sábado, 26 de janeiro de 2019

Os filhos e as pipas

Quando você se cansar de pisar minhas  pegadas, olhe para a margem do caminho, quem sabe o pé muda de forma e crescem asas em você. 

E se crescerem asas em você, quem sabe a dor nas costas diminua, já que a falta de contato com o chão deixa a pressão sobre a lombar mais leve. 

E se voando esquecer meu rosto, tente ao menos lembrar da minha voz, para que sirva de guia se o acaso lhe arremessar dentro de uma nuvem.  

Queria ter você como uma pipa, para então  ser seu condutor. Na esperança vã de impedir que algum aventureiro corte a linha. 

Nem mesmo o cerol mais forte é páreo para as lâminas da vida. O tempo é afiado na distância. A liberdade vem em forma de ampulheta. Correndo areia e deixando mais forte um sentimento de total independência. 

A olho nu não reconheço mais os traços. Mas de relance me assaltam os tempos de quando os seus olhos eram apenas meus. Aquelas horas em que me curvava só para dar-lhe a mão e garantir o seu andar. 

As minhas costas já não são as mesmas. Quisera eu também poder voar e reduzir as dores na coluna e com disfarces lhe acompanhar. 

Então a ilusão de mira e alvo se desfaz no primeiro ato da inevitável autonomia. Em vez de pipa, segue como pássaro. Buscando a rota do próprio voar. Fazendo no outono a migração para estações que nem ouvi falar. Num voo solo em que eu só vou torcer. 


Tentando achar o ritmo do texto, que num arroubo de vil pretensão, tenta a ponte entre prosa e verso. A poesia está nas entrelinhas com pouca rima, com muita vida. 

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