestigiar esta defesa, deveria haver alguma mudança na natureza para que os dias tivessem mais horas no mês de dezembro é assim  déssemos conta de todos os compromissos.

Bom dia Marise, Valéria e Andrea, verdadeiros anjos da guarda que temos no Departamento de Comunicação da PUC, que nos ajudam a resolver os mais diversos problemas que surgem, inclusive os de inabilidade digital, como a do mestrando aqui.

Bom dia aos meus alunos que vieram assistir a esta apresentação. Só na PUC, onde leciono desde março de 2006, já me aproximo das 3.500 aulas, mas admito, poucas foram tão difíceis quanto esta apresentação de hoje.

Bom dia aos meus filhos, Pedro e Clara Maria. Aliás, a Clara fez o powerpoint que será usado nesta apresentação.

Gostaria de agradecer reiteradamente à Patricia Mauricio , por ter escolhido sempre o caminho do afeto na hora de colocar ordem em frases, conceitos e ideias que logo ao sair da minha mente pareciam caóticos. Ela é corresponsável nas coisas boas do trabalho, as ruins, são todas por culpa minha. Patrícia, chegamos lá,

E para encerrar esses agradecimentos, vou falar da pessoa que sabe tanto quanto eu como foi tortuoso o caminho até esta apresentação: minha mulher Ana Cláudia. Para complicar ainda mais o que não é fácil, inventei de ter um infarto. Pois é, Ana Claudia, chegamos lá.

Passando à defesa. O tema desta dissertação foi a Rádio Globo. Na verdade, fui levado a ele. Tentei escrever sobre outras coisas, mas no fundo essas coisas sempre desaguavam na Rádio Globo. Eu fugi deste tema até que ao entregar uma parte da dissertação, a Patrícia me fez enxergar o óbvio: “você está escrevendo sobre o ocaso da Rádio Globo”. Me senti como Caetano Veloso ao cantar em Um Índio “e aquilo que neste momento de revelará aos povos, surpreenderá a todos, não por ser exótico, mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto, quando terá sido o óbvio”. Nada mais óbvio do que escrever sobre a emissora que me apaixonei na infância e onde passei a maior parte da minha vida profissional. Entre idas e vindas foram 19 anos na Rua do Russel 434. Hoje até isso mudou na Rádio Globo, a emissora está na Irineu Marinho, prédio do Jornal O Globo, no que poderia ser um desdobramento do que foi descrito neste trabalho.

O Objetivo desta pesquisa era entender como a Rádio Globo foi perdendo relevância ao longo do tempo. A Rádio Globo está presente em vários aspectos do cotidiano das pessoas no Rio de Janeiro, só que de uma forma perene. Alguns exemplos: ao se referir a um time de futebol usamos “Flamengoooo”, “Vascoooo”, “Fluminenseeee”, sem perceber que estamos usando as vinhetas gravadas pelo cantor Fábio na década de 1960, com base em seu grnde sucesso “Stelaaa”. Outro exemplo é a vinheta “Brasiiiil”, na voz de Edmo Zarife que desde as eliminatórias para a Copa de 1970 embalam transmissões esportivas do Grupo Globo. É curioso refletir como essa memória vai esmaecendo, a ponto de seus rastros permanecerem nas mentes, mas o paradeiro do andarilho, no caso a Rádio Globo, ser desconhecido.

Como no modelo predominante na radiodifusão brasileira é exigida das empresas a obtenção de lucro, investiguei se as decisões das emissoras tiveram mais do que o intuito de obter resultados financeiros e conseguir um público apto a atrair patrocinadores e gerar riqueza para os capitalistas que as controlam. 

A Rádio Globo em particular fez diversas alterações em sua programação. Fiz uma investigação para entender se essas seguidas mudanças pensaram em algo a mais do que resolver os problemas econômicos da emissora. 

O objeto deste estudo é Sistema Globo de Rádio como um todo e a rádio Globo em particuçar. Aqui cabe destrinchar mais um pouco minha atuação profissional na empresa. Na CBN, fui repórter, repórter aéreo nas substituições ao Genilson Araújo e chefe de reportagem. Já na Rádio Globo fui coordenador de programação e apresentador. Para essa dissertação fiz um histórico da formação do SGR. 

Para contextualizar o trabalho foi feita uma análise da política internado SGR, de como era a correlação de forças das emissoras. O nascimento da CBN, os primeiros anos que quase resultam no fechamento prematuro e a virada do jogo. E como paralelamente, a Rádio Globo foi submergindo e perdendo prestígio tanto na corporação, quanto com o público em geral. 

A metodologia foi um desafio, pois balizar o caos das minhas ideias foi fundamental para que a dissertação prosseguisse. Esse processo foi importante para organizar e hierarquizar as milhares de páginas lidas ao longo do curso. Aos meus alunos, alguns presentes a esta defesa, costumo dizer que a vida é uma grande edição. O raciocínio é simples .Editar é escolher. A vida é feita de escolhas, logo viver é editar. Na vida acadêmica entendi que isso é fundamental. Outra coisa importante é esquecer. Esquecer é necessário para hierarquizar e valorizar o que deve ser lembrado. Então, se esquecimentos houve, peço perdão, mas no método de pesquisa ele foi necessário. Esquecendo e hierarquizando, no sentido pedagógico, cotejei vários textos do campo da comunicação com os de outras áreas das ciências sociais. Para discutir as bases da Indústria Cultural brasileira e o rádio foram usados textos de Rodrigo Duarte e Luiz Arthur Ferraetto. Sobre os conflitos na implantação do modelo de rádio brasileiro foram usados textos de Patrícia Maurício. BolañoBritos e Gastaldo foram usados para discutir a Economia Política da Comunicação. Marcelo Kishinhevsky e Eduardo Meditsch ajudaram a esclarecer minhas ideias sobre o impacto que as novas tecnologias tiveram na forma de ouvir e fazer rádio. E claro, sem Marx, Engels, Benjamin, McLuhan, Adorno, Hall, Martin-Barbero e Canclini não estaríamos nesta sala, reunidos para esta defesa. 

Escolhi fazer jornalismo para ser repórter. Reputo ser repórter a um estado da alma. Muito levado por essa escolha, usei o método de pesquisa de entrevistas individuais em profundidade. Como explica Jorge Duarte seu objetivo está relacionado ao fornecimento de elementos pra compreensão de uma situação ou estrutura de um problema. 

Fiz longas entrevistas com pessoas que participaram de processos de decisão no SGR de 1991 a 2017. O jornalista Marco Antônio Monteiro foi fundamental para explicar o ambiente corporativo interno na época da criação da CBN. Já Mauro Silveira me ajudou a reconstituir o funcionamento das estruturas de poder que atuavam na empresa no fim do século XX. Zallo Comucci explicou  como foi o primeiro grande corte de funcionários na história da CBN. Giovanni Faria compartilhou como foi sua chegada  ao SGR e como as idas dele e de Agostinho Vieira foram importantes para que o Grupo Globo tomasse conta do negócio de radiodifusão. Mais tarde, como diretor da Rádio Globo, Giovanni tentou fazer modificações que permitissem sobrevida à emissora. Marcus Aurélio de Carvalho me tirou várias dúvidas de como foi o processo de implantação da Rádio Globo Brasil. A rede de rádio que a  Globo tentou inspirada na CBN. Marcus me contou alguns desdobramentos ocorridos na emissora, principalmente em São Paulo. 

O último método foi a autoetnografia. Ellis e Bochner ressaltam a importância do ponto de vista em primeira pessoa do investigador que estava ou esteve dentro de determinado processo a ser investigado. Entre 1998 e 2017 minha vida profissional esteve ligada ao Sistema Globo de Rádio. Primeiro à CBN e depois à Rádio Globo. De 2007 a 2010 prticipei da montagem e implementação da Rádio PUC. Mesmo assim, neste período de “diáspora profissional” fui jurado do primeiro prêmio CBN de jornalismo universitário e, juntamente com o professor Marcelo Kishinhevsky, coordenei o Conecta, programa que ia ao ar mensalmente na CBN, portanto, a ligação permaneceu. 

Na Rádio Globo, de 2010 a 2017, fui coordenador de programação e um dos responsáveis pelo conteúdo que ia ao ar no dial e nas plataformas digitais. Apresentador substituto de alguns programas e titular durante 9 meses da Domingueira da Globo, programa que guardo com muito carinho por ter sido a realização de um sonho. Diante do cargo que ocupava, alguns dos fatos narrados tiveram-me como testemunha. Usei a autoetnografia em casos que foram extremamente necessários, em reuniões que estive presente. Sempre com a preocupação de não usar eventuais juízos de valor de meus interlocutores sobre terceiros.

Agora algumas considerações finais. A primeira é óbvia, você sai do mestrado completamente diferente do que entrou, tanto no campo intelectual quanto no físico. No meu caso. um stent faz parte da anatomia do meu corpo. 

Agora considerações intelectuais: passados quase 100 anos não é tarde para dizer: Roquette-Pinto tinha razão.Um modelo de financiamento público em que os cidadãos financiassem a radiodifusão brasileira não deixaria as emissoras tão subjugadas aos interesses dos anunciantes e dos capitalistas que as comandam. Cabe aqui ressaltar a diferença entre emissora pública, modelo que proponho e  emissora estatal, que pertence ao estado, como. EBC.

Como diz Edgar Morin “a ideia que o progresso da civilização é acompanhado por um progresso da barbárie é completamente aceitável [...] é certo que uma civilização urbana[...] que traz tanto bem estar, desenvolvimentos técnicos e outros, a atomização das relações humanas conduz a barbáries, insensibilidades inacreditáveis”.

Portanto para que a cidadania e a plena democracia sejam garantidas é necessário que o estado atue nessa relação das grandes empresas e os cidadãos. Devem ser garantidas tutoria e inclusão para que o indivíduo não acabe vítima como foi o personagem Daniel Blake, do filme de Ken Loach, que sucumbiu porque não conseguiu dar entrada ao seguro-desemprego por causa da burocracia tecnológica da Inglaterra. McLuhan afirma que as tecnologias são próteses que aumentam a capacidade do homem, mas sem uma inclusão digital elas amputam.

A chegada oficial do rádio no Brasil completa 100 anos em 2022. Neste tempo, por ser o primeiro meio de comunicação eletrônico a entrar nos lares brasileiros, criou uma relação com o público. Relação muito mais abrangente do que a de um simples partícipe da indústria cultural. O rádio é também um intermediador de relações afetivas dentro de casa, um provedor de cidadania, um supridor de carências. Por todos esses aspectos é possível classificar o rádio como parte da tradição cultural brasileira.     

2 comentários:

  1. Creso, que maravilha o seu trabalho, Parabéns! Muito bom ler sobre essa Rádio que é um patrimônio da nossa cultura. Infelizmente, com as mudanças não somos mais ouvintes aqui em casa, mas, por muitos anos, nos áureos tempos, ouvíamos diariamente. Parabéns, mais uma vez!

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