quarta-feira, 11 de julho de 2018

Nego do Borel, James Brown e as tomadas de posição

Provocado por meu amigo e ex-aluno Alexandre Costa, fui ver o último clipe de Nego do Borel. O primeiro desafio é ouvir Me Solta e não ficar repetindo o refrão pelas próximas três horas. Logo, escrevo esse texto sem que a batida e as palavras tenham saído da minha cabeça. 

Minha grande dúvida é se o cantor entendeu o que estava fazendo. Um artista saído de áreas periféricas já é um grande vencedor ao furar o bloqueio armado por sua origem. Nego do Borel é um sucesso. 

No entanto, a cena do beijo entre Nego e um modelo pareceu ter mais o intuito de chamar atenção do que de defender uma questão da causa LGBT. A ex-namorada usou uma rede social para criticar o artista e dizer que a personagem do clipe era antiga. Ele já fazia em gravações velhas no celular. 

Alguém teria que falar com o cantor que hoje em dia nada pode ser gratuito. Se ele se veste de mulher e protagoniza uma cena gay, é necessário que haja uma mensagem, uma causa.  Seria diferente se houvesse uma narrativa mais clara. 

A música Deixa a Menina, de Chico Buarque, tem um arco dramático parecido com o funk de Nego do Borel. Transporte o baile funk para uma gafieira, e troque “me solta, porra” para “deixa a menina sambar em paz”. 

Na canção de Chico, existe a narrativa mais clara, à qual me referi. A de Me solta deixa muitas pontas soltas. E como os diretores não conseguiram resolver as inconsistências, sobrou para Nego do Borel o rótulo de oportunista. Talvez se a produção tivesse usado varias situações em que alguém fosse cerceado de participar do baile, o enredo seria mais rico. Uma mulher, mais velha, um casal hétero, um casal gay, uma pessoa transgênero, todos encenando situações em que coubesse o refrão “me solta, porra”. Aí sim, haveria alguma mensagem. 

A inconsistência do clipe, transborda seus enquadramentos quando Nego do Borel faz uma selfie com Jair Bolsonaro. Aí é que a narrativa fica mais frágil. Hoje em dia, mais do que nunca, a pessoa pública tem que espelhar em seus fazeres profissionais suas atitudes pessoais. Fazer um clipe em que se veste de mulher e beija um homem perde toda força ao se deixar fotografar ao lado de uma pessoa que é declaradamente contra a causa LGBT, como Jair Bolsonaro. 

A situação de Nego do Borel me lembrou a de um outro cantor.  Vi um documentário sobre James Brown exibido no canal Curta!, nele é remontada a trajetória do Rei do Funk, ídolo entre outros, de Michael Jackson. Por favor, James Brown e Nego do Borel pertencem a planetas diferentes em relevância no mundo da música, eu sei. 

Pois bem, na década de 1960, Brown construiu um império. Tinha estações de rádio, rede de restaurantes e até um jatinho. No contexto da valorização do papel do negro na sociedade americana e da luta pelos direitos civis, James Brown era um exemplo para a comunidade. 

No entanto, a carreira começou a ruir quando ele pediu votos para Richard Nixon, candidato republicano à presidência. Aquele apoio “inusitado” fez com que seu público passasse a rechaçar suas iniciativas. A situação foi tão dramática, que James Brown perdeu tudo. O cantor chegou a ser preso e “cumprir uma etapa” na cadeia, para usar um jargão de Tim Maia. 

Nego do Borel parece estar exposto a uma combinação tóxica. O vídeo inconsistente e o retrato heterodoxo com o candidato-capitão podem render mais críticas do que elogios  ao cantor. Nego deveria conversar mais com a amiga Anitta para entender como passar mensagens em clipes. 

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