sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

O surfista e a conta corrente

Demorei 47 anos, 7 meses e 12 dias para ver uma pessoa entrando de prancha numa agência bancária. Perdão se pareço provinciano ou pouco afeito às modernidades da vida. No entanto, aquele surfista correntista realmente aguçou minha curiosidade. 

Eu estava numa fila na agência. Sim, eu sou aquele cara que vai fisicamente ao banco. E naquele marasmo angustiante que é olhar uma tela e ver se o número que aparece é o da sua senha, entrou no meu campo de visão aquela cena inusitada. 

O homem, entre 35 e 40 anos, se aproximou da porta giratória. Os seguranças da agência olharam com estranheza. Eles autorizaram a entrada. Ele passou e se dirigiu aos caixas eletrônicos. 

Fiquei imaginando o quão urgente eram as ondas que ele iria pegar ou as contas a pagar. Afinal, por qual motivo ele não deixou a prancha em casa para resolver os problemas bancários?

Aquela prancha, num lugar tão opressor como costuma ser uma agência bancária, estava deslocada e me abriu a cabeça para muitos pensamentos. O kkk mais superficial foi: depois que saísse do banco, aquele homem iria ter contato com a natureza enquanto o restante de nós iria cuidar de tarefas mais enfadonhas. 

Ele encostou a inseparável companheira ao lado do caixa eletrônico e fez operação que precisava. Enquanto a máquina “pensava e processava” os comandos que ele disparara, o homem acariciava a prancha como se fosse a cintura da pessoa amada. 

Quantas vezes você se viu como uma peça deslocada num quebra-cabeça. Eu me senti assim diversas vezes. No entanto, aquele surfista nem ligou para os olhares curiosos, críticos e invejosos. Acompanhado por sua prancha, entrou no banco e cuidou da vida. Ele mostrou que, literalmente, paga suas contas e como ninguém tem nada a ver com isso, resolveu seus problemas com a velha amiga prancha. 

Quando acabou, se dirigiu ao segurança, confirmou o endereço da agência bancária e pediu um carro por aplicativo. Quando o veículo chegou, passou pela porta giratória, entrou no carro e sumiu junto com sua prancha. Salvo o caso do homem ser louco, deve ter ido à praia pegar suas ondas com as contas pagas. 

A vida precisa de um pouco de inventividade. Talvez ao entrevistar o surfista sumiriam o mistério e o fascínio da história. Ele teria uma explicação plausível para estar com a prancha no banco. Nesse caso, prefiro ficar com o enredo que eu criei. Um cara que não está nem aí para convenções, que vai ao banco com a prancha e não liga para as opiniões alheias. 


Bom, pode ser que entrar com a prancha na agência bancária seja a coisa mais comum do mundo e eu, que sou um ET, nunca tenha visto. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário