quarta-feira, 12 de junho de 2019

Juiz que adianta sentença

Meu velho e bom amigo Cristian Barcelos contou uma história que parece uma piada de mau gosto, mas pode ilustrar um pouco do que vai na alma dos juízes brasileiros. Cristian é defensor público e atua em Nova Friburgo. Para quem não é afeito ao mundo jurídico, ele faz um resumo dos ritos no tribunal:

-O processo criminal começa com uma denúncia. Aí o réu é citado para fazer a defesa dele. Depois dessa defesa o juiz recebe a denúncia, marca uma audiência em que são escutadas as testemunhas de acusação em seguida as testemunhas de defesa, depois o réu. Depois disso, são feitas as alegações finais. O Ministério Público faz o resumo dele do processo, a defesa fala em seguida e depois o juiz dá a sentença. 

Em algumas oportunidades o juiz leva o processo para o gabinete e delibera, em outras, ele elabora o veredicto na própria sala de audiência. Cristian explicou que numa oportunidade o procedimento foi diferente: 

-Já tínhamos ouvido todo mundo, o MP fez as alegações dele e eu estava fazendo as minhas. Quando eu estava na metade, percebi que o juiz não prestava atenção no que eu falava. E mais do que isso, ele estava digitando alguma coisa. Como o que eu estava falando não ia ser tomado por termo (não iria constar no registro da audiência) perguntei: "Excelência, o que o senhor está fazendo”? Ele respondeu: “estou adiantando a sentença “. E continuei “o senhor está dando a sentença antes de eu terminar de fazer minhas alegações”. Aí ele ficou muito sem graça, justificou dizendo que era um juiz novo e que tinha que fazer um relatório muito elaborado, mas que ele não estava dando a decisão ali na hora. Infelizmente, não vou dizer a maioria, mas grande parte dos juízes da área criminal, quando o processo começa, faz uma busca por provas e documentos que justifiquem a decisão que ele já tomou. 

Nova Friburgo é uma cidade na Região Serrana do Rio de Janeiro. Distante 136 km da capital, é terra de Benito di Paula e do meu grande amigo Giovanni Faria. A história ocorrida no município pode ilustrar o que ocorre por algumas varas no país. 

Viajando-se 945 km, chega-se a Curitiba, capital paranaense, mas acima de tudo, capital da Lava-Jato. A República de Curitiba foi abalada nesta semana pelas revelações contidas na reportagem do site The Intercept. As conversas pouco republicanas de Sergio Moro com os procuradores explicitam a atuação político-partidária do grupo. 

Mais que juiz, Sérgio Moro se assemelhou a um maestro, reclamando até do ritmo que as investigações seguiam. A reportagem, no mínimo, levanta a suspeita de que a partir do momento que sentou na sala de audiências da Justiça Federal do Paraná, Lula estava condenado. Juiz e procuradores queriam retirá-lo da disputa presidencial. E mais, não era necessário só prendê-lo, era preciso calá-lo. Os procuradores tinham medo que uma entrevista do ex-presidente antes da votação elegesse Haddad. 

Especialistas dizem que as mensagens de Moro com os procuradores não podem ser usadas juridicamente. No entanto, o ministro da Justiça vai ficando sem condições políticas de permanecer no cargo. Conhecendo  o fim da história, Bolsonaro eleito e Moro no Ministério dele, só fica mais antiética a participação do ex-juiz na Lava-Jato. Sérgio Moro pedala em cima da inteligência da população. A permanência dele no primeiro escalão faz parte do cinismo típico dos novos tempos em Brasília. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário